Por Raquel Marques
“Um caso que me marcou muito foi de uma diarista de 30 e poucos anos. Na ocasião em que a entrevistei, ela estava fazendo um curso de administração em uma instituição privada, com bolsa do Prouni, pagando 50%. Ela foi ainda criança trabalhar em casa de família e estudava à noite. Só podia ir para a escola se não tivesse uma colher suja em casa. Foi uma das poucas mulheres que entrevistei que persistiu muito na educação, acreditando que a escola era o lugar dela, porque em geral a escola expulsa essas meninas. Ela me disse que quando retornava para casa – e à noite era o único horário que ela podia fazer as tarefas da escola – a dona da casa não a deixava ficar com a luz do ‘quartinho da empregada’ acesa. Por isso, ela ia para a rua estudar com a luz da iluminação do poste”, conta a professora universitária e pesquisadora, Juliana Cristina Teixeira. O relato foi coletado na apuração do livro Trabalho Doméstico, publicado por Juliana, na coleção Feminismos Plurais.
Longe de ser isolado, esse é um exemplo de como o trabalho infantil doméstico afeta o desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes. Não por acaso, ele é considerado uma das piores formas de trabalho infantil. Ou seja, está no rol de atividades que mais oferecem riscos à saúde, ao desenvolvimento e à moral das crianças e dos adolescentes.
Proposta pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999, na Convenção 182, as piores formas de trabalho infantil são formas de trabalho proibidas para pessoas com menos de 18 anos, porque trazem maiores riscos à saúde, ao desenvolvimento e à moral das crianças e dos adolescentes.
Em 2008, o Decreto 3.597/2000 promulgou a Convenção 182 no Brasil, regulamentada em 2008 pelo Decreto 6.481, que lista 93 atividades como piores formas de trabalho infantil, elencadas na Lista TIP – Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil.
Por acontecer dentro das casas, muitas vezes o trabalho infantil doméstico é invisibilizado e amplia a exposição a maus-tratos, violência física e psicológica, abusos sexuais e racismo. Além disso, as atividades envolvidas trazem riscos de queimaduras, cortes, acidentes com bebês e crianças pequenas.
“O trabalho infantil doméstico é uma violação de direitos em uma fase onde a prioridade deveria ser o desenvolvimento intelectual e socioemocional. Então, essa criança ou adolescente, que deveria estar sendo protegido, cuidado e indo para escola acaba assumindo uma responsabilidade que não condiz com sua etapa de desenvolvimento”, aponta Elaine Amazonas, assistente social e gerente de projetos no escritório da Bahia da Plan International Brasil.
Para a gerente de projetos, a pandemia, a crise econômica e o aumento da insegurança alimentar no Brasil contribuíram para piorar esse cenário. “Essas crianças estão ainda mais vulneráveis ao trabalho infantil doméstico por uma questão de sobrevivência. E, muitas vezes, oferecem seus serviços em troca de uma pseudo segurança”, destaca.