18/10/2016|
Em plena fase de desenvolvimento físico e psicológico, crianças de 5 a 9 anos têm o direito de brincar, ir à escola, aprender com os amigos da mesma idade e contar com a proteção integral. Contudo, esta não é a realidade de milhares de meninas e meninos brasileiros em situação de trabalho precoce de Norte a Sul do país. Um recorte da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a exploração do trabalho infantil dos 5 aos 9 anos aumentou de 61 mil para 70 mil em um ano (de 2013 para 2014).
Estamos em 2016 e não podemos nos esquecer dessa estatística, oficialmente o mais recente. “O número é sinônimo de preocupação e retrocesso”, afirma Graça Gadelha, especialista na área da Infância e da Juventude e consultora sênior do Instituto Aliança, em Salvador (BA). “A pesquisa serve para apontar a necessidade de buscar formas efetivas para combater tamanha violação aos direitos da criança”, alerta.
E o que está sendo feito a respeito?
Entre as piores formas, a criação de aves
Ligadas principalmente à pecuária, à venda no comércio ambulante e à agricultura (cultivo da mandioca, do milho e de hortaliças, por exemplo), as atividades realizadas por essas 70 mil crianças se classificam entre as piores formas. A secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa de Oliveira, joga luz sobre um dado pouco explorado: 18.752 crianças desta faixa etária trabalham diretamente com a criação de aves. São meninas e meninos forçados a fazer parte de um impróprio sistema de produção. “Grandes empresas recorrem às famílias e às suas crianças para realizarem atividade que apresenta cargas horárias excessivas e condições desumanas e insalubres”, explica Isa.
Recente matéria do portal Repórter Brasil informa que 15 milhões de frangos são transportados no Brasil todos os dias das fazendas para o abate em frigoríficos. Por trás dessa indústria, esconde-se o trabalho infantil.
“Meninos e meninas que deveriam estar estudando e brincando se tornam parte de um cenário aterrorizante e cruel, onde ficam submetidos a contato com agrotóxicos, exposição ao sol e posição ergonômica incorreta, dando espaço para danos psicológicos e na saúde”, ressalta.
A necessidade da fiscalização
Fiscalizar é palavra-chave para ajudar na erradicação de trabalho infantil. A vistoria qualificada precisa ser constante dentro destes ambientes. Atividades como a criação de aves se tornam “invisíveis” justamente pela falta de monitoramento, o que também contribui para mascarar a origem dos produtos. Segundo Isa, é imprescindível que os consumidores busquem informações e se conscientizem sobre a cadeia produtiva.
“Atitudes imediatas devem ser tomadas”, enfatiza a pesquisadora, para quem o aumento do trabalho na faixa etária dos 5 aos 9 anos está fortemente atrelada à forma como são construídas as políticas públicas. Além do incentivo à convivência familiar, é necessário observar atentamente “a elite exploradora, que encontra nesses garotos e garotas uma mão de obra barata e precoce”, contribuindo para o crescimento dos índices.
“A ausência de políticas e programas pouco eficazes, principalmente na área rural, geram esse maior número de crianças trabalhando”, ressalta.
Estudo da realidade
Para a pesquisadora Isa de Oliveira, estatísticas que apontam o aumento do trabalho infantil no país ajudam a entender o cenário atual, mas são insuficientes para retratar com fidelidade a realidade vivida todos os dias por essas crianças.
O que fazer, então, para transformar esse cotidiano?
“A educação e a assistência familiar funcionam como base para combater a exploração infantil, além do enfrentamento aos mitos que envolvem a questão”, sugere Isa. O discurso segundo o qual “trabalhar é melhor do que roubar” e “quem trabalha ajuda sua família” só faz aumentar essa cadeia.
“É necessário colocar as crianças dentro de uma escola que proponha a educação integral para que famílias não levem seus filhos ao trabalho. É fundamental, ainda, oferecer assistência social aos responsáveis por esses meninos e meninas, colocá-los em programas de transferência de renda e buscar auxiliá-los da melhor maneira possível”, finaliza.