publicado dia 24/10/2017
Intersetorialidade: é impossível erradicar o trabalho infantil sem desenvolvimento sustentável
por Bruna Ribeiro
publicado dia 24/10/2017
por Bruna Ribeiro
24/10/2017|
Por Bruna Ribeiro
De acordo com a última a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2,7 milhões de crianças e adolescentes trabalham no Brasil.
A situação em si já é preocupante, mas o problema se agrava na medida em que sabemos que o trabalho infantil nunca vem sozinho – ele sempre está associado a outras violações de direitos.
O trabalho infantil tem total relação com a reprodução do ciclo da pobreza, a evasão escolar, a exploração sexual, entre tantas outras violações. São causas e consequências marcantes para o desenvolvimento social, psicológico e físico de nossas crianças e adolescentes.
Neste contexto, a Fundação Abrinq lançou a segunda parte do relatório “A Criança e o Adolescente nos ODS – Marco Zero dos Principais Indicadores Nacionais”, em evento no último dia 10.
Em 2015, o Brasil, junto a 193 países, assinou o compromisso para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os ODS são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, agenda mundial com 169 metas a serem atingidas até 2030.
Os ODS visam à erradicação da pobreza, redução das desigualdades e dos impactos das mudanças climáticas, promoção da justiça, paz e segurança.
Pensando em colaborar na pesquisa das metas relacionadas à infância e adolescência, a Fundação Abrinq analisou em relatórios o marco zero de dez objetivos, lançados em quatro etapas.
A segunda etapa abordou o ODS 4 (Educação de Qualidade: assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade) e o ODS 8 (Trabalho Digno e Crescimento Econômico), cuja meta 8.7 estabelece o prazo de 2025 para erradicação do trabalho infantil.
A união dos dois temas se mostra interessante, justamente na busca pela erradicação do trabalho infantil, por meio da promoção de direitos. Ou seja, se a criança tem acesso à escola de qualidade, em tempo integral, a vulnerabilidade ao trabalho infantil diminui.
Evidentemente que este é apenas um dos aspectos a serem analisados, mas apresenta extrema relevância. O estudo mostrou que, se mantido o atual ritmo das ações para a ampliação de vagas nas creches, a promoção da qualidade no ensino e o combate do trabalho infantil, não atingiremos as metas.
O levantamento encontrou indicadores que comprometem seriamente o alcance dos resultados estabelecidos pelo pacto. De acordo com Heloisa Oliveira, administradora executiva da Fundação Abrinq, a maior preocupação recai nas condições de vulnerabilidade de alguns Estados brasileiros, com indicadores bastante discrepantes da média nacional.
Um exemplo é a taxa de analfabetismo da população entre 10 e 17 anos, que no Norte e Nordeste chegam a 5,4%, quase o dobro da média nacional (2,9%) e bem superior às demais regiões: Centro-Oeste (1,4%), Sudeste (1,3%) e Sul (1%).
“O desenvolvimento só será sustentável se todos os Estados conseguirem assegurar o acesso e a qualidade na educação. Nenhuma região pode ficar para trás”, acrescentou Heloísa.
No caso do trabalho infantil, o estudo revela a liderança da região sul, onde (6,2%) das crianças e adolescentes, entre cinco e 17 anos, desempenham alguma atividade. As proporções mais próximas desse valor são aquelas verificadas nas regiões Centro-Oeste (5,4%), Norte (5,3%) e Nordeste (5,3%).
Já a região Sudeste apresenta percentuais menores que a média nacional. Embora em termos absolutos a região tenha quantidade superior à verificada em todas as outras regiões, proporcionalmente ela acumula menos pessoas trabalhando – 4,2% dos residentes nessa faixa etária.
O debate a respeito do tema contou com a participação da Procuradora do Trabalho Elisiane dos Santos, do Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT – SP), Isa de Oliveira, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e Heloísa Oliveira, da Fundação Abrinq.
Em sua fala, Isa de Oliveira ressaltou que não existe a possibilidade de falar em trabalho infantil sem a garantia de todos os direitos humanos de crianças e adolescentes.
“Os ODS recolocam no debate alguns importantes pontos, como a pobreza, desigualdade social e diversas causas do trabalho infantil que devem ser eliminadas para atingir o desenvolvimento social”, disse.
Elisiane dos Santos também propôs uma reflexão a respeito da desigualdade social e dos mitos do trabalho infantil. Apesar dos avanços no combate ao trabalho infantil, a procuradora disse que as formas invisíveis de trabalho infantil ainda são um desafio, exigindo uma atuação articulada da rede de proteção.
A cota de aprendizagem também foi apontada como um caminho para a erradicação do trabalho infantil, além da responsabilidade das empresas nas suas autuações.
Um bom exemplo é retratado na reportagem Pelas ruas e bares: o trabalho infantil que ninguém vê, na Vila Madalena, publicada na Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil, em setembro deste ano.
No texto, retratei a realidade das crianças que trabalham vendendo balas e chicletes na região, próximo aos bares. Mostrei também a importância da atenção da atividade empresarial, cujo impacto gera grande responsabilidade.
Os princípios da ONU sobre empresas e direitos humanos estabelecem que as empresas devem mitigar, reparar e evitar o efeito de suas atividades que importem em violações aos direitos humanos.
Em sua fala, Heloísa Oliveira abordou a agenda legislativa. Alguns projetos apresentam graves ameaças aos direitos de crianças e adolescentes. A PEC 18/2011, por exemplo, prevê a redução da idade para o trabalho. A PL 5/2015 prevê a permissão de estágio para maiores de 14 anos. Além disso, a PLS 231/2015 altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para regulamentar o exercício da atividade artística e desportiva pelos menores de 14 anos.
Torna-se extremamente importante observar e atuar no sistema legislativo, uma vez que direitos conquistados em anos de militância muitas vezes são ameaçados por uma simples canetada.
Por outro lado, outros projetos, como o PL 5162/2016, que prevê aprendizagem no campo, favorecem a proteção.
Portanto, diante de um cenário que envolve educação, economia, política e legislação, é impossível falar em trabalho infantil sem um olhar intersetorial.
Para erradicar essa chaga, é preciso de fato buscar o desenvolvimento sustentável, no qual crianças e adolescentes não precisem trabalhar. Quando ouvimos: “é melhor trabalhar do que ficar na rua”, precisamos ter a consciência de que não se trata de escolher o que é menos ruim.
Lugar de criança é na escola. O artigo 227 da Constituição Federal Brasileira garante a prioridade absoluta a ela. Somente enfrentaremos o trabalho infantil quando reconhecermos a tríplice responsabilidade, do Estado, da família e da sociedade.
Somente a infância saudável pode proporcionar o desenvolvimento integral e levar os jovens a empregos dignos, além de uma vida saudável e feliz.