Por Raquel Marques
Conhecida de forma inadequada como tráfico de drogas, a comercialização de substâncias ilícitas por crianças ou adolescentes é considerada uma das piores formas de trabalho infantil e é responsável por 46,14% do total de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas na Fundação Casa. A terminologia “tráfico de drogas” é carregada de estigmas e acaba sendo punitivista. Por isso deve ser evitada.
Antônio era um aluno bom de matemática e com frequência escolar. Cumprindo medida socioeducativa por comercialização de substância ilícitas aos 17 anos, ele fez diversos cursos profissionalizantes, enviou currículos, mas não conseguiu trabalho protegido. Foi trabalhar em uma oficina mecânica – atividade também proibida para pessoas com menos de 18 anos – mas foi dispensado. Sem alternativas, o adolescente voltou a se envolver na comercialização de substâncias ilícitas.
Casos como o de Antônio revelam o desafio de romper com o ciclo de adolescentes que trabalham no mercado varejista de drogas e são socialmente vistos como ‘bandidos’, apesar dessa ser considerada um das piores formas de trabalho infantil.
Proposta pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999, na Convenção 182, as piores formas de trabalho infantil são formas de trabalho proibidas para pessoas com menos de 18 anos, porque trazem maiores riscos à saúde, ao desenvolvimento e à moral das crianças e dos adolescentes.
Em 2008, o Decreto 3.597/2000 promulgou a Convenção 182 no Brasil, regulamentada em 2008 pelo Decreto 6.481, que lista 93 atividades como piores formas de trabalho infantil, elencadas na Lista TIP – Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil.
O Decreto 6.481 reconhece a comercialização de substância ilícitas como uma das piores formas de trabalho infantil e o inclui na Lista TIP. Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera a atividade como ato infracional, passível de aplicação de medida socioeducativa, incluindo a internação.
Medidas de proteção que poderiam ser aplicadas para os adolescentes que atuam com a comercialização de substâncias ilícitas são desconsideradas para os envolvidos com atos infracionais, inclusive pelos Conselhos Tutelares, Promotorias e Varas da Infância e Juventude. Essa ambiguidade jurídico-normativa, muitas vezes, impede que tais adolescentes sejam protegidos e entendidos como vítimas do trabalho infantil.
“Em geral, eles saem piores do que entraram, já que irão conviver com jovens mais engajados na criminalidade, e com maus tratos, torturas e com a falta de atividades educacionais. Punem os adolescentes, ao invés de protegê-los, mas se omitem com relação às medidas protetivas previstas no ECA”, relatou o advogado Ariel de Castro Alves para o site Criança Livre de Trabalho Infantil.