18/05/2017|
Por Bruna Ribeiro
Neste 18 de maio, Dia Nacional do Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, evento promovido pelo Instituto Liberta, em parceria com o jornal Folha de S. Paulo, reuniu organizações sociais e representantes da sociedade civil para um debate sobre o tema, no Teatro Unibes Cultural, na capital paulista.
A abertura do evento ficou marcada pela leitura de relatos do livro “Meninas da Esquina”, da jornalista Eliane Trindade, na voz da atriz Mel Lisboa. Os depoimentos de meninas que sofreram violência sexual emocionaram a plateia e deram início às discussões.
Logo em seguida, subiram ao palco representantes da Childhood Brasil, Fundação Abrinq, Liberta, Plan International Brasil e da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, formando uma coalizão para engajar a sociedade no combate à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes.
Os números mostram a urgência do debate do tema. Só nos anos de 2015 e 2016, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, por meio do Disque 100, recebeu 33.290 denúncias de violência sexual na faixa etária de 0 a 18 anos, o que corresponde a cerca de 10% das ligações feitas à central telefônica.
A maior parte das vítimas é de meninas (67,7%), seguido por meninos (16,52%) e não informados (15,79%). Cerca de 40% dos casos eram referentes a crianças de 0 a 11 anos. As faixas etárias de 12 a 14 anos e de 15 a 17 anos correspondem, respectivamente, a 30% e 20% das denúncias. Os homens (62,5%) e adultos de 18 a 40 anos (42%) são apontados