08/06/2020|
Por Bruna Ribeiro
A crise econômica ocasionada pela pandemia do coronavírus já impacta as vagas de aprendizagem no Brasil. Segundo levantamento do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), houve uma redução de 50% nos novos contratos da organização, incluindo estágios e contratos de aprendizagem profissional ao longo do mês de março, quando a pandemia chegou ao Brasil. Em resposta à situação, o CIEE enviou uma proposta de Medida Provisória à Presidência da República, no dia 24 de abril, que sugere a criação de 400 mil vagas de aprendizes durante a crise do coronavírus.
De acordo com a organização, a retração de 55,2% diz respeito à comparação entre os números da primeira semana de março, ainda em um cenário sem pandemia, em que foram contratados 8.292 estagiários e aprendizes, e a última semana do mesmo mês, em que foram contratados 3.713. Até a publicação da reportagem, o Ministério da Economia não informou quando seria divulgado novo balanço do número de vagas de aprendizes.

(Crédito: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Segundo dados divulgados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE, divulgada no dia 28 de maio, a taxa de desemprego no país subiu de 11,2% para 12,6% no trimestre entre fevereiro e abril deste ano, na comparação com o trimestre anterior (novembro de 2019 a janeiro de 2020), atingindo 12,8 milhões de pessoas.
De acordo com o Presidente do CIEE, Humberto Casagrande, a diminuição das contratações de aprendizes ocorreu por dois motivos: pela redução de mais de 1 milhão de empregos formais, o que impacta no cálculo de cota do aprendiz (fixada de 5% a 15% por empresa, sobre o total de empregados cujas funções demandem formação profissional) e também porque as empresas deixaram de renovar os contratos, válidos por dois anos por aprendiz.
Como funciona a Lei do Aprendiz
Ao proibir o trabalho aos menores de 16 anos, a Constituição da República de 1988 ressalvou a possibilidade de ingresso no mercado de trabalho na condição de aprendiz a partir dos 14 anos. No Brasil, historicamente, a aprendizagem é regulada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e passou por um processo de modernização com a promulgação das Leis nos 10.097, de 19 de dezembro de 2000, 11.180, de 23 de setembro de 2005, e 11.788, de 25 de setembro de 2008. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, também prevê, nos seus arts. 60 a 69, o direito à aprendizagem, dando-lhe tratamento alinhado ao princípio da proteção integral à criança e ao adolescente. (Trecho do Manual da Aprendizagem, do Ministério do Trabalho e Emprego).
De acordo com a CLT, em seu artigo 432, as pessoas que não completaram o ensino fundamental podem trabalhar até seis horas diariamente. Os adolescentes que já o concluíram conseguem ter uma jornada de trabalho de até oito horas por dia, “se nelas forem computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica.”
Com a Lei do Aprendiz, jovens de 14 a 24 anos podem aprender um ofício e aprimorar seus conhecimentos – em relação aos aprendizes com deficiência, não se aplica o limite de 24 anos de idade para a contratação.
Com isso, a taxa de desemprego entre os jovens que já era o dobro em relação aos adultos (27,1% entre a população de 18 a 24 anos, segundo dados de maio do IBGE), tende a ficar ainda pior. Visando apontar uma alternativa à crise, o CIEE analisou o orçamento do governo federal e propôs alternativas para um projeto que promoveria a contratação de 400 mil jovens aprendizes no país. Saiba mais sobre a iniciativa na entrevista abaixo com Casagrande:
Como o senhor avalia os desafios enfrentados pela aprendizagem no Brasil?
Humberto Casagrande: A aprendizagem tem sido o nosso grande desafio, porque os jovens encontram uma situação muito difícil. A taxa de desemprego entre jovens antes da pandemia estava em 27%. Já a taxa entre os adultos estava em torno de 12%. Ou seja, o número de jovens desempregados é pouco mais que o dobro em relação aos adultos.
Se você olhar a aprendizagem como a única forma correta e legal para o jovem trabalhar, conclui-se que qualquer atividade fora da aprendizagem é irregular, como o trabalho infantil, sem preocupação com o aprendizado e a proteção.
