22/12/2016|
Por Bruna Ribeiro
O brincar, direito garantido pela legislação, encontra espaço livre na natureza e contribui com o aprendizado de meninos e meninas de todas as idades.
“Um chamado à ação para mudar o nosso mundo.” A frase impulsiona e também descreve as ações de coletivos de São Paulo que se reúnem para plantar árvores pela cidade. Nos encontros, crianças pisam na terra, correm e se divertem. Elas mudam o mundo, exercendo o direito à plena infância e ao brincar, garantido pelo artigo 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Os projetos Florestas de Bolso e Novas Árvores, de Ricardo Cardim e Nik Sabey, respectivamente, visam resgatar a Mata Atlântica para a metrópole, uma vez que 90% da vegetação urbana são mudas de origem estrangeira. O movimento caminha lado a lado dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, a serem implementados nos próximos 15 anos, em todo mundo.
O combate às alterações climáticas, energia acessível e limpa, cidades e comunidades sustentáveis e vida sobre a terra estão entre os ODS observados pelos grupos. Somente em 2016, foram 2.160 mudas plantadas na cidade. É, também, uma luta pela preservação dos direitos humanos. Quando dialogam com o direito ao brincar, nos levam à constatação de que toda criança merece ser feliz na natureza.
Estudos
A conclusão acima é fundamentada pelo americano Richard Louv. Ele mostra em suas pesquisas que qualquer ser humano, especialmente na infância, precisa de contato com a natureza para se desenvolver e ter uma vida saudável. Louv cunhou o termo “transtorno de déficit de natureza” para chamar a atenção aos problemas físicos e mentais derivados de uma vida desconectada do mundo natural.
No livro A última criança na natureza, o estudioso demonstra que crianças em contato com o verde melhoram o desempenho na escola e podem até reduzir sintomas de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade.
A obra foi traduzida e lançada no Brasil pelo Instituto Alana, por meio do projeto Criança e Natureza, coordenado por Laís Fleury. Segundo ela, a criança que brinca com mais autonomia está mais conectada consigo mesma.
“Os elementos naturais convidam a criança a acessar o seu desejo interno e a materializá-lo. Ele se revela como um fluxo contínuo de criação, em que nada está pronto”, afirma Laís. “Quem nunca viu uma criança com um pedacinho de pau na mão, fazendo desenhos na areia e minutos depois este mesmo pauzinho se transforma na espada do príncipe ou na vara de condão de uma princesa?”
Na prática
Cenas como estas são sempre vistas nos mutirões para plantação de árvores. Um deles ocorreu em um domingo de sol de dezembro, no Parque Cândido Portinari, localizado na região Sul de São Paulo.
Em oficinas, crianças deixaram mensagens à Mãe Terra em placas de enfeitar jardim e produziram bombinhas de sementes, misturando as terras vermelha e preta com diversos grãos. No fim do dia, as bolinhas foram arremessadas no campo, preparado por cerca de 400 adultos.
Presente no evento, a educadora Sara Assis, de 35 anos, usou uma metáfora para falar da importância do contato com a natureza: “Crianças são sementes enviadas para um futuro que não veremos.” Aos 3, a filha Manuela se divertiu amassando a terra e molhando os pezinhos em um balde de água. “Se as crianças não tiverem contato com a natureza desde pequenas, depois não saberão cuidar do verde, pois é preciso construir o sentimento de pertencimento.”
A arquiteta Mayra Rosa Rodrigues, 34 anos, é a maior incentivadora do filho Gael, de 4. “Acho importante crianças se sentirem parte do planeta, porque o planeta é delas. Quando dizem que a criança está suja, eu digo: ‘Ela não está suja. Ela está cheia de natureza’. Faz parte”, brinca a mãe.
Ricardo Cardim, um dos organizadores do evento e criador do projeto Floresta de Bolso, acredita que muitas crianças ouvem falar em meio ambiente, mas não têm a chance de colocar a mão na massa.
“Nós, seres humanos, ficamos 300 mil anos em contato com a natureza. Nos últimos 40 anos, fomos morar na cidade. É tudo muito recente. Sentimos falta disso. A reconexão é fundamental para entendermos nosso ciclo natural”, diz Cardim.