16/02/2017|
Por Ana Luísa Vieira
Do processo de fabricação de calçados à costura em pequenas confecções. Da extração de castanha, cacau e açaí aos matadouros das granjas familiares. A presença de crianças de 5 a 9 anos em situação de trabalho nestes cenários é gravíssima.
Pelo segundo ano consecutivo, há aumento de meninos e meninas nas atividades acima descritas, listadas entre as piores formas de trabalho infantil, aponta a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD). “Isso nos trouxe uma grande preocupação: o trabalho infantil inserido em pequenas unidades familiares”, comenta o procurador do Trabalho Tiago Ranieri, vice-coordenador nacional da Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente).
A despeito da queda geral de 19,8% no número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho no Brasil, o trabalho precoce dos 5 aos 9 anos cresceu 12,3% em relação a 2014, alcançando 79 mil casos registrados em 2015.
De acordo com o procurador, o poder público deve redobrar o envolvimento com os integrantes da cadeia produtiva, com cuidado especial às famílias participantes do processo. “É muito perverso querer responsabilizar o pai e a mãe, que muitas vezes não têm alternativa. O procurador deve buscar uma responsabilização da cadeia produtiva, porque há grandes empresas, grandes marcas e estabelecimentos que utilizam dessa precarização para ter um produto final”, esclarece. Confira a íntegra da entrevista.
O que explica o aumento do trabalho precoce dos 5 aos 9 anos?
Tiago Ranieri: A PNAD nos trouxe uma grande preocupação, o trabalho infantil inserido em pequenas unidades familiares. Isso representa a atual situação econômica do país, com a terceirização de quase todas as atividades. O mundo vive esse neoliberalismo. Cada vez mais se terceirizam os serviços, cada vez mais se consegue compactar certas modalidades ou ocupações de trabalho.
A unidade familiar, quando pertence a essa cadeia produtiva, seja de cacau, de castanha ou na moda, vai utilizar quem está naquele momento disponível para mão de obra, a fim de conseguir energia de trabalho o suficiente para alcançar o patamar mínimo de remuneração.
Na utilização dessa energia de trabalho, acaba-se utilizando a mão de obra infantil de 5 a 9 anos de idade. É a realidade do Brasil.
Quais os estados que mais registram esses casos?
Tiago Ranieri: Hoje, nós vemos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, por exemplo, a questão da cadeia produtiva dos calçados. Ali funcionam pequenas unidades familiares nas quais crianças trabalham na confecção de atividades do processo da fabricação de sapatos.
Em São Paulo, existe a questão das confecções, com pequenas unidades familiares que utilizam a energia de trabalho das crianças dessa faixa etária para alcançar a remuneração mínima. A questão da confecção também se expande pelo Centro-Oeste.
No Norte do país, unidades familiares atuam na extração da castanha, do cacau. O Nordeste também está ligado à agricultura, à colheita do açaí.
Como as denúncias são realizadas? Como é feita a investigação?
Tiago Ranieri: Ressalto que a PNAD trouxe um recorte muito claro do atual cenário brasileiro, dessas pequenas unidades familiares que utilizam a mão de obra infantil. Muitas vezes, o Estado não consegue realizar a fiscalização por causa da inviabilidade de municípios. Isso dificulta a identificação e o combate ao trabalho infantil.
O que deve ser feito para melhorar este monitoramento?
Tiago Ranieri: Nasce, a partir dessa dificuldade, a necessidade da atuação em rede, quando o Conselho Tutelar ou as equipes da área de Educação não conseguem identificar, chegar aos casos. A criança pode estar em um patamar em que não teve acesso à educação, por exemplo.
Se esses atores primários não conseguem identificar, os atores que são responsáveis pela responsabilização como nós, Ministério Público do Trabalho, também não vamos agir. As famílias que empregam não vão denunciar. Quando eu falo em trabalhar em rede, falo sobre utilizar a rede que compõe esse município: assistência social, educação, saúde… Há grande necessidade de esta rede estar articulada intersetorialmente a fim de proteger as famílias.
O que é preciso para que essas famílias sejam, de fato, protegidas?
Tiago Ranieri: É muito perverso querer responsabilizar o pai e a mãe – que, muitas vezes, não têm alternativa. O procurador do Trabalho deve buscar a responsabilização da cadeia produtiva, pois há grandes empresas, grandes marcas e estabelecimentos que utilizam dessa precarização para ter um produto final. A cadeia produtiva deve buscar condições para que essa unidade familiar consiga ter um ritmo de trabalho dentro da condição humana, e não utilize a mão de obra infantil. Por isso, queremos manter a campanha “Não ao Trabalho Infantil na Cadeia Produtiva” como tema deste ano, para além do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil.
Tira-dúvidas
Pais também podem ser responsabilizados pelo trabalho infantil na cadeia produtiva?
Ao detectar situações de trabalho infantil na unidade familiar, tanto a rede de proteção quanto o Ministério Público do Trabalho têm a mesma proposta: proteger a família em primeiro lugar, oferecendo esclarecimentos e alternativas para combater a violação. Caso a família não atenda ao viés da proteção oferecido, existem os seguintes tipos de responsabilização:
- Responsabilização administrativa
– Aplicação de medidas protetivas pelo Conselho Tutelar;
– Se os pais possuírem uma empresa formal, ela pode ser multada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE);
– Também pode-se firmar uma assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o MPT.
- Responsabilização judicial
Se as ações acima não forem cumpridas, o MPT pode entrar com uma ação.
Como as empresas são punidas?
Também há duas maneiras:
- Responsabilização administrativa
– Multa do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE);
– Assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o MPT, e a possibilidade de pagamento de dano moral coletivo.
- Responsabilização judicial
– Ação civil pública do MPT
*Dependendo do caso, pode haver responsabilização penal.