Mães em cárcere: as dificuldades das mulheres presas e um projeto para atendê-las

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17/04/2017|

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“Quando um defensor público chega à prisão, a primeira pergunta que os pais fazem é como está o processo. Na ala feminina, a primeira coisa que uma mãe pergunta é onde estão os filhos dela. É isso o que deixa a mulher apreensiva e angustiada”, conta Maíra Coraci Diniz, responsável pelo projeto Mães em Cárcere, da Defensoria Pública de São Paulo.

A iniciativa surgiu em 2014, pensando justamente em aliviar a angústia das mães que perdem contato com os filhos, ao serem presas. “A ideia era interligar diversos órgãos e defensores para auxiliar a situação das mulheres presas”, diz Maíra.

Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere

Antes de o projeto ser criado, as mães recebiam assistência, mas a defesa vinha tarde, pois era preciso aguardar a intimação do juiz. “Devido à morosidade do processo, muitas vezes, quando íamos procurar as crianças, elas já não eram mais encontradas.”

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Atualmente, assim que a mulher entra no sistema prisional, ela recebe um formulário do Convive, assessoria técnica de gestão informacional da defensoria pública. “Após uma triagem, há o levantamento de informações mais detalhadas com a aplicação desta ficha. São feitas diversas perguntas sobre onde estão os filhos, o telefone de contato e com quem as mães gostariam que eles ficassem.”

Colhida pela equipe do próprio presídio, o formulário é enviado imediatamente ao Convive. Com isso, a defensoria investiga onde estão os filhos, com apoio da rede de proteção do bairro da família. A assistência social, por exemplo, vai à residência, verifica a documentação das crianças e procura encaminhá-las aos parentes mais próximos ou pessoas indicadas pela mãe. “A ideia é evitar que os filhos fiquem em situação de rua. Por isso acionamos todo o sistema [de proteção], criando um trabalho intersetorial”, explica Maíra.

Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere

Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen, de 2014, a população prisional feminina é notoriamente marcada por condenações por crimes de drogas, categoria composta por tráfico de drogas e associação para o tráfico, sendo responsáveis por 64% das penas das mulheres.

Na opinião de Maíra, a lei dá brecha para muitas interpretações, permitindo que o juiz decida o que é tráfico sem limitação de quantidade, por exemplo. “A justiça atualmente é uma loteria. Há muitos usuários e pequenos traficantes presos. Os grandes não são sempre encarcerados.”

Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere

A questão social está diretamente ligada ao tráfico. De acordo com Maíra, a falta de oferta de emprego leva muitas pessoas ao comércio de drogas. “É fácil se inserir nele, pois não é preciso agredir ninguém ou ter armas. Não necessariamente a pessoa é perigosa.”

Para Jorge Artur, encarregado técnico dos Serviços de Abordagem Social na Cena de Uso de Droga, da Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura de São Paulo, a questão é extremamente séria, pois há muitas crianças em situação de rua cujos pais estão encarcerados.

“Eles não suportam o abrigo. A menina e o menino não vão se esquecer do pai e da mãe, porque eles foram destituídos do pátrio poder. A situação das mulheres é muito séria, pois além de serem encarceradas, perdem seus filhos, sendo que a motivação quase sempre é social.”

Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere

Prendendo a pobreza

No último mês, o caso da advogada Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, causou polêmica. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu recurso da defesa da advogada, acusada de corrupção e lavagem de dinheiro, e manteve a decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro, que concedia a ela prisão domiciliar.

A sentença foi apoiada no artigo 318 do Código de Processo Penal. Com a aprovação do Marco Legal da Primeira Infância, em 2016, houve uma alteração na lei, permitindo que o juiz autorize presas em regime provisório a ficarem em prisão domiciliar para cuidar dos filhos menores de 12 anos, quando não há quem o faça.

Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere

Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere

Ainda de acordo com o Infopen, há 36.495 mulheres privadas de liberdade no Brasil. Do total, 30,1% é vinculada a custódias sem condenação. Portanto, presas provisórias. O número é alto, mas não há um levantamento a respeito da quantidade de mães. Apesar disso, depoimentos de especialistas mostram que a problemática envolvendo mães encarceradas é bastante complexa.

Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere

Faixa etária

Outra questão a ser observada é a faixa etária dos presos. Embora apenas 11,16% dos brasileiros tenham entre 18 e 24 anos, este grupo corresponde a quase um terço da população das prisões. A baixa idade das pessoas em cárcere levanta outra discussão bastante presente na defesa dos Direitos da Mulher.

De acordo com o estudo Cenário da Infância e da Adolescência no Brasil, publicado pela Fundação Abrinq, 18, 1% dos nascidos no país, em 2015, são filhos de mulheres de 10 a 19 anos. Na Região Norte, o número salta para 25,5%.

Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere

No Dia Internacional das Meninas, celebrado em 11 de outubro, o relatório Every Last Girl, divulgado pela organização internacional Save The Children, apontou que o Brasil é o pior país para as meninas da América Latina, considerando fatores como escolaridade e representação de mulheres no Parlamento.

Ocupando a 102ª colocação, apresentamos pior cenário para garotas do que países como Índia e Paquistão, conhecidos mundialmente pela cultura machista. O relatório destacou que o casamento infantil e a gravidez na adolescência são preocupantes: “O Brasil é o país com renda média superior, mas está apenas ligeiramente melhor nos índices que o frágil e pobre estado do Haiti (número 105 da lista)”.

No texto, Rebeca Zakayo Gyumi, defensora dos direitos das meninas, alerta que o estudo revela uma série de barreiras enfrentadas pelas meninas na realização de suas potencialidades. “Líderes se comprometeram em convenções internacionais que protegeriam as meninas das culturas e questões sociais que as deixam para trás. É hora de agir. Precisamos libertar as meninas de todas as barreiras que elas enfrentam e empoderá-las a lutarem por seus direitos e terem suas vozes ouvidas. Isso não pode esperar.”

Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere

Do lado de dentro

Imersos no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, unidade prisional feminina para grávidas em Minas Gerais, a jornalista Natália Martino e o fotógrafo Leo Drumond frequentaram a unidade e conviveram com mulheres durante um ano, entre 2014 e 2015. A experiência resultou no livro Mães do Cárcere, cujas fotos ilustram esta reportagem, a ser lançado em maio (Belo Horizonte e São Paulo) e junho (Brasília). A venda será realizada pelo site Projeto Voz.

Nas palavras de Drumond, a experiência deixou explícita a dureza do cárcere na maternidade. “É um lugar paradoxal. Vivemos esta realidade durante um ano e registramos as histórias, fazendo paralelamente uma análise, baseada em dados.” Por lá, as presas ficavam divididas entre as grávidas e as lactantes. Após seis meses, os bebês são acolhidos pelas famílias das mães.

Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere

Na convivência, a dupla constatou o que os números confirmam: a maioria está encarcerada por tráfico de drogas. Além disso, segundo Drumond, geralmente a mulher é presa por se associar a uma atividade do marido ou namorado. “Ela está em uma posição de esconder a droga ou guardar a arma, por exemplo. Às vezes, é presa inclusive levando algo para o companheiro na prisão, durante a visita.”

Outra observação empírica da dupla é que as penas são mais longas para as mulheres. “Os juízes têm sido particularmente duros com as mulheres. Acompanhamos um caso em que o marido, chefe da quadrilha, recebeu pena menor que a esposa, que não liderava o grupo.”

A solidão é outra marca da batalha de muitas presas. O fotógrafo conta que elas ficam muito abandonadas e a disputa jurídica é sempre mais difícil, porque não há ninguém do lado de fora para ajudá-las a recorrer. “Quando o homem está preso, a mulher vai ao juiz, procura advogado e arruma dinheiro. Tem a mãe, irmã, prima… O contrário não acontece. Da unidade que frequentamos, entre 70 mulheres, no máximo seis recebiam visita. É uma realidade cruel.”

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