publicado dia 09/11/2016

O futuro incerto do ser-jovem constitucional: pessoa, cidadão, trabalhador

por Luiz Roberto Alves

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09/11/2016|

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Como humanos, inteligentes, não podemos superar os limites da linguagem coletiva que formou a nossa cultura. Mas sabemos que não inovaremos nada na direção do futuro sem nova linguagem. O lugar social chamado educação é o que mais exige novos sentidos de linguagem, pois opera com seres em forte mudança, da criança ao jovem. A nova linguagem sinalizará a forja de novos sentidos conquistados à vida em construção. A educação solicita linguagens de fronteira nas artes, nas gestões, nas ciências e desdobramentos tecnológicos. Fronteira, curiosidade e ousadia.

O futuro da educação da juventude em nosso país é tão incerto quanto a democracia brasileira. Os estudos de história narram que ela tem um núcleo histórico-cultural brilhante, que é a diversidade étnico-social. No entanto, em todo o tempo esse núcleo diverso é tornado invisível pelo furor da uniformização, do mau conceito de ordem, dos mitos da “verdade religiosa” (muito distantes da leitura de mundo e palavra da Bíblia!) e de uma organização jurídica enfraquecida em princípios e farta de contingências políticas.

Os sinais da incerteza são flagrantes. Se cinco meninos pardos se juntarem, tem grande chance de não voltarem à casa vivos, o que caracteriza um filicídio, por via de regra impune; uma malfadada MP do ensino médio, que navega nas águas da PEC 241, sugere direitos ao estudante e mal consegue esconder uma “base nacional comum” de classe social, pois o seu futuro breve mostrará seu fundamento: fazer a educação e a escola menos custosas para estados e municípios e, certamente, mais pobres na garantia de bens culturais e direitos; a linguagem empobrecida, apequenada, por isso arrogante, do rádio e da televisão – que nega sentidos e valores do pensamento fundante de Edgar Roquette-Pinto – não somente faz concessões aos jargões como assume o xingamento, o palavreado torpe também presente na família, na festa, na tribuna e nas comunidades. Faltam mil sinais. Basta pensá-los e memorizá-los. Eles existem.

“O futuro da educação da juventude em nosso país é tão incerto quanto a democracia brasileira. E os sinais são flagrantes, como a malfadada MP do ensino médio, que navega nas águas da PEC 241”, escreve Luiz Roberto Alves. (Crédito: Rovena Rosa/Agência Paulista/Fotos Públicas)

“O futuro da educação da juventude em nosso país é tão incerto quanto a democracia brasileira. E os sinais são flagrantes, como a malfadada MP do ensino médio, que navega nas águas da PEC 241”, escreve Luiz Roberto Alves. (Crédito: Rovena Rosa/Agência Paulista/Fotos Públicas)

Quem educa para o ser-pessoa, o ser-cidadão e o ser-trabalhador de 1988? A uniformização social e a ordem-unida sugerem que cada um se vire. Não há valores e não importam as condutas. Xinguemos, matemos, ordenemos, imponhamos, o vale-tudo. Este, no entanto, é o jargão comum, que nada cria, nem mantem o que já fora criado e era bom. Então, qual seria a linguagem de fronteira para o novo/inovador em educação?

Não é difícil, mas complexa. Pede-se permissão para citar, neste pequeno texto, somente Hannah Arendt e Edgar Morin, que nos sugerem possibilidades. A primeira, que nos perguntemos se realmente amamos as novas gerações (além dos nossos filhos!). Sendo sim a resposta, cabe construir uma sólida conexão de linguagem e gestos com os que crescem, ter boca pequena e ouvidos grandes, bem como transformar essa conexão/oitiva em políticas públicas e comuns muito bem estabelecidas, com a máxima representação de educadores, educandos e escolas.

Lembrar que política não é programa, nem plano. É mais. E visto que a meninada nasce cheia de obrigações, é importante destacar direitos, os únicos que forjam deveres. Morin lembra que na sociedade contemporânea quase nada é somente disciplinar, nada mais é simples, nada mais é somente jargão. Somos crescentemente complexos e diversos. Assumamos ser menos faladores, julgadores e ditadores de coisas e mais pesquisadores, investigadores, buscadores no universo do multi e do inter. Um tempo de conexões inteligentes.

Eis a possibilidade de educar. No entanto, nosso país não está organizado para educar. Basta que bandidos matem um menino, uma menina, de qualquer cor, isto é, seres da diversidade, o núcleo bom e belo do país, para acabar desandando, simbolicamente, a nossa capacidade de educar. O símbolo não é a funcionalidade. Basta, também, que a menor das escolas seja vítima de preconceito e da falsa compaixão diante dos rankings escolares lustrosos e custosos para, outra vez, simbolizar o nosso despreparo social para educar. Idem para supostos programas educacionais impostos.

Manifestantes fazem protesto contra PEC 241 na Avenida Paulista (Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Manifestantes fazem protesto contra PEC 241 na Avenida Paulista, em São Paulo. (Rovena Rosa/Agência Brasil)

A Constituição e seus desdobramentos legais afirmam que a sociedade deve educar para a condição de pessoa, de cidadão e de trabalhador, na diversidade do tempo e do espaço, com máximo respeito ao processo educacional, determinante de resultados. Ninguém será trabalhador sem ser pessoa e cidadão. Poderá, sim, ser escravo de alguns senhores. Também não há um ser educado que seja exemplo uniformizador. Pensar assim implica a morte da educação, que é direito dos diferentes. Ressalte-se que a tarefa complexa serve bem a uma sociedade inteligente e diversa como a nossa. Por isso, exige a redenção do ser diverso que foi levado a desigual e então refugado na pobreza econômico-financeira e na ausência de direitos.

Já há adoráveis exceções espalhadas pelo país, sinais de possibilidades. Melhor dizer, práticas viáveis, sustentadas na inteligência e na ousadia. Não são modelos, nem exemplos (não estamos buscando nova linguagem?). São fenômenos que estimulam a pensar, argumentar, transpor, experimentar, escolher, julgar, fazer. Haveria algo melhor na vida e no mundo que educar? No princípio, Deus aprendeu e se educou ao ver a beleza do criado. Charles Darwin também, ao captar as experiências da vida. Educar-se educa.

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