15/12/2017|
Por Ana Luísa Vieira
Focado na agenda intersetorial, seminário joga luz sobre o papel da rede de proteção, da comunidade e da esfera política para erradicar o trabalho precoce na região do Grande ABC. Crédito da imagem: Julio Bastos – Prefeitura de Santo André.
Quando ouve alguém falar que o trabalho infantil enobrece, que é melhor trabalhar do que roubar e outros tantos mitos ligados ao trabalho precoce, a procuradora Sofia Vilela (MPT-SP) costuma contar uma história capaz de ilustrar a gravidade dessa violação de direitos no país.
Em uma de suas inspeções Brasil afora, incansável pesquisadora dos direitos humanos, ela relembra o caso de um rapaz interiorano. Ele tinha uma égua e pedia para que um menino a alimentasse com capim em troca de R$ 10. “Como ele não faz nada a tarde inteira, vou ajudá-lo. Poderia cair nas drogas, mas vou salvá-lo, ele vai me ajudar a cuidar da égua”, dizia o dono do animal. Até chegar o dia em que, para facilitar a alimentação do bicho, ele comprou um triturador de mato. E o garoto, ao manuseá-la, perdeu quatro dedos da mão direita e nunca mais voltou a escrever.
“Isso é ajudar a combater o problema?”, indagou Sofia aos quase cem participantes do Seminário “Trabalho Infantil – Caracterização, Identificação e Enfrentamento”, organizado pela prefeitura e Secretaria de Cidadania e Assistência Social de Santo André (SP) na quinta-feira, 14 de dezembro.
“Aquele homem está explorando, beneficiando-se da atividade do menino, útil apenas para o explorador. O problema do trabalho infantil tem de ser erradicado pelo município. Se aquele homem diz ‘eu sou o salvador da criança, lhe dei uma oportunidade’, meus caros, neste discurso eu não caio. E vocês também não”, afirmou a procuradora, recebendo aplausos da plateia. (Clique nas fotos para ver o álbum completo).
Encontro intersetorial
Convidada do evento, Sofia fez parte do debate voltado aos atores do Sistema de Garantia de Direitos da cidade de Santo André, localizada na Região do ABC Paulista – um dos polos industriais mais importantes São Paulo.
O município, com mais de 720 mil habitantes, lançou na reunião as diretrizes de 2018 para fortalecer a erradicação do trabalho infantil na cidade: diagnóstico do trabalho infantil, formação de rede e construção de fluxos e realização de campanhas publicitárias, conforme apontou Rosimeire Mantovan, representante da Secretaria.
Precisamos de debates intersetoriais e de espaços como esse. Vamos formar um núcleo de discussão e apostar na política pública. Quanto mais essa política é estruturada, quanto mais educação e saúde tivermos, a tendência do trabalho infantil é cair. Vamos apostar nisso, na busca ativa, na divulgação do Disque 100. Essa é uma tarefa de todos”, ressaltou a palestrante.
Mestre em Serviço Social e docente da área, Rosimeire aposta na educação integral como o melhor caminho para a erradicação do trabalho precoce. “A escola integral vai proporcionar projetos alternativos, metodologias de educação. Temos um grande percurso pela frente”, destacou.
Pelas ruas e praças de Santo André
Nos faróis das ruas Catequese, Campos Sales, Bernardino de Campos e General Glicério, meninos e meninas se dividem pelos cruzamentos. Da venda de balas aos rodinhos que oferecem para lavar vidros dos carros, malabares também se equilibram e chamam a atenção para um dos problemas sociais mais graves das grandes cidades: o trabalho infantil.
“Sim, temos esse problema, e é por isso que aqui estamos, para caminhar muito. Precisamos de soluções, temos de buscar caminhos e a articulação em rede para que todos possam perceber a gravidade do trabalho infantil”, ressaltou o secretário de Cidadania e Desenvolvimento Social de Santo André, Marcelo Delsir da Silva.
Para o secretário, os meninos do semáforo são vítimas de uma série de violações que os levou até ali. “Se não trabalharmos a prevenção, não teremos a solução do problema. Devemos evitar que essas crianças cheguem às ruas, as famílias precisam de ajuda. Precisamos mudar esse futuro. E essas ações começam aqui”, destacou Silva. “Vamos buscar entender e trabalhar a intersetorialidade com a família. Eu prefiro fortalecer as ações para garantir as políticas para a garantia de direitos.”
De acordo com Rosmeire Mantovan, o diagnóstico do trabalho infantil na cidade tem urgência de ser ampliado. De acordo com o levantamento mais recente, 70% dos adolescentes em situação de trabalho infantil são do sexo masculino e têm entre 12 e 17 anos de idade. “É necessário um mapeamento mais profundo, que exponha as formas de trabalho infantil muitas vezes invisíveis, como a exploração sexual, o tráfico de drogas e o trabalho infantil doméstico”, reforçou.
A Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil também teve espaço de fala no encontro, apresentando o projeto e o cartaz da campanha de mobilização contra o trabalho infantil. Participe também!
Em busca de resultados positivos
Todas as pessoas são protagonistas no combate ao trabalho infantil. Existe uma rede, pessoas que unem esforços e conseguem resultados positivos”, complementou Sofia Vilela, durante uma apresentação sobre as causas e consequências do trabalho na infância.
Também fazem parte desta rede o Ministério Público do Trabalho e a Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância). A proposta feita pela procuradora é que o município integre a iniciativa “Resgate a Infância”, com formações para escolas, alunos e comunidades.
João Batista Martins César, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região e integrante do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, falou sobre a importância do apoio ao jovem aprendiz e também alertou a todos a respeito dos riscos da reforma trabalhista recém-aprovada.
Reforma trabalhista sem debate é preocupante. Isso não é democrático e temos de lutar para que a sociedade seja democrática. O que virá depois? Direitos como o do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também podem retirados.”
César também apresentou o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo a Aprendizagem, do Tribunal Superior do Trabalho:
Esforços coletivos
Representante da Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social (DRADS-ABC), Heder Sousa finalizou o encontro. “O secretário Marcelo Delsir quer encarar este problema e junta os nossos esforços nesta rede que começa agora”, enfatizou o sociólogo, também especialista em desenvolvimento social.
Sousa apresentou o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). “Todos os municípios recebem co-financiamento para fazer campanhas e seminários via PETI. Em São Paulo, 76 cidades recebem esse aporte – e todas têm direito a ele. Temos de sensibilizar o núcleo familiar e a sociedade por meio de ações estratégicas. Juntos, seguimos mais fortes para desenvolvê-las e aplica-las”, finalizou.
Confira a apresentação do grupo de crianças e adolescentes do serviço de convivência e fortalecimento de vínculos do Projeto Shalom, cantando “Rayando El Sol”, do grupo mexicano Maná:
A proteção social supõe antes de mais nada tomar a defesa de algo, impedir sua destruição, sua alteração. Nesse sentido a ideia de proteção contém um caráter preservacionista. Não da precariedade, mas da vida – supõe apoio, guarda, socorro e amparo. Este sentido preservacionista é que exige tanto as noções de segurança social como de direitos sociais.”
Aldaiza Sposati, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Seguridade e Assistência Social da PUC/SP (Clique para ler a íntegra do artigo).