publicado dia 16/02/2018
16/02/2018|
Por Ana Luísa Vieira
Nesta edição da coluna “Quem tem boca vai à luta”, Anna Luiza Calixto fala sobre a era da erotização infantil e os riscos do universo de crianças e adolescentes precocemente sexualizados.
Acontece de fora para dentro: não é um processo natural ou parte do desenvolvimento transitório infantojuvenil. Não é “uma gracinha” ou “maduro” para a idade. A erotização de crianças e adolescentes é uma fagulha incandescente e adulta que infere no crescimento, capaz de ceifar parte essencial da infância e de produzir resultados catastróficos.
A menina de 7 anos calça os saltos da mãe e desfila em frente ao espelho com o batom vermelho borrado pelo rosto, fascinada pelo universo adulto e pelo glamour que ele estampa em vitrines coloridas.
Conhecer a si mesmo e brincar de crescer por alguns instantes não são determinantes nocivos para que uma criança tenha sua experiência infantil completa e intrínseca. Pelo contrário, são traços comuns da idade – aí vive a diferença latente entre a sexualização e a sexualidade.
A sexualidade, por sua vez, é um viés presente em todo e qualquer ser humano, inata, e que pode ser estimulada de maneira saudável, dentro do prisma do conhecimento pessoal, dos limites do próprio corpo e da familiaridade natural com o mesmo – saber onde dói e ser capaz de identificar a diferença entre o carinho e o abuso.
Já a sexualização é uma manobra adulta que, muitas vezes encabeçada pela publicidade infantil, faz com que aquela menina desfilando em frente ao espelho do closet da mãe já se preocupe com as medidas da silhueta, com o primeiro namorado e não se sinta à vontade para sair sem um pouco de pó nas maçãs do rosto.
O incentivo ao comportamento vulgarizado entre crianças e adolescentes nasce em atitudes aparentemente inofensivas, no estímulo a comportamentos adultos e na construção de cenários propícios para tanto. “E as namoradinhas?” ou “Como você fica linda vestida de gente grande!”, traçando um contato cada vez mais real com o mundo adulto e provocando uma postura cada vez mais distante da comum para a faixa etária.
Exposição prematura
Na esmagadora maioria das vezes, meninos e meninas ainda não têm maturidade suficiente para compreender e elaborar os conteúdos a que estão sendo expostos prematuramente.
Por não saber interpretar e elucidar aquilo a que teve acesso, a criança é invadida por uma gama de sentimentos e sensações, uma excitação exacerbada – ansiedade e, até mesmo, medo do que aquilo representa. O fato é que esta apresentação precoce acaba por deixar marcas importantes no que o sexo e a realidade adulta vão significar para ela um dia; é a sua relação consigo e com o mundo.
Não raro, assistimos, naturalizamos e consumimos conteúdos erotizados em que crianças são – mais do que alvo – protagonistas de cenários absolutamente sexualizados. Dentro da música, das telas e das revistas, o debate é ainda mais complexo.
Parece ser contextual e comum que meninos cantem e dancem ao lado de garotas mais velhas, carreguem consigo cordões de ouro e falem abertamente de sexo e ostentação ao lado de carros importados e mansões luxuosas, lotam casas de show e rendem milhões de visualizações nas redes sociais de quem, do outro lado da tela, “curte”. MC’s como Pikachu, Brinquedo, Pedrinho e, mais recentemente, Doguinha lançaram hits que invadiram a internet e se tornaram legendas de foto e fundos sonoros para grandes festas.
Meninas que assumem posturas adultas (nas roupas ou nas falas), no entanto, são recebidas com um clamor popular: afinal, é só uma garotinha! Tudo porque a sexualidade feminina é, precoce ou não, um tabu – intocável e pecaminosa.
Cuidados com a infância
Suja de terra ou com cheiro de pipoca doce, a infância precisa ser discutida. Qual o momento certo para falar de sexo? Qual a idade certa para começar a pintar as unhas e usar maquiagem? E sair sozinho? Gostar de alguém? Saber quem é de verdade? Conhecer o próprio corpo?
Não existe receita perfeita ou fórmula mágica. Cada criança tem seu modo e peculiaridades, pois se trata de um ser único. Certo é que seu espaço deve ser respeitado, dentro das condições naturais e das peculiaridades inerentes ao seu crescimento.
Se eu vou parar de brincar com minhas bonecas ou trenzinhos ao 7 ou aos 14, mamãe, deixe-me escolher. Está tudo bem. Eu não preciso já ter dado o meu primeiro beijo aos 13. Eu posso escolher saia rosa ou macacão de margaridas, eu sei quem sou, ou melhor, estou descobrindo.
Deixe que eles descubram, sem pressa, o que querem ser quando crescer.