04/05/2020|
Por Bruna Ribeiro
O Projeto Chega de Trabalho Infantil na Indústria da Moda, realizado pela Cidade Escola Aprendiz com apoio do Instituto C&A, foi finalizado em março com o atendimento de 129 crianças em situação de trabalho infantil na cadeia têxtil e em outras atividades na cidade de São Paulo. É a primeira vez que a iniciativa foi realizada associando o combate à evasão e ao abandono escolar à identificação do trabalho precoce e desprotegido. Confira a sistematização do projeto.
Ao longo de oito meses de experiência-piloto e seis meses de campo, foram identificadas 72 crianças em situação de trabalho infantil ou em risco de trabalho infantil na cadeia têxtil, que tem em São Paulo seu principal polo nacional. Elas são provenientes, em sua imensa maioria, de famílias bolivianas que vivem em 12 distritos da capital paulista na região central, norte e leste, em áreas que concentram oficinas de costura na cidade.
Outras 52 crianças brasileiras, envolvidas em formas diversas de trabalho infantil nestes distritos, como o trabalho infantil nas ruas e no comércio informal, também foram atendidas pelo projeto. Todas as famílias receberam orientação em relação à prevenção do trabalho infantil e foram acompanhadas para que pudessem matricular ou garantir a presença de seus filhos na escola.
A metodologia de trabalho aliou duas áreas de referência da cidade Escola Aprendiz: a busca ativa escolar, por meio do programa Aluno Presente, e estratégias de mobilização e incidência pública desenvolvidas pela Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil, projeto de prevenção e erradicação desta violação de direitos.
Das crianças e adolescentes identificados, 59 estavam fora da escola e receberam auxílio das duas articuladoras do projeto para matrícula. A matrícula de imigrantes e filhos de imigrantes foi um desafio em particular, envolvendo a presença da equipe nas escolas e nas instâncias de articulação com as secretarias municipal e estadual de educação.
Foi empregado um grande esforço para superar o descumprimento da legislação estadual e nacional de algumas unidades escolares, a fim de se garantir o direito à educação no Brasil para todos brasileiros e estrangeiros, sendo vedada a colocação de barreira à matrícula por conta da falta de documentação.
Realizar o projeto “Chega de Trabalho Infantil na Indústria da Moda em São Paulo” foi fundamental para a clareza que precisamos ter no enfrentamento do trabalho infantil na região de atuação. Dimensionamos a demanda e posicionamos o que precisa ser feito”, observa Eliana Souza Silva, consultora metodológica.
Outras 70 crianças e adolescentes em risco de evasão escolar foram identificadas no projeto. Suas famílias receberam orientação para sanear as condições que estavam colocando em risco a escolaridade de seus filhos, como falta de documentação, mudança de endereço, dificuldade de transferência de escola, dificuldades com transporte, distorção idade-série, problemas de saúde, entre outras causas. O projeto fez o atendimento e vinculação com essas famílias, procurando soluções por meio dos serviços e políticas públicas disponíveis, bem como valendo-se de parcerias com organizações sociais.
Articulação
A apoio de organizações da sociedade civil mostrou-se fundamental para que fossem encontradas estratégias de identificação e atendimento a famílias em situação de elevada vulnerabilidade. Também foi estratégica a discussão de casos e o intercâmbio de experiências entre o projeto e a Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil (CMETI), cujos atores, tanto do poder público quanto da sociedade civil, contribuíram para enriquecer a construção metodológica, monitorar e avaliar os resultados alcançados.
A mediação e acompanhamento permitiram resolver problemas importantes que o público do projeto vinha enfrentando em relação principalmente à documentação escolar. O acesso à escola é um ganho na luta por direitos”, diz Carla Aparecida Aguilar, assistente social do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (CAMI).
Ao longo de oito meses, foram realizadas visitas a 56 oficinas pela equipe de campo em circulação no território, além de 60 visitas institucionais e a territórios de moradia com potencial de identificação de casos.
Os atendimentos foram registrados via aplicativo com geolocalização e inseridos em um sistema próprio da Cidade Escola Aprendiz. O procedimento garante a agilidade na coleta, bem como a confidencialidade e a segurança dos dados, permitindo o monitoramento dos casos e o acompanhamento da frequência escolar do público atendido. As faltas são sinal de alerta para violações de direito que podem levar à evasão – entre elas, o trabalho infantil.
Em um contexto de restrição orçamentária e ajuste fiscal da união, estados e municípios, bem redução de investimentos em políticas sociais, entendemos como fundamental a manutenção e a ampliação das estratégias de busca ativa no país.
A situação atual de pandemia do coronavírus, que impõe globalmente a necessidade de isolamento social para contenção do contágio, interrempeu temporariamente atividades de campo de diversos setores e serviços. Por esse motivo, iniciativas que visem garantir a permanência e reinserção escolar serão ainda mais importantes depois de passados os meses de quarentena.
Um grande contingente de famílias em situação de vulnerabilidade está com seus filhos afastados da escola, equipamento público de referência no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente (SGDCA). Isso vale para aquelas famílias de imigrantes e filhos de imigrantes que trabalham e moram em oficinas de costura com pouca ventilação, em muitos casos sob condições sanitárias e trabalhistas precárias. Considerando a interrupção de diligências in loco de estabelecimentos comerciais pelos auditores-fiscais do trabalho, que avalirão os casos urgentes, e a paralisação do grupo de combate ao trabalho escravo, é necessária atenção máxima com as consequências de saúde e sociais da Covid-19 sobre esta população.
O mesmo cuidado é necessário com crianças e adolescentes em estado de vulnerabilidade que, em função do coronavírus, não puderam mais frequentar os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) no contraturno escolar. Tais serviços têm como público prioritário a população em situação de trabalho infantil, o que levanta preocupações quanto ao acompanhamento destas crianças durante crise de saúde pública.
O novo contexto de risco trazido pela pandemia do coronavírus, associado a deficiências preexistentes e estruturais na oferta de serviços e acesso a direitos, reforçam a necessidade de incluir a busca ativa no horizonte de políticas públicas essenciais para o enfrentameto de violações que afastam crianças e adolescentes da escola e impedem sua proteção integral”, diz Felipe Tau, gestor de território do projeto.
dEquipe do projeto em encontro realizado com famílias bolivianas realizado no Museu da Imigração, zona leste de São Paulo.
Resultados do Projeto
- Elaboração do Diagnóstico socioterritorial de seis distritos do município de São Paulo, a saber: Brás, Bom Retiro, Pari, Belém, Vila Maria e Vila Guilherme;
- Realização de mapeamento de instituições locais, totalizando 158 instituições com potencial de parceria para indicação de casos e encaminhamentos, 660 oficinas da indústria têxtil (conforme o Programa Estadual de Erradicação/ Superintendência do trabalho e emprego de SP);
- Visitas a 56 oficinas pela equipe de campo em circulação no território;
- Realização de 60 visitas institucionais e a territórios de moradia com potencial de identificação de casos;
- Articulação de 16 instituições parceiras em nível de gestão pública e organizações sociais;
- Identificação e encaminhamento de 129 casos de trabalho infantil nos distrito de atuação, sendo 72 na indústria têxtil e 57 em outras modalidades de trabalho
- Desenvolvimento de sistema de monitoramento e avaliação para registro e acompanhamento dos casos
- Estruturação do Grupo de Trabalho sobre Trabalho Infantil na Indústria Têxtil formado por parte dos membros da Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil (CMETI) para análise e encaminhamento dos