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O que é trabalho infantil em espaços privados de uso coletivo?

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Entenda como essa forma de trabalho infantil em lugares privados, com grande circulação de pessoas, viola direitos de crianças e adolescentes, e saiba como combatê-la.

Por Raquel Marques}
Publicado em 18 de agosto de 2022

Partindo das periferias de São Paulo, meninos de 8 a 17 anos pedem carona a motoristas de ônibus, pulam a roleta no metrô ou pagam a passagem com dinheiro de doação ou da venda de balas. O destino é um shopping na zona sul de São Paulo, onde os garotos também trabalham ou pedem um prato de comida, na praça de alimentação.

Em geral, se organizam em grupos de dois a três crianças e adolescentes. A maioria está matriculada na escola, mas é infrequente, tendo a educação prejudicada. Outros já abandonaram os estudos. As mães, em geral, não têm emprego formal. Outro ponto em comum entre todos eles é buscar renda nos chamados espaços privados de uso coletivo – ou seja, estabelecimentos que apesar de privados são abertos ao público e recebem grande circulação de pessoas.

Começam no ônibus ou no metrô, que servem também como meio de transporte, até o destino final, no shopping,  distante de casa. Só retornam à noite ou, muitas vezes, dormem na rua e acabam expostos a diversas formas de violência.  Apesar de não haver dados oficiais sobre o número de crianças e adolescentes nessa forma de trabalho infantil no município, é visível que  a cena se repete cotidianamente em outros espaços, como portas de supermercados, em aeroportos, terminais rodoviários e até mesmo nos cemitérios.

C´redito: Tiago Queiroz / Criança Livre de Trabalho Infantil

As consequências do trabalho infantil na vida dessas crianças e jovens são inúmeras: reproduz e fortalece o ciclo de pobreza das famílias, prejudica a aprendizagem, e torna-os vulneráveis em diversos aspectos, incluindo questões de saúde, acidentes e maior risco de assédio sexual.

Dentre as violações de diversos tipos, há ainda o direito à educação negado. A evasão escolar é um reflexo dessa condição, além de comprometer o acesso ao mercado de trabalho dessa parcela da população no futuro.

O enfrentamento de tal forma de trabalho infantil conta com um desafio adicional: em São Paulo, assim como em outros municípios, a lei não permite que os profissionais da assistência social da prefeitura realizem as abordagens nesses espaços, justamente por serem privados.

Uma responsabilidade compartilhada

Assim, as parcerias e a colaboração entre empresas, organizações da sociedade civil e o governo são essenciais para o combate ao trabalho infantil em espaços privados de uso coletivo.

De acordo com a Constituição Federal Brasileira de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente é dever do Estado, da família e da sociedade, assegurar a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes.

Crédito: Tiago Queiroz / Projeto Criança Livre de Trabalho Infantil

Ana Claudia Cifali, advogada e coordenadora jurídica do Instituto Alana, aponta que a luta pela erradicação do trabalho infantil exige políticas públicas e ações de enfrentamento em todos os níveis, com o engajamento do poder público, do sistema de justiça e da sociedade civil.

“Trata-se de uma responsabilidade compartilhada e, sendo assim, todos devem somar esforços e adotar as medidas necessárias para que os direitos de crianças e adolescentes sejam garantidos com prioridade absoluta”, reforça a coordenadora jurídica.

Segundo Edson Silva, que atua como coordenador pela Coordenadoria de Ação Social (CAS) no Estado de São Paulo, a Secretaria Estadual de Assistência Social tem um papel de apoio técnico e de articulação dos atores nos territórios, mas cabe aos municípios criar estratégias próprias de enfrentamento. 

Crédito: Marcello Vitorino/ Projeto Criança Livre de Trabalho Infantil

“O maior desafio é a aproximação e trabalho socioassistencial com os setores privados para ações emancipatórias e não culpabilizantes da família”, pondera Edson. 

O coordenador da CAS ainda alerta para a questão da intermunicipalidade, que dificulta o atendimento. “Uma vez abordadas crianças e adolescentes em situações de trabalho infantil fora do seu território, é necessário garantir o retorno seguro e articulação do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de origem no acompanhamento.

Trabalho infantil em espaços privados e o agravamento com a pandemia

Foto: Tiago Queiroz / Criança Livre de Trabalho Infantil

Se o enfrentamento ao trabalho infantil, por si só, já tem vários obstáculos, os desafios foram potencializados com a pandemia. Apesar de ser perceptível uma maior presença de famílias em situação de rua e do trabalho infantil durante esse período, os dados oficiais não refletem esse aumento porque os registros formais estão subnotificados.

Ainda assim, um dossiê publicado pelo Instituto Alana aponta que o empobrecimento da população e o aumento da insegurança alimentar, aliados à redução dos investimentos em políticas públicas voltadas para a infância foram responsáveis por levar ainda mais crianças e adolescentes à extrema vulnerabilidade, seja em situação de rua ou de trabalho infantil. 

“Esse cenário alerta para a importância de se compreender a pandemia não apenas enquanto crise sanitária, mas, também, como social e econômica, cujos efeitos perdurarão no tempo e têm o potencial de acirrar desigualdades sociais e raciais históricas que recaem sobre inúmeras crianças e adolescentes”, ressalta a coordenadora jurídica do Instituto Alana.

Sob o mesmo ponto de vista, Mauricélia Martins, psicóloga e orientadora social no Programa Cidade Protetora, aponta os riscos para o enfrentamento do trabalho infantil no contexto da pandemia. 

“Muitas famílias perderam seus empregos e estão morando nas ruas por não terem condição de manter o aluguel das suas residências. Consequentemente, a prática do trabalho infantil aumenta porque se torna uma forma de sobrevivência. E tem ainda uma questão emergente, que é a fome. Com as famílias voltando para uma condição de extrema pobreza, as crianças são as mais impactadas nesse contexto”, acredita a psicóloga.

Chega de Trabalho Infantil no Terminal Barra Funda

O projeto Chega de Trabalho Infantil no terminal rodoviário Barra Funda, em São Paulo, teve início em maio deste ano. Com 12 meses de duração, a iniciativa visa desenvolver um protocolo de atuação que possa servir como base para erradicar o trabalho infantil em outras concessões públicas de São Paulo. 

No Terminal Barra Funda, a iniciativa conta com o financiamento do Fundo Municipal de Criança e Adolescente (FUMCAD) e apoio do Conselho Municipal de Criança e Adolescente (CMDCA).

Uma equipe social fará a busca ativa e a identificação das crianças e adolescentes por meio de um cadastro, que será encaminhado à rede socioassistencial a fim de que as famílias sejam assistidas.

“Ao mesmo tempo, a gente sabe que renda é uma necessidade, então temos a preocupação de como eles podem trabalhar sem romper com a escola nesse contexto”, explica Mauricélia Martins. Um desses caminhos é a Lei do Aprendiz, que garante as medidas necessárias ao trabalho adolescente protegido. 

“É muito importante saber que pautamos uma política pública e que, a partir de agora, poderemos construir um ecossistema de proteção nesses espaços para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade”, finaliza a orientadora do programa.

Chega de Trabalho Infantil nos Shoppings Centers

A metodologia utilizada no projeto é a Chega de trabalho infantil nos Shoppings Centers,  desenvolvida para o enfrentamento ao trabalho infantil em espaços privados de uso coletivo que teve como primeiro espaço de implementação o Shopping Metrô Santa Cruz, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, em 2018.

Desenvolvida em parceria com o próprio Shopping Metrô Santa Cruz, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo (SMADS) e o Criança Livre de Trabalho Infantil, a iniciativa consiste em seis estratégias que visam transformar o Shopping Center (ou outros espaços privados de uso coletivo) em um ecossistema que contribua com a erradicação do trabalho infantil em sua totalidade.

A metodologia está baseada nas seguintes estratégias: diagnóstico; formação das equipes; atendimento especializado a crianças e adolescentes; monitoramento e avaliação; articulação com a rede de proteção social; e campanha de sensibilização de clientes e lojistas.

Além do Shopping Metrô Santa Cruz, a metodologia já foi implementada também nos Shoppings Pátio Higienópolis (outubro de 2019 a março de 2020) e Shopping Center Norte (agosto de 2021 a fevereiro de 2022). Conheça a metodologia em um livro eletrônico.

Programa Cidade Protetora

Lançamento do Programa Cidade Protetora: Prefeito da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes; Secretário Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Carlos Bezerra Júnior; Secretária Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, Aline Cardoso; Secretário Executivo do Gabinete do Prefeito, Diogo Soares; Secretário Municipal da Saúde, Luiz Carlos Amarco; Secretária de Direitos Humanos e Cidadania, Soninha Francine; Coordenadora da Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil, Luiza Murakami.

A experiência bem sucedida da metodologia Chega de Trabalho Infantil nos Shoppings Centers inspirou o Programa Cidade Protetora, lançado pela Prefeitura de São Paulo, em junho de 2022, com o objetivo de enfrentar o trabalho infantil em espaços privados de uso coletivo.

Entre as ações que compõem o “Cidade Protetora”, está um selo de certificação àquelas que contratem profissionais dedicados ao atendimento social de criança e adolescente em seus espaços, formação para as equipes de segurança e desenvolvimento de campanhas, além de uma articulação direta com a rede de proteção da Prefeitura de São Paulo. Saiba mais sobre o programa neste link.

Nenhum espaço é lugar de trabalho infantil. Saiba como ajudar!

A informação e a mobilização são ferramentas essenciais na promoção dos direitos de crianças e adolescentes. Não dar esmolas, denunciar casos de exploração infantil e apoiar iniciativas sociais são alguns caminhos de combate ao trabalho infantil. Abrace essa causa! 

Saiba mais: Como eu posso ajudar a combater o trabalho infantil?

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