24/02/2017|
*Reportagem de Gabriela Rodrigues e Renato Lopes
“Ocupamos aqui pela diversidade
Por uma educação de melhor qualidade
Pelo direito à moradia
Autonomia e produção
Se junte a essa nossa ocupação.”
O trecho acima, pensado pelos organizadores do bloco de Carnaval Eureca, faz referência a um momento de luta e resistência para diversos estudantes do país.
Em 2016, as escolas públicas brasileiras ocupadas por conta da proposta de emenda constitucional (PEC) 241, que impõe um teto ao crescimento dos gastos públicos, receberam destaque na mídia. A movimentação em prol da causa mostra o quanto a juventude está disposta a lutar por um direito primordial: o de aprender.
Com a chegada do Carnaval, a luta dos estudantes ganhou mais força. O bloco de rua Eureca (Eu reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente) traz, em sua 25ª edição, o tema “ocupação”, fazendo referência aos recentes acontecimentos nas escolas públicas. O primeiro desfile aconteceu no dia 19, em São Vicente, litoral de São Paulo (veja vídeo abaixo). Os demais ocorrem no dia 24 de fevereiro, em São Bernardo do Campo (SP), e no mês de outubro, em Sapopemba, na capital paulista.
No sábado (18), cerca de 20 jovens participaram do ensaio final. O treino foi apenas uma prévia do que a bateria do Projeto Meninos e Meninas de Rua e do Levante Popular da Juventude mostrou durante o desfile de sexta-feira (24).
A organizadora do evento e coordenadora do Projeto Meninos e Meninas de Rua, Neia Bueno, explica que a ideia surgiu após a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. Mas só ganhou vida após dois anos. Em 1992, saiu o primeiro bloco, trazendo no samba-enredo toda a alegria pela conquista do estatuto. “A partir da organização dos educadores e das organizações sociais, criou-se uma sequência de blocos. Começamos a pensar em maneiras de divulgar problemáticas da infância”, conta.
Eureca! A palavra grega significa “encontrei”. Teria sido usada pelo matemático Arquimedes na antiguidade ao descobrir como medir a densidade dos objetos. Desde então, está associada a boas ideias
Desfile em São Vicente
O desfile em São Vicente foi organizado pelo Projeto Camará. O samba-enredo sobre ocupações foi pensado pela comissão formada por educadores e jovens envolvidos com o acontecimento.
De acordo com o conselheiro tutelar e também organizador do bloco EURECA Léo Duarte, o desfile do dia 20 contou com a participação de muitas pessoas da região. “Foi de encher os olhos de alegria”, disse, ao falar sobre o envolvimento das crianças e jovens presentes. “Nós percebemos que eles são provocados a discutir temas que até então eram de exclusividade dos adultos. Agora, as crianças e os adolescentes começam a se interessar pela temática dos seus próprios direitos”, conta emocionado.
Léo Duarte
Conselheiro há cinco anos em São Bernardo do Campo (SP), Leo Duarte é colaborador do Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil. Natural de Juazeiro do Norte, Ceará, ele chegou a São Bernardo aos 12 anos com a família. Ficou em situação de rua por quatro anos e hoje, aos 37, cuida de crianças, que, como ele, tiveram seus direitos violados.
Também fotógrafo, é o autor das imagens que ilustram desta reportagem.
Para Duarte, o conselheiro pode ser um dos principais atores dentro do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Quando cumpre bem o seu papel. “Tenho me preocupado com o comportamento inadequado de alguns profissionais, que utilizam o Conselho Tutelar como órgão repressor, quando deveria ser de proteção.”
Veja os temas do bloco desde o primeiro desfile
1992 – Comemorando a Conquista do ECA
1993 – Eureca são outros 500 (por ocasião dos 500 anos de descoberta das Américas)
1994 – Eureca contra a fome e a violência (em apoio à campanha do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho)
1995 – contra a discriminação racial (por ocasião da comemoração dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares)
1996 – contra a exploração do trabalho infantil (em apoio à Campanha Nacional Contra a Exploração do Trabalho Infantil)
1997 – 5 anos de denúncia (retomada dos temas trabalhados anteriormente)
1998 – Criança: prioridade absoluta
1999 – se essa rua fosse minha! (reflexão sobre a fantasia e a realidade da rua)
2000 – Acorda Brasil, toma que o filho é teu! (sobre a situação de crianças e adolescentes desde a chegada dos portugueses)
2001 – Contra a violência, pense com a consciência (dois temas foram tratados: violência infanto-juvenil e maioridade penal).
2002 – A educação não pode ser privada! (em defesa de uma educação pública de qualidade)
2003 – Lugar da criança é no Orçamento
2004 – O ECA na escola e a sociedade civil organizada
2005 – “Bem-me-quer, mal-me-quer” (compromisso com a infância e adolescência)
2006 – Direitos Humanos – contra o abuso e a exploração
2007 – Várias infâncias
2008 – Garantia de direitos – direito é bom e eu gosto
2009 – Mídia: Mostra a tua cara! A realidade não tem máscara. O que a TV mostra não é o que vejo
2010 – 20 anos do ECA e protagonismo infantil.
2011 – Estado! Se não protege, mata!
2012 – Contra a internação compulsória
2013 – Pela verdade antes que o mundo acabe
2014 – Copa do Mundo 2014 – uma goleada de violações
2015 – 5 anos do ECA: Cuidar? Punir?
2016 – 25 anos do Bloco Eureca. Contra a invisibilidade que nos fere, pela visibilidade que nos fortalece