27/04/2017|
Por Ana Luísa Vieira
“Hoje é um dia simbólico. Um dia histórico na proteção da infância e da juventude.” A fala de Millen Castro Medeiros de Moura, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), aponta o otimismo que acompanha os novos caminhos da organização. Nesta quinta-feira, 27 de abril, Moura anunciou oficialmente o lançamento do Instituto Brasileiro de Direito da Criança e do Adolescente (IBDCRIA), durante seminário no auditório do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Na mesa de debates, importantes nomes da história dos direitos infantojuvenis: Benedito Rodrigues, relator do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); Irandi Pereira, pedagoga e pesquisadora; Eduardo Rezende Melo, juiz da Vara de Infância e Juventude e a pedagoga Isa Guará, entre outros convidados.
Na plateia, conselheiros tutelares, assistentes sociais e representantes de organizações não-governamentais acompanharam o dia de plenárias com a companhia de mais de 400 internautas de todo o país.
O IBDCRIA-ABMP propõe o estabelecimento de parcerias para viabilizar projetos relacionados à agenda e aos direitos da infância: trabalho infantil, medidas socioeducativas, convivência familiar e comunitária, entre outras temáticas. Acesse o site para se associar e acompanhar as ações.
Nos dois lados, o objetivo de ampliar o debate sobre a proteção absoluta e o fortalecimento dos direitos da infância. O instituto, iniciativa de expansão da ABMP, abre seus debates e materiais para além do âmbito jurídico: agora, o convite é estendido a entidades e atores do Sistema de Garantia de Direitos, jovens e militantes interessados em se tornar sócios da entidade.
“Crianças tem voz, tem vez”, enfatiza o juiz Eduardo Rezende Melo. “Queremos que as pessoas se sintam abraçadas e pertencentes àquilo que se destina o IBDCRIA-ABMP, que é implantar efetivamente o ECA, fortalecer a legislação. Queremos ampliar o debate e reforçar o protagonismo de crianças e adolescentes, que devem ser reconhecidos como sujeitos de direitos”, reforça Millen Castro.
“Estamos em um momento crítico, com retrocessos legislativos nos âmbitos dos direitos sociais. Um exemplo é a redução da maioridade penal. Em rede, precisamos intervir para que isso não aconteça”, diz Millen, também promotor de Justiça do estado da Bahia.
A necessidade de políticas públicas
Assuntos centrais como maioridade penal, medidas socioeducativas, questões de gênero e trabalho infantil estiveram na pauta do encontro que, ao final do dia, elegeu a diretoria que comandará o instituto entre 2017 e 2019.
Professor de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Marcus Vinicius Pereira Júnior arrancou aplausos ao apontar uma das principais falhas do ativismo judicial, ligada ao sistema socioeducativo no Brasil. “Onde está a prioridade absoluta do artigo 227 da Constituição? Hoje, grande parte da sociedade pede a redução da maioridade penal e nós não lutamos para a efetivação de políticas públicas de crianças e adolescentes. Não lutamos pelo artigo 227. Somos coniventes e precisamos mudar esse estado”, ressaltou, destacando que espaços como o oferecido pelo novo instituto são de grande valia para a pesquisa e os debates.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A pedagoga Isa Guará complementou o raciocínio. “O laço afetivo é importante, e é preciso pensar no acompanhamento e na reflexão sincera sobre o adolescente frente ao Sistema Judiciário.”
Para a especialista, é preciso investir em programas que atendam adolescentes em suas demandas reais e acompanhar o processo de ressocialização. “Sempre há a discussão sobre a rede de proteção, que não se articula. Isso é fato, mas essa articulação precisa caminhar para programas que ancorem o adolescente real, sem discriminá-lo, engajando-o de fato. Esse lado real é bem parecido com milhões de jovens da periferia que estão fora da escola, em trabalhos informais e não encontram espaço para ecoar suas vozes.”
Pela igualdade de direitos
Em sua fala, o professor Benedito Rodrigues ressaltou a ausência e a urgente necessidade da discussão sobre direitos humanos no ambiente escolar. Pesquisador do relatório Por ser Menina, da Plan International Brasil, Rodrigues informou que, das duas mil meninas ouvidas para o estudo, mais de 70% nunca ouviram falar do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Não existe ensino sistemático dos direitos das crianças e adolescentes na escola, não se fala do ECA nas escolas. Como lidar com esse desconhecimento?” provoca. Um integrante da plateia concorda, e responde em bom tom: “Ainda vamos além nesse retrocesso, com as aulas de direito da infância por vezes optativas nas universidades.”
Ainda na questão de gênero, Rodrigues alerta os participantes sobre outro dado revelado pelo estudo da Plan: é dentro de casa que as meninas mais se sentem ameaçadas. Meninas apanham por não fazer tarefa doméstica. Meninas têm de dosar o dever de casa com o trabalho doméstico, ao contrário dos irmãos. “Precisamos ter atenção permanente no conceito de proteção, que pode significar cuidado ou controle. O controle da menina é muito forte”, alerta o professor.
Fortalecimento do debate
Em todas as falas, algo em comum: a esperança de que o instituto possa contribuir efetivamente na construção de pautas, políticas públicas e incidir diretamente na proteção dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. “Precisamos enxergar essa realidade”, diz Isa Guará, ao retomar um dado marcante de suas pesquisas na antiga Febem (hoje Fundação Casa). “Eu me lembro bem: os meninos diziam que suas vidas terminariam em três letras ‘c’: cadeia, cemitérios ou cadeira de rodas. Estamos devendo uma perspectiva de futuro à infância e adolescência brasileira, e o IBDCRIA-ABMP pode dar conta disso”.
Lei da escuta especializada teve início na ABMP
Recém-sancionada pelo presidente da República, a lei da escuta protegida para as vítimas de violência, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT/RS) e outros relatores, teve seus primeiros rascunhos nas salas de reunião da Associação Brasileira dos Magistrados e Procuradores, relembra Itamar Batista Gonçalves, gerente de advocacy da Childhood Brasil
A organização sem fins lucrativos de proteção à infância é parceira do IBDCRIA-ABMP. “O que começou em primeiras reuniões com quatro ou cinco pessoas ganhou amplitude legislativa”, comemora Gonçalves.