03/10/2017|
Por Bruna Ribeiro
Especialistas criticaram um projeto de liberação do trabalho infantil artístico sem autorização judicial durante audiência pública realizada no Senado na terça (3), com mediação da senadora Marta Suplicy.
O debate foi uma resposta à solicitação de um grupo articulado contra a aprovação do PLS 231/2015, de autoria do senador Valdir Raupp, em discussão na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado.
A proposta altera o artigo 60, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e permite que adolescentes entre 14 e 18 anos trabalhem como artistas ou esportistas apenas com a autorização dos pais. Para os menores de 14 anos, a autorização judicial só seria necessária se não houvesse acompanhante.
Opiniões
Segundo Rafael Dias Marques, procurador do trabalho e chefe de gabinete do procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), o projeto contraria o artigo 8 da Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.
Pela norma, crianças e adolescentes com menos de 16 anos precisam de autorização, por autoridade competente, para a realização do trabalho infantil artístico – que só pode ser dada em caráter excepcional.
Sandra Regina Cavalcante, professora da Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro Trabalho infantil artístico: do deslumbramento à ilegalidade, corroborou com a fala do colega.
“Conforme disse o doutor Rafael, as finalidades do trabalho infantil e de uma atividade artística são completamente diferentes. Mesmo que nas duas situações a criança esteja dançando ou interpretando, em uma atividade artística, cujo foco é a criança, se ela se sentir mal ou não estiver com vontade, o pai vai tirá-la daquela situação, diferentemente de quando há um contrato. O lúdico pode se tornar muito complexo”, disse.
Para a representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, coordenadora do Combate ao Trabalho Infantil da SRTE-GO e presidente do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FEPETI-GO), Katleem Marla Pires de Lima, o pai e a mãe não têm competência técnica para analisar a condição de segurança do meio ambiente do trabalho. “Isso precisa ser feito pelo Estado, por um profissional competente, que é o juiz”, disse.
“Será que os pais, diante de uma grande agência de publicidade, conseguem exigir um tempo máximo de trabalho? Acredito que não. É preciso haver um controle mínimo. Transferir essa responsabilidade para a família vai equivaler à ausência de regulamentação”, complementou.
A Diretora do Departamento de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, Mariana de Sousa Machado Neris, ressaltou que o trabalho infantil não é uma simples manifestação artística. “Uma das piores formas de trabalho infantil é o trabalho nos faróis, como os malabares. Eles podem ser considerados uma expressão de arte do circo, mas produzem danos.”
Além disso, Mariana questionou o papel da remuneração. “Uma vez que os pais precisam estar com as crianças e deixam de trabalhar, a família desloca a responsabilidade de sobrevivência para a criança ou para o adolescente. Precisamos refletir se esse é o modelo de sociedade que estamos apoiando em construir.”
Também contrária ao projeto, a Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA e chefe da Divisão de Erradicação do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho, Marinalva Cardoso Dantas, contou que já foi questionada por muitas crianças retiradas da exploração do trabalho infantil. “Já cheguei a ouvir: ‘por que a senhora vai me tirar do meu trabalho, se eu trabalho para comer e vocês não tiram as crianças que estão na novela? ’ É uma pergunta constrangedora para nós, diante das crianças trabalhadoras.”
Outro lado
Já a representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT, Alice Voronoff, acredita que a expressão artística não deve se confundir com situações exploratórias de trabalho infantil. “É preciso haver um tratamento diferenciado. A participação dos pais é importante neste processo.”
Por fim, a senadora Marta Suplicy entendeu a importância de se promover mais uma audiência pública, ouvindo pessoas que trabalharam na infância.
Em março, a Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil publicou uma reportagem a respeito do trabalho infantil artístico. Em entrevista, o ator Felipe Paulino, que atuou no filme Cidade de Deus, aos 8 anos, conta que ficou traumatizado por uma passagem, na qual o personagem levava um tiro. Mesmo tendo visto o filme várias vezes, só conseguiu assistir à violenta cena quando completou 18 anos. Para ler a matéria completa, clique aqui.