publicado dia 13/07/2017
A lei e a realidade do ECA, 27 anos depois
por Heloisa Oliveira
publicado dia 13/07/2017
por Heloisa Oliveira
13/07/2017|
Por Redação
Proponho uma reflexão sobre o que temos para comemorar neste dia 13 de julho, aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lembrado nessa data, ele é considerado uma das leis brasileiras mais completas do mundo para a população de 0 a 18 anos. Mas não basta celebrar os 27 anos de avanços trazidos pelo ECA (Lei nº 8.069), sem fazer uma análise comparativa da atual realidade de crianças e adolescentes brasileiros e o que diz o documento. Nosso País ainda registra tristes indicadores sociais quando o assunto é mortalidade infantil por causas evitáveis: nutrição, gravidez na adolescência, cobertura de creche, qualidade da educação, trabalho infantil, saneamento básico, violência e outros.
Comecemos pelos números da pobreza: são mais de 17 milhões de crianças e adolescentes, de 0 a 14 anos, o que equivale a 40,2% dessa faixa etária, que hoje vivem de forma precária. A informação é do IBGE (2015) e está no portal Observatório da Criança e do Adolescente, criado e mantido pela Fundação Abrinq. Já a população de 0 a 14 anos em situação de extrema pobreza, cuja renda per capita familiar é inferior a ¼ de salário mínimo, soma 5,8 milhões de crianças, 13,5% da população na mesma faixa etária.
A partir disso, podemos nos perguntar: como garantir o cumprimento do capítulo I do ECA – que trata do direito à vida, à saúde e às políticas sociais públicas para permitir o nascimento e o desenvolvimento em condições mais dignas – se os centros urbanos brasileiros abrigam 4 milhões de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos vivendo em comunidades extremamente vulneráveis?
O Norte e Nordeste são as regiões brasileiras que mais concentram a população infantil, com 37% e 33%, respectivamente, da população de 0 a 19 anos e são também as regiões que concentram os principais indicadores de vulnerabilidade social, com as piores condições de vida. Essas duas regiões têm, por exemplo, as maiores taxas de domicílios sem saneamento básico, de 67% e 55%. Na região Norte, a gravidez precoce é ainda mais presente, uma em cada quatro mães são meninas com menos de 19 anos.
Vemos assim o grave distanciamento entre o cenário da infância no Brasil e os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Promulgado em 13 de julho de 1990, em consonância com a Carta Magna de 1988, em seu artigo 227 ele prevê assegurar, com absoluta prioridade, as condições de vida fundamentais para pessoas em desenvolvimento, que são as crianças, os adolescentes e os jovens.
O ECA dispõe também sobre o direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. Mas o contexto atual ainda é desafiador, sendo difícil assegurar “igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola”.
Em todo o Brasil, cerca de 30% dos adolescentes na faixa etária entre 15 e 18 anos estão com pelo menos dois anos de atraso na idade recomendada para cursar o Ensino Médio.
Sem contar o percentual de 16,7% dessa mesma faixa etária que simplesmente está fora da escola. E, na população infantil, de 0 a três anos, a taxa de cobertura de creche no Brasil é de apenas 30,4% dessa população, incluídos aí também os dados de matrículas na rede privada de ensino.
A existência de trabalho infantil, em desacordo com o que prevê o Capítulo V do ECA, também é um grande desafio a ser enfrentado. Embora os números tenham reduzido nos últimos anos, ainda existem 2,6 milhões de crianças e adolescentes trabalhando no Brasil.
Além disso, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domícilios), de 2014 para 2015 houve uma retração nos números globais, refletindo uma redução na faixa etária de 10 a 17 anos, mas com um aumento de postos de trabalho na faixa etária de 5 a 9 anos.
O tratamento com “respeito e dignidade” em casos de adolescentes infratores em nada lembra as recentes notícias de maus-tratos sofridos pelos jovens de centros socioeducativos no Ceará. Denúncias do Ministério Público Estadual e da Secretaria de Direitos Humanos relatam superlotação, castigos físicos e torturas que muitas vezes chegam ao uso de choques elétricos.
Na unidade de Atendimento Socioeducativo em Abreu e Lima, na região metropolitana de Recife, três internos morreram este ano em decorrência de rebeliões. Já na Paraíba, foram sete adolescentes assassinados no Centro Socioeducativo Lar do Garoto, em Lagoa Seca, no início de junho.
A implementação das leis que assegurem direitos de crianças e adolescentes no Brasil é fundamental. É preciso mobilizar a sociedade e os órgãos públicos para o debate em torno dos principais desafios nacionais e garantir a efetiva implementação do que está previsto nas leis, aí incluindo o ECA. Mas é importante também evitar que sejam aprovadas novas leis que tragam retrocessos aos direitos já assegurados para essa população.
Apesar de avanços importantes nesses 27 anos, ainda temos muito que avançar nas políticas públicas, principalmente para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, excluídos e quase invisíveis socialmente, mas que necessitam ter sua cidadania plena resgatada com urgência. O futuro do Brasil depende disso.
(*) Heloisa Oliveira é administradora executiva da Fundação Abrinq