publicado dia 18/01/2017
18/01/2017|
Por Ana Luísa Vieira
Como abordamos na coluna passada, o trabalho infantil, aquele desempenhado por pessoa abaixo de 16 anos de idade, é considerado pela legislação nacional e internacional uma lesão/violação dos direitos da criança e do adolescente – portanto, deve ser combatido por todos, em especial pelo Conselho Tutelar.
Todo ser humano tem o direito fundamental ao não trabalho até 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos de idade ou na condição de trabalhador infantil artístico com autorizaç?o judicial especial e específica (aqui, qualquer idade).
Significados das siglas usadas nesta coluna:
CBO – Classificação Brasileira de Ocupações
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
CF/88 – Constituição Federal de 1988
CRAS – Centro de Referência em Assistência Social
CREAS – Centro de Referência Especializados em Assistência Social
MPE – Ministério Público Estadual
MPT – Ministério Público do Trabalho
CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
SCFV – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
Infelizmente, em um país no qual a desigualdade social impera, o trabalho abaixo da idade mínima (16 anos) ainda é visto pelo senso comum – de forma errônea, por óbvio – como uma alternativa à miserabilidade e à marginalidade. Muitas vezes, esse senso comum impacta a atuação do próprio conselheiro tutelar (visto que, como dito, este representa a sociedade), o que gera uma grande deficiência no combate desta mazela social.
Se o “soldado” de frente (o conselheiro tutelar) não consegue identificar o “inimigo”, toda a atuação do restante do sistema de garantia de direitos (CRAS, CREAS, MPE, MPT, Justiça)* fica comprometido, pois a rede não será acionada a tempo e na proporção que foi planejada.
Agente fiscalizador ou agente identificador?
O papel do conselheiro tutelar não é, portanto, o de agente fiscalizador de empresas que exploram mão de obra infantil, tocando esta tarefa ao auditor fiscal do trabalho. O papel do conselheiro tutelar é, pois, o de agente identificador do trabalho infantil.
O Conselho Tutelar deve estar apto a saber identificar a situação de trabalho infantil e, a partir de tal identificação, colher dados (nome da empresa, localização, nome da criança/adolescente) para que possa acionar a rede de proteção, requisitar serviços e notificar ao Ministério Público do Trabalho (mediante simples relatório).
Tal aptidão envolve não só a sua capacidade técnica (esclarecimento e conhecimento sobre o tema), como também a sensibilidade com a matéria e o empoderamento de sua atribuição (tomar para si/incorporar a função de identificador de violações e garantidor de direitos).
Diálogo com a rede de proteção
Há a necessidade, também, de que o conselheiro Tutelar conheça todos os atores da rede de proteção do seu município (CMDCA, CRAS, CREAS, diretores e professores de escolas, agentes comunitários de saúde, promotor de Justiça, juiz da infância, juiz do trabalho e procurador do Trabalho, entre outros)*, bem como conheça as alternativas existentes no município que podem ser ofertadas para solução do problema (SCFV, escola em tempo integral, projetos sociais nas áreas de esporte e cultura, vagas de aprendizagem), para que, assim, possa requisitar serviços específicos, buscando sempre a não revitimização.
E a atuação contra o trabalho infantil?
Infelizmente, alguns conselheiros tutelares têm um olhar equivocado no que diz respeito ao combate ao trabalho infantil.
A origem deste equívoco está na falta de capacitação/qualificação, que deveria ter sido ofertada pelo ente municipal e não o foi; na falta de sensibilidade com o tema (achar que o trabalho antes de 16 anos é natural, tornando-o invisível); na ausência de um CMDCA efetivo – muitas vezes criado só no “papel” –, bem como na falta de estrutura mínima de trabalho ou, ainda, no próprio desconhecimento de quem compõe a rede de proteção do seu município. Tais deficiências devem ser supridas e superadas o quanto antes.
Em conclusão, a partir da conceituação formal da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), bem como da base jurídica do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Constituição Federal, assim como da vontade/compromisso da sociedade, a função do conselheiro tutelar está vinculada à ação, ao agir, e jamais à permanência na inércia.
A proteção das crianças e dos adolescentes quanto ao trabalho precoce (abaixo de 16 anos de idade) dá-se pela identificação das vulnerabilidades e, a partir desta, pelo acionamento da rede de proteção e tomada de medidas requisitórias cabíveis. No entanto, isso somente será alcançado se houver sensibilidade, esclarecimento e empoderamento sobre o tema e sobre suas atribuições.
Estejam certos: sem afetividade pelos direitos da criança e do adolescente, jamais terão efetividade na luta para a qual foram designados. Até a próxima coluna!