28/02/2018|
Por Redação
Uma pesquisa inédita realizada pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) traçou, pela primeira vez, o perfil das famílias nas quais ocorre trabalho infantil em duas importantes regiões metropolitanas do Brasil: São Paulo e Porto Alegre.
O estudo, feito a pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT) foi apresentado na primeira reunião do ano do Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, dia 26.
Realizado entre 2014 e 2016, o levantamento se baseou na Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Dieese, com periodicidade mensal e amostra 3,3 mil famílias por mês. O resultado obtido comprovou, com dados empíricos, que quanto menor a renda, escolaridade e o acesso ao emprego formal, e quanto maior a presença de mulheres como chefes de família, maior a chance dos filhos serem vítimas do trabalho infantil.
Outras pesquisas, inclusive do Dieese, já caracterizam os adolescentes que trabalham. A nossa questão é identificar quais são as características das famílias que favorecem esse trabalho”, explica Lúcia Garcia, técnica do Dieese e coordenadora do estudo.
- Por questões metodológicas, foi considerado no estudo apenas o trabalho infantil remunerado, descartando-se outras formas, como o doméstico, por exemplo.
Desigualdade
A influência dos aspectos socioeconômicos sobre o trabalho infantil se evidencia na comparação de dois polos radicalmente opostos estabelecidos no levantamento.
A título de referência, a Região Metropolitana de São Paulo, onde 17,6% das residências têm crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, a taxa de ocupação precoce média é de 0,8%.
Dessa população, foi separado um perfil 1, com elevado grau de vulnerabilidade: renda per capta de até meio salário mínimo, escolaridade do responsável até o ensino médio incompleto, chefiadas por mulheres – com ou sem cônjuge – ou por homens sem cônjuge, empregados domésticos ou desocupados. Nesse caso, que representa 12,3% do total de famílias com pessoas de 10 a 14 anos, a taxa de trabalho infantil subiu para 1,3%.
No grupo acima, alguns dados se destacam: 77,1% das famílias eram chefiadas por mulheres; 76,5% dos responsáveis tinham até o ensino fundamental completo; 65,1% eram inativos e 14,8% estavam desempregados.
No perfil 2, foram analisadas apenas famílias com casais, de chefe masculino, escolaridade do ensino médio completo para cima, renda per capta superior a um salário mínimo, empregados com e sem carteira assinada, autônomos e outras ocupações. Nesse grupo, que representa 39,1% das famílias com pessoas de 10 a 14 anos na Grande São Paulo, a taxa de ocupação precoce encontrada foi de 0,6%, menos da metade da verificada no grupo mais pobre.
Verificou-se também que, nas famílias em que o chefe é o homem, as condições socioeconômicas são muito mais favoráveis: 18,6% dos responsáveis têm ensino superior completo e 52,1% das residências têm uma renda familiar per capta de até três salários mínimos.
O trabalho de crianças e adolescentes está associado à pobreza. Por mais que nos aperfeiçoemos as articulações institucionais e os aparatos legais de coibição dessas formas de trabalho, a verdade é que quanto mais pobres e desprotegidas, menos as famílias conseguem evitar lançar mão da força de trabalho precoce”, diz Lúcia.
Escolaridade
Outro ponto importante a destacar é a escolaridade, variável que, isoladamente, mais impacta na ocorrência de trabalho infantil em uma família. Na Grande São Paulo, 19,1% das famílias cujos responsáveis têm, no máximo, até o ensino médio incompleto possuíam crianças e adolescentes ocupados precocemente. Entre as famílias cujo chefe tem ensino superior, o número cai para 9,5%.
Na Região Metropolitana de Porto Alegre a redução é ainda mais brusca entre esses dois padrões de escolaridade: 16,4% de ocupação precoce nas famílias cujo responsável tinha até o ensino médio incompleto, percentual que vai para 4,8% quando o chefe do núcleo familiar tem ensino superior completo.
Conclusões
Para Elisiane dos Santos, procuradora do Trabalho do MPT de São Paulo, a pesquisa fornece uma descrição mais detalhada da realidade do trabalho infantil, servindo de base para repensar as políticas públicas na área. “Já tínhamos uma noção desse perfil, mas ainda não tínhamos isso delineado dessa forma. É um ganho no sentido de direcionarmos o olhar”, observa.
Para ela, envolvida diretamente na fiscalização do trabalho infantil, a superação da exploração de crianças e adolescentes demanda uma atuação mais abrangente do poder público.
Será que nosso esforço em campanhas de conscientização é suficiente? Ele é importante e necessário, mas há políticas sociais que são fundamentais para que se avance no enfrentamento e em uma possível erradicação do trabalho infantil”, defende. “Não podemos mais continuar pensando no enfrentamento desse problema sem pensar em igualdade de gênero, igualdade racial, distribuição de renda e elevação da escolarização”.