06/12/2019|
Por Bruna Ribeiro
O Projeto Chega de Trabalho Infantil realizou, no dia 3, o último encontro do Ciclo de Formações sobre Trabalho Infantil, na Sociedade Santos Mártires, Jardim Ângela. O distrito, no extremo sul de São Paulo, está entre aqueles com maior situação de vulnerabilidade de crianças e adolescentes na cidade.
Com a facilitação dos sociólogos Ana Paula Galdeano, João Aquino e Anabela Gonçalves, o ciclo foi dividido em quatro etapas, com dois encontros para cada uma delas – totalizando oito oficinas. Participaram mais de 100 profissionais de diversas áreas do Sistema de Garantia de Direitos da região, como assistência social, Conselho Tutelar, educação e saúde.
Segundo Felipe Tau, gestor do projeto, as formações foram pensadas para colocar as diversas áreas da rede de proteção em contato, esclarecer o papel de cada uma e ampliar suas conexões. “A articulação, a participação e o conhecimento sobre a realidade do território são fundamentais para que os profissionais e a sociedade civil defendam, monitorem e aprimorem as políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil”, disse o gestor.
Essa é também a opinião de Marcela Purini Belém, da equipe de referência do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) na Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado. Presente no último encontro, Marcela acredita que o mais importante é pensar em como tirar os fluxos do papel. Precisamos usar as mediações institucionais, como o Conselho Tutelar e outros órgãos com essa finalidade, para que os profissionais não adoeçam.
Para a socióloga e formadora Ana Paula Galdeano, o ciclo formativo foi extremamente importante para avançarmos na erradicação do trabalho infantil no território do Jardim Ângela. “Foi muito importante valorizar os saberes dos profissionais que atuam localmente para, a partir daí, discutir os conceitos, legislações e políticas centrais. Com isso, construímos coletivamente um fluxo de trabalho que leva em conta a dinâmica dos equipamentos locais. O grande desafio, agora, é compartilhar esse fluxo entre os equipamentos e instituições da rede e colocar o desenho em prática”, disse.
Na opinião do sociólogo e integrante da equipe de formadores João De Aquino, outro aspecto positivo do ciclo de formações foi a oportunidade de alinhar conceitos metodológicos e práticos que norteiam as ações e intervenções dos profissionais que atuam na rede socioassistencial no território, além de promover um espaço de discussão e escuta qualificada entre diferentes agentes que integram diferentes pastas das políticas públicas existentes no Jardim Ângela.
“Enfatizamos de maneira transversal aos conteúdos expostos nas oficinas que todos os profissionais que trabalham na rede socioassistencial são educadores sociais, independentemente de qual função específica desempenham em suas equipes ou qual sua área de formação acadêmica. O educador social é uma espécie de intelectual orgânico forjado em meio aos movimentos sociais e que tem como objetivo intervir na realidade local dos territórios por onde transita. Esse sempre será seu compromisso ético. A constatação tem impacto positivo no que se refere a identidade profissional dos trabalhadores do “fazer social” que atuam na rede de proteção social”, disse João.
Já para Anabela Gonçalves, socióloga e também integrante da equipe de formadores, as oficinas tiveram um grande poder social. “Todas as vezes que chamamos a sociedade civil e as organizações sociais para pensar o fazer esse mesmo fazer se transforma. Como dizia Paulo Freire, estudar é também e sobretudo pensar a prática. Pensar a prática é a melhor maneira de pensar o certo”, disse Anabela.
Ainda de acordo com a socióloga, pensar os fluxos de combate ao trabalho infantil na região do M’Boi Mirim trouxe a reflexão sobre a infância e a adolescência e a importância da proteção desses conceitos em disputa na atual conjuntura política, sobretudo no que remete a políticas públicas protetivas para esse público.
“A elaboração coletiva desse fluxo reabre e renova sua conexão com as pautas populares da comunidade. Sem dúvida essa elaboração conjunta trouxe profundidade e reconexão comunitária e pública para as ações cotidianas no combate das principais formas de trabalho infantil existentes no contexto da região”, concluiu.
Participantes
Participante em todas as oficinas, Vanessa Januário da Silva, 36 anos, assistente social da Instituição Monte Azul, considera que o encontro trouxe ricas discussões, pois muitos equipamentos do bairro estavam presentes. “A ideia era que construíssemos um fluxo no território do Jardim Ângela para identificar e intervir na problemática do trabalho infantil”, disse Vanessa.
“Os facilitadores seguiram como bibliografia o Guia Passo a Passo de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e a partir disso conseguimos fazer um esboço de como será esse fluxo para apresentar em rede intersetorial e começar utilizar essa ferramenta. Penso que se não houvesse essa formação jamais nós profissionais teríamos como base o que de fato é o trabalho infantil, por ser naturalizado e pouco notificado. Não estaríamos cientes do adolescente que vende balas nos faróis ou sai da escola devido os afazeres domésticos e o quanto a exploração prejudica no seu desenvolvimento infantil”, completou.
A conselheira do Conselho Tutelar M’ Boi Mirim Silvana de Farias, 48 anos, também celebrou a oportunidade de encontro da rede para uma busca intersetorial pela erradicação do trabalho infantil. “Eu percebi que os participantes buscaram conhecimento a respeito do tema. Isso me deixou bastante motivada, pois o envolvimento da rede é de fundamental importância para que a investigação e os encaminhamentos corretos aconteçam”, opinou.
A agente comunitária de saúde Márcia Aparecida Torquato, 52 anos, da Unidade Básica de Saúde (UBS) Jardim Caiçara, contou que se surpreendeu positivamente com a experiência. “Fui para a palestra com uma ideia pré-estabelecida a respeito, como se fosse algo chato, massante e cansativo. Mas quando percebi que era um espaço aberto para expormos nossas ideias e experiências, vi que não era nada disso.”
A agente de saúde destacou o conhecimento e domínio dos coordenadores. “Eu pensava que era melhor trabalhar do que estar na rua ou que o trabalho não mataria ninguém, mas depois das oficinas abri totalmente a minha mente. De fato estou vendo o trabalho infantil com outros olhos. Sei que é um trabalho de formiguinha, mas não podemos desanimar de mudar o mundo – ou pelo menos nosso bairro”, celebrou Márcia.
“A cada etapa os temas foram se complementando, e as nossas questões foram respondidas com clareza. É bem bacana o espaço de discussão e troca de conhecimento entre os participantes”, disse Danielle Gomes Oliveira, técnica psicóloga do SEAS Campo Limpo/M’Boi Mirim.
Formações
A primeira rodada aconteceu nos dias 28 de maio e 4 de junho e apresentou conceitos gerais sobre a história da infância, além de promover estudos dirigidos sobre a trajetória de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil.
Em 26 de julho e 6 de agosto, na segunda oficina, foi a vez de falar sobre os Direitos de Crianças e Adolescentes. Na ocasião, os participantes foram convidados a construírem uma linha do tempo coletiva a respeito dos principais marcos legais na infância e juventude no país. Foram também apresentados vídeos inspiradores.
Já a terceira rodada ocorreu nos dias 24 de setembro e 1 de outubro, quando foi discutido mais detalhadamente o que é trabalho infantil e as principais políticas públicas para enfrentá-lo. Foi apresentado o conceito, os tipos e as piores formas – além da oportunidade de cada participante compartilhar quais tipos de trabalho infantil identificava no território.
Por fim, em 26 de novembro e 3 de dezembro, o grupo refletiu sobre como desenvolver mecanismos de monitoramento, controle social e fiscalização. Foram retomados conteúdos das oficinas anteriores e depois foram apresentadas duas propostas de fluxos para encaminhamento de casos.
Ao final, os integrantes criaram fluxos viáveis a serem aplicados no território, construindo um único como conclusão, para encerrar o ciclo formativo com uma proposta prática, inclusive da formação de uma comissão dos trabalhadores da região, que apresentará a proposta a organizações do local.