publicado dia 13/07/2018

ECA 28 anos: Por onde anda nossa Mãe gentil?

por Anna Luiza Calixto

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13/07/2018|

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Em um breve farfalhar de páginas da Constituição Federal, nossa majestosa lei mãe, encontramos o motivo de, neste momento de importância incalculável, estarmos tendo esta conversa aqui. O Artigo 227, um gancho para (mais tarde) a Lei 8.069|1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), derruba o nosso discurso quase idílico de isenção de responsabilidade sobre o combate às violações de direito que exterminam o público infantojuvenil com duas palavrinhas: absoluta prioridade. Doeu aí?

Para o desconforto de muitos, a Lei que rege nosso paraíso tropical ainda delibera que tal prioridade, prevista na conduta da proteção integral, não deve ser exercida apenas pelo Estado, tão somente pela família ou exclusivamente da sociedade. Na dança das cadeiras que vem, ao longo das décadas, definindo com quem fica o desafio de zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes, há lugar para todos, inclusive nós dois.

A realidade, concreta e palpável, é que na mesma pátria amada das palmeiras em que cantam os sabiás, vivem milhões de crianças e adolescentes em situação de violações de direito (como mostra a PNAD 2015). E, antes que me pergunte, nós dois temos tudo a ver com isto. E, neste dia treze de julho, o tal do Estatuto da Criança e do Adolescente completa 28 anos de uma luta incansável pelo reconhecimento de crianças e adolescentes dentro de suas condições plenas de sujeitos de direito, a salvo de quaisquer violências.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2015, mais recente antes da alteração de metodologia promovida pelo IBGE, mostra que 2,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalham no Brasil.

 

Para combater, prevenir e erradicar tais violências, nós precisamos de um verdadeiro exército. Um time de pessoas como você; uma galera engajada, envolvida e interessada em questões que, mesmo não o alcançando diretamente, permeiam a sua realidade enquanto cidadão. É necessário pautar que o sujeito de direitos não é aquele que tem, apenas, os seus direitos assistidos, mas, sobretudo, aquele que assiste aos seus direitos.

Não raro observamos que, no Brasil e no mundo, a magnitude de nossas rachaduras sociais se torna motivo para o comodismo de quem dorme sobre elas. A transformação do mundo não vai acontecer enquanto olharmos para ela sob o prisma de sua dificuldade. Se cada um que está lendo este texto assumisse o desafio de transformar o seu próprio universo, o carrinho de tijolos para a construção de uma realidade mais justa e igualitária estaria muito mais leve.

A resolução de mazelas sociais não nasce apenas nas grandes instituições sociais, nos singulares eventos beneficentes e nos bolsos dos empresários bem sucedidos. Você é tão importante quanto ao falar sobre isto dentro da sala de aula, no almoço de domingo e na reunião de sexta feira.

Protagonismo

Abertura da Caravana da Participação em São Paulo, em 11 de julho de 2018

Jovens e entidades discutiram aumento da participação de jovens na política em defesa de crianças e adolescentes durante a Caravana da Participação em São Paulo

Crédito: Gustavo Coltri

Envolver o público infantojuvenil na garantia de seus direitos representa romper com as características do estado de transição em que se concebe a infância e a adolescência hoje, como um eterno ‘vir a ser adulto’, o ‘futuro’ de uma nação que nos espera crescer para compreender o peso de nossas vozes.

Para tirar esta transformação do papel, faz-se necessário trazer à tona que todos que tenham interesse em participar da rede protetiva, são capazes de fazê-lo; o que nos cabe é formar uma verdadeira corrente de mobilização que una nossas ideias, fazendo jus ao sentido de chamarmo-nos de rede – um entrelaçamento de perspectivas  e histórias de luta, como um caleidoscópio que encaixa o mosaico de nossas vivências e constrói um novo desenho para a infância brasileira.

Nenhuma das transformações da história do mundo aconteceram no amanhã – e de nada adianta esperarmos que este fatídico dia seja melhor se hoje não estamos plantando a semente do fruto que nele queremos colher, como resultado de nosso inabalável esforço.

No conforto do seu sofá é fácil declamar biblicamente que ‘o trabalho dignifica o homem’ ou que ‘na sua época’ isto não seria problema algum – é odioso universalizar as infâncias em um mundo que espera cada vez mais dos profissionais e seres crítico-pensantes. O ar condicionado nos afasta do problema que vive logo ali, à frente do olhar distante de quem não deseja vê-lo (armadilha perigosa esta, recomendo cuidado).

Fortaleça suas redes sociais como importantes ferramentas de discussão, em uma era que, cada vez mais, fixa tais debates online. Promova a discussão, fomente a troca de informações e aponte a denúncia como principal caminho a ser seguido no enfrentamento ao trabalho infantil – você é um ator da conscientização, da resistência sensível e necessária.

Tornar-se peça indispensável para a engrenagem social em que cada movimento depende da consciência particular de cada membro do todo – este é o ponto. Apropriar-se dos canais de denúncia e cultivar o debate dentro dos próprios meios de convívio – sujeitar-se a lutar por seus direitos.

Abrindo meu diário de participação para você, que nesta conversa já se tornou meu paciente ouvinte, posso confessar que a tarefa não é simples – mas em nada os obstáculos podem obstruir o quão recompensadora é a sensação de lutar pelo que se acredita.

Desde 2008, inseri-me na discussão da construção de políticas públicas que fossem capazes de suprir as tantas demandas de garantia de direitos. Na época ainda criança, mal pude antecipar a história que naquele caminho me seguiria, fazendo-me conhecer tantos outros beija-flores que, cada qual em sua floresta, estavam apagando (com a água do bico) o incêndio da violação de nossos direitos.  O protagonista é a agulha que procuramos no palheiro.

“Mas de quem é a culpa?”

Em tempos em que mais se procura a quem entregar a conta das despesas do descaso social que desponta em violações de direito do que como erradicá-las, muito me emociona conviver com novos heróis que estão prontos para marcar um gol contra a violência e a omissão pública.

Atendendo mais de quinze mil alunos da Rede Pública de Ensino com o Projeto “Os Cinco Passos” – ferramenta de cidadania itinerante que criei em 2015 – pude encontrar, em cada sala de aula, rostos novos para a mesma luta.

Realizo-me ao confirmar que as palavras de meus livros e a mensagem que posso levar em minhas palestras são ganchos para recrutar esta garotada linda, capaz e determinada, sabendo desde cedo como lidar com os desafios das limitações de suas respectivas realidades.

Projetar futuros possíveis e saber exigir das autoridades políticas competentes o alicerce necessário para fixarmos nossos tijolos é também aprender o novo e romper os paradigmas que nos amarram ao retrocesso, tão vívido nas telas de televisão.

Quando nos sentamos para conversar hoje, eu sabia que  não seria possível nos atermos ao discurso doce da proteção e atendimento ao público infantojuvenil. Aqui somos soldados do reestabelecimento de direitos – como teceu em palavras o poeta amazonense Thiago de Mello:

“Faz escuro, mas eu canto”

Nós precisamos destruir algumas barreiras e construir, de fato, uma política de garantia de direitos que faça com que crianças e adolescentes se sintam representadas pela nossa lei. A gente deve começar a construir essa ideia da participação de crianças e adolescentes, não só nos espaços políticos, mas nos espaços de garantia dos seus direitos.

E continuaremos.

A voz que entoa ‘no teu seio a liberdade desafia o nosso peito à própria morte’ não se calará enquanto acreditar que resistir é também polir a vidraça do sonho de tantas crianças e adolescentes.

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