14/10/2016|
Por Bruna Ribeiro
Na época da colheita do feijão, durante o mês de agosto, o professor José Marcos Silva observa uma mudança no comportamento de seus alunos de uma escola do campo, em Santana de Ipanema, no sertão do Alagoas. Cansados, eles chegam a cochilar durante a aula e deixam de entregar atividades. Isso acontece, porque eles acordam muito cedo para trabalhar. No Brasil, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad), 31% dos trabalhos infantis ocorrem no meio rural. Qual é, portanto, o papel da escola neste contexto?
“É preciso ressignificar os conteúdos que os alunos vivenciam na escola, porque eles veem as aulas de acordo com a realidade deles”, sugere Silva, que encontrou o caminho do diálogo com as famílias e crianças, na tentativa de mostrar que a educação é importante para o futuro. “Quando ensinei medidas em matemática, pedi que os alunos fizessem o exercício prático nos sítios onde vivem com os pais e conversassem com eles sobre as técnicas utilizadas para medição”, exemplifica.
Segundo o professor, a realidade da comunidade é muito pobre e a questão do trabalho infantil é bastante presente. Alguns pais só deixam as crianças irem à escola, depois de cumprirem uma longa tarefa, como dar comida à vaca, tirar leite e realizar a própria colheita. “Não são atividades normais de criança, mas isso se torna invisível, porque aparece como uma ajuda à família”.
Além do trabalho infantil, a pobreza impõe outras barreiras às crianças do sertão. “Os meninos não têm acesso à tecnologia e alguns sequer têm sinal de telefone. Quando cheguei à escola, em 2014, comecei a brigar, porque as crianças eram transportadas em pau de arara (transporte irregular). Ninguém dava importância, mas isso é inaceitável. Só mudou, porque uma aluna faleceu, quando um caminhão tombou.”
O levantamento Escolas Esquecidas, do Instituto CNA, mostra que em um universo de 76.229 mil escolas rurais no país, 508 ainda sofrem com falta de energia e saneamento. Há também problemas quanto à formação dos professores: 30% dos profissionais que atuam no campo não têm Ensino Superior, informa o Ministério da Educação (MEC).
A importância da escola
De acordo com Eliene Novaes, professora da Universidade de Brasília (UNB), a escola do campo é o ponto central da luta pela erradicação do trabalho infantil, por possibilitar a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes e também promover um espaço de cidadania.
“Se as escolas do campo são fechadas pelo poder público, muitos adolescentes deixam de estudar, especialmente aqueles com idade de cursar o Ensino Médio, pois nem sempre a distância permite conciliar o trabalho e o estudo. No final, como o trabalho é elemento central de sobrevivência, ele acaba sendo priorizado”, diz Eliene.
Para a professora, a escola do campo muitas vezes representa o único espaço de presença do poder público na comunidade. “É nela que as crianças constroem noções de direito e de representatividade política. A respeito do trabalho infantil, a escola representa o encontro com a infância, onde a criança sorri, brinca, estuda e se diverte. É na escola que a criança exerce sua liberdade e não no trabalho”.
Caminhos a seguir
Articulada com a comunidade, a escola pode combater o trabalho infantil a partir de uma sólida proposta pedagógica, que se alicerce na formação humana e na formação a respeito do trabalho.
Eliene acredita na importância da formação integral dos alunos, articulando o conhecimento da realidade em que ele vive com o conhecimento disciplinar e interdisciplinar. “A verdadeira formação integral não é responsabilidade apenas da escola, mas de diversos sujeitos e saberes.”
Nos anos 50, o educador Paulo Freire já trabalhava com esse mote. Não é preciso levar a criança para a cidade. É no campo, com seus próprios recursos e referências, que ela pode aprender.