Por isso combatemos a iniciativa da Carteira de Trabalho Verde e Amarela (CTVA), uma modalidade de contratação voltada para jovens com idade entre 18 e 29 anos. O projeto não trazia preocupação com escolaridade e formação. O único objetivo era o trabalho e felizmente não foi aprovado.
Mas voltando à aprendizagem, a reflexão que fazemos é a respeito do orçamento que seria destinado à proposta. O governo se propõe a gastar 10 bilhões de reais para criar emprego para o jovem, mas o projeto não era completo como a Lei do Aprendiz.
A situação se agravou com a pandemia?
Humberto Casagrande: O que era ruim ficou ainda pior. Com a pandemia, os contratos de trabalho caíram bastante, em ordem de 50%, no CIEE. Segundo os últimos cálculos realizados no ano passado, o Brasil deveria ter 1,1 milhão de vagas de aprendizagem, mas o número era de apenas 450 mil. Ou seja, pouco menos da metade das empresas estava cumprindo a lei de aprendizagem.
Com isso, ocorreram duas situações. A primeira delas é que o número de carteiras assinadas caiu. Em dois meses, perdemos mais de 1 milhão de empregos formais, o que impacta no cálculo de cota do aprendiz. A segunda situação foi que as empresas deixaram de renovar os contratos. Cada contrato vale dois anos. Quando o aprendiz sai, outra pessoa entra no lugar dele, mas algumas empresas estão deixando de renovar a vaga.
No CIEE, os novos contratos mensais caíram em 50%. Por um caminho ou por outro, chaga-se à conclusão que hoje o número de aprendizes está bem abaixo de 450 mil. É uma queda muito grande. É importante que se faça alguma coisa.
Qual é a proposta do CIEE diante dessa crise?
Humberto Casagrande: Nós analisamos o orçamento do governo para entender de onde poderia vir o dinheiro para uma ação a favor da aprendizagem e identificamos duas possibilidades. No projeto da Carteira Verde e Amarelo, o governo disse que tinha reservado 10 bilhões. Como não foi aprovado, imaginamos que o dinheiro esteja lá. Se reservarmos apenas 0,5% do total, conseguimos 6 bilhões para uma proposta de Medida Provisória que apresentamos diretamente à Presidência.
Se não for possível destinar parte do recurso que seria da Carteira Verde e Amarelo, sabemos que foi anunciado um plano de 1,2 trilhão para atacar o problema do coronavírus. Os 6 bilhões também podem ser obtidos a partir desta verba. Ou seja, é possível adquirir o recurso a partir dessas duas fontes.
Nossa ideia é criar 400 mil vagas de aprendizes em todo o Brasil. Um cálculo revelou que um aprendiz custa R$ 30 mil durante dois anos. A soma dos salários de 400 mil jovens daria 12 bilhões. No contrato da aprendizagem, as empresas pagam metade dos salários e o governo paga a outra metade, equivalente aos 6 bilhões que indicamos no orçamento, para dois anos. Nossa ideia é colocar os jovens nas pequenas e médias empresas que precisam de trabalho neste momento de crise.
Como esses jovens poderiam ser recrutados e como seria a formação durante o isolamento?
Humberto Casagrande: Somente no CIEE, nós temos uma fila de 3 milhões de jovens cadastrados esperando uma vaga. Nós atendemos somente 300 mil nos programas de estágio e aprendiz. Nós e outras organizações poderíamos recrutar com facilidade.
Sobre o processo de formação, na aprendizagem os jovens têm uma parte do tempo na empresa (70%) e outra parte (30%) na sala de aula. Devido à situação da pandemia, eles seriam contratados e nos primeiros 60 dias fariam cursos de formação a distância, pelo computador, em casa. Seria um intensivo.
Depois dos 60 dias, quando a situação do isolamento deve estar melhor, o jovem poderia ir para a empresa e não teria mais obrigação de ir para a escola de formação e depois trabalhar.
Com isso, a gente conseguiria um bom resultado para pequenas e médias empresas, que vão precisar de jovens para retomar as atividades. Seria bom para os jovens e suas famílias e para o governo custaria muito pouco. Seria também um programa aberto a todos agentes de integração. Uma proposta bastante republicana.