publicado dia 16/11/2016
16/11/2016|
Por Bruna Ribeiro
“Cresci e vi a violência de perto, e hoje nada mudou. Se eu pudesse melhorar o mundo, ia ser melhor pra todo mundo. E eu queria melhorar o mundo hoje”. A frase-depoimento integra a redação de Aline, 8 anos, segunda colocada num concurso de redação realizado pelo Instituto Ecofuturo em âmbito nacional nos idos de 2007. Você pode ler a íntegra na página 33 neste link. Hoje a pequena Aline está adolescente com seus 17 anos. O que teria visto ela que com apenas 8 anos já se dizia “crescida”? Teria, apesar do ambiente externo hostil, conseguido seguir seu sonho? “E assim resolvi que quando eu crescer quero ser bailarina, porque ali está a paz de que preciso para entender o mundo”, escreveu. Terá se tornado bailarina?
Nós de todos os cantos do mundo parecemos paralisados diante das estatísticas de todas as ordens que há tempos anunciam os descuidados com a infância, a violência contra meninas, com as mulheres, com a vida. Quantas meninas conseguem seguir seus sonhos e quantas ficam pelo caminho? Gabriel Garcia Marquez dizia que “o machismo, tanto nos homens quanto nas mulheres, não é mais que a usurpação do direito alheio”. Como é urgente educar para o amor e para apreciação das diferenças, sobretudo nós que não vivemos mais em tempos de meninos e meninas; gostem ou não, a diversidade é a pauta da vida, de gênero, inclusive. A vida pede um novo vocabulário, que a acolha em sua plenitude. Um novo pensamento e uma nova ação
Trajetória
Passados 200 mil anos da nossa presença na Terra – que já conta com 4,5 bilhões de anos -, ainda engatinhamos e tropeçamos na habilidade de promover os cuidados que a vida pede e merece. Somos, como espécie, um segundo na eternidade do universo, que tem entre 12 e 20 bilhões de anos. Isso esclarece os tempos dramáticos em que vivemos, que não são de hoje, mas que hoje batem diariamente à nossa porta pela comunicação online em tempo real? O caminho que devemos trilhar parece simples, afinal dividimos a mesma casa, o planeta Terra, e deveria ser do nosso interesse garantir que todos aqui dentro estivessem bem cuidados. Infelizmente, nada é simples quando se trata do bicho homem.
O projeto/trajeto de humanidade que perseguimos e que nos encanta está enredado num sem fim de contradições, e sobre isso a literatura é tão pródiga em nos revelar.
Uma passagem de Alice no País das Maravilhas oferece um bom alerta sobre a importância das nossas escolhas para alcançar nosso ideal como sujeito e sociedade neste mundo: “Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui?”, pergunta Alice. “Isso depende bastante de onde você quer chegar”, disse o Gato. “O lugar não importa muito…”, disse Alice. “Então não importa o caminho que você vai tomar”, conclui o Gato.
Caminhos
E porque tanto o lugar quanto a travessia importam, apostamos na literatura como iniciação na estrada do que significa ser e tornar-se este ser humano sensível e solidário às múltiplas, únicas e igualmente valiosas formas de vida: #nenhumaamenos. Diz a pesquisadora Teresa Colomer, citando Vigotsky, em seu livro A formação do leitor literário: “os humanos são os únicos animais que podem pensar outras maneiras de fazer coisas em outro tempo e em outro lugar. Estas ideias são experimentadas primeiro na linguagem, no jogo ou através da imaginação”. Ou seja, navegando pelo texto literário. Como para além das denúncias, existem os caminhos, é tão vital o alerta do Gato de Alice.
“Vou lutar muito para realizar o meu sonho”, disse Aline no país chamado Brasil. “…Alice levantou-se e saiu correndo, pensando enquanto corria que aquele tinha sido mesmo um sonho maravilhoso”, ela que habitou o país das maravilhas. A palavra que não passa pelo coração não chega ao céu. Devemos isto às nossas crianças de todos os cantos do mundo, aqui e agora.