publicado dia 09/03/2018

Mulheres trabalhadoras, uni-vos!

por Elisiane Santos

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09/03/2018|

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No Mês Internacional de Luta das Mulheres, em que celebramos avanços históricos no reconhecimento de direitos trabalhistas, embora persistentes os desafios para a igualdade de gênero no trabalho, não há nada a ser comemorado no cenário político atual.

Ao revés, as mulheres brasileiras devem se manter em alerta, mobilizadas e conscientes dos retrocessos e retirada de direitos trazidos com a aprovação das leis da Terceirização e Reforma Trabalhista (Leis 13.429/2017 e 13.467/2017), que impactam negativamente em sua condição de vida, propiciando o aumento do trabalho informal, desprotegido, com a fragilidade dos vínculos trabalhistas e da proteção social.

A chamada “reforma trabalhista”, de forma perversa, atinge em larga escala as mulheres, tanto no trabalho formal quanto na informalidade. Mulheres negras, jovens, velhas, trans, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, historicamente discriminadas, sofrerão com maior vigor os impactos das alterações legislativas levadas a cabo por um governo e um congresso majoritariamente masculino, branco, que representa interesses empresariais, sem comprometimento com os direitos sociais e a classe trabalhadora.

Isso porque, embora tenha havido uma inserção maior das mulheres no mercado de trabalho nas últimas décadas, estas ainda constituem a maior parte da mão de obra informal (menos de 40% possui vínculo de emprego), acumulam as atividades domésticas (mais de 90% são responsáveis pelo trabalho doméstico), com dupla ou tripla jornada, são responsáveis pelos cuidados com familiares, lideram o ranking de desocupação no trabalho, recebem salários 25% menores que os homens e ainda ocupam funções de menor qualificação, mesmo com maior escolaridade, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015.

Mulheres trabalham com costura em fábrica. Cada uma sentada em sua mesa, com macacões laranjas

Quando falamos de mulheres negras, os dados são ainda mais preocupantes. Em 2010 (Censo/IBGE) o rendimento médio das mulheres negras correspondia a 35% do rendimento médio dos homens brancos e 52% do rendimento das mulheres brancas. Estas, em relação aos homens brancos, atingiam 67% dos rendimentos. São as mulheres negras que estão também em maior número no trabalho doméstico e nas atividades informais.

A reforma trabalhista, ao prever a possibilidade de contratação como “autônomo”, contrato intermitente, terceirização sem limites, além da ampliação do alcance do contrato em regime de tempo parcial, abre portas para a ilegalidade, fraudes e exploração de um número muito maior de mulheres em trabalhos precários, legitima condições de trabalho perversas, em que não estão assegurados direitos básicos decorrentes de um contrato de trabalho, sob a pecha de modernização, enfrentamento da crise e criação de empregos.

Informalidade

Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), no ano 2017 foram criadas 1,8 milhões de vagas sem carteira assinada. Ou seja, o aumento do trabalho informal, comemorado por setores da economia, nada mais é do que a total precarização do trabalho com ausência de direitos como férias, décimo terceiro salário, limitação da jornada, períodos de descanso, em prejuízo das mulheres, suas famílias, crianças e adolescentes, inclusive mais propensos ao ingresso precoce no trabalho objetivando complementação da renda familiar – é o que mostra a Pesquisa DIEESE 2017 – Perfil das famílias com trabalho infantil).

A reforma ainda prevê a possibilidade de retirada de direitos através de “negociação” direta entre patrão e trabalhador, por exemplo, em relação a banco de horas. E admite, inclusive, acordo tácito, colocando a trabalhadora em situação de total fragilidade, impotência, diante do “ajuste” imposto pelo empregador.

Prevê contratos flexíveis de trabalho, em que o empregador determina os dias e quantidades de horas que necessita da força de trabalho da contratada (contrato intermitente), de forma aleatória e unilateral, causando uma completa desorganização na vida da mulher trabalhadora e insegurança em relação a rendimentos, sem qualquer garantia de dias ou horas mínimas de trabalho semanais/mensais.

Tais contratações permitem que a trabalhadora receba ao final de um mês de trabalho, a depender da quantidade de horas laboradas, salário inferior ao mínimo legal, violando expressamente o disposto no artigo 7º, IV da Constituição Federal.

Trata-se de modalidade de trabalho absolutamente contrária aos princípios basilares do Direito do Trabalho, fundado na proteção do trabalhador, dada a sua condição de hipossuficiência e subordinação em relação ao empregador, detentor dos meios de produção, assegurando-se à parte fragilizada, que vende a sua força de trabalho, direitos sociais mínimos e a justa contraprestação pelo trabalho, que deve ser realizado em condições dignas e protegidas.

Princípios Violados

A Constituição Federal de 1988 elenca o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, III e IV), sendo que tais princípios são também orientadores da ordem econômica, que tem por fim assegurar a todos existência digna (artigo 170).

Esses princípios, juntamente com as normas internacionais de direitos humanos ratificadas pelo Estado brasileiro, a par dos princípios do Direito do Trabalho (princípio da proteção, princípio da continuidade da relação de emprego, princípio da primazia da realidade, princípio da boa-fé e razoabilidade, entre outros), devem pautar as relações de trabalho, não autorizando interpretação possível acerca da validade de contratos formais que afastam a aplicação do Direito do Trabalho, quando verificada a presença dos elementos caracterizadores da relação jurídica de emprego.

Ainda vige no ordenamento jurídico pátrio a regra geral do trabalho sob regime de emprego. Não houve alteração dos artigos 2º e 3º da CLT, tampouco do artigo 9º, que considera nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da legislação trabalhista.

A relação de emprego protegida, prevista expressamente no art. 7º, inc. I, da Constituição Federal, é direito fundamental. Além disso, o Brasil é signatário de convenções internacionais de direitos humanos, acolhendo expressamente o princípio da vedação ao retrocesso social.

Portanto, tais reformas não podem ser tidas como medidas inexoráveis incorporadas ao ordenamento jurídico, sem questionamento por parte da sociedade e discussão sobre sua aplicabilidade na seara jurídica.

Recentes decisões judiciais reconhecendo a invalidade de dispensas em massa sem prévia negociação coletiva apontam para a aplicação da Constituição Federal e das Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos aos contratos de trabalho em vigência, sem alteração de suas condições, considerando inválidos os dispositivos da legislação infraconstitucional recentemente aprovada.

Luta

Cabe à sociedade, às mulheres em especial, organização e luta, consciência sobre seus direitos. Novamente, o trabalho assume centralidade na luta das mulheres, não apenas na questão da igualdade, mas na defesa e manutenção de direitos conquistados historicamente, a começar pelo direito fundamental ao contrato de emprego.

Não é possível retroceder ao período de industrialização, em que mulheres e crianças eram exploradas nas fábricas, em trabalhos insalubres, degradantes, sem voz, nem proteção. A possibilidade de trabalho em tais condições – também admitida pela Lei 13.467/2017 em relação às trabalhadoras gestantes –, além de inconstitucional, por colocar em risco a saúde das mulheres e do nascituro, é grave, vergonhosa e inaceitável. Deve ser combatida por toda a sociedade.

As mulheres representam 51,3% da população brasileira. A população negra representa 54% da população brasileira. É chegada a hora das minorias políticas historicamente discriminadas mostrarem que são maioria e, nesse sentido, devem ter voz e direitos assegurados na lei e nas políticas sociais. Somente a organização e a luta da classe trabalhadora – e das mulheres – poderá transformar esse período de trevas num movimento de retomada da história de (re) construção democrática.

É momento de resistir. A luta não acabou. A batalha judicial está apenas começando. E as mulheres novamente ocupam um lugar histórico no enfrentamento e denúncia das graves violações de diretos humanos de toda a classe trabalhadora, como no início do século XX, quando da consolidação do Direito do Trabalho. Por isso, mulheres trabalhadoras, uni-vos!

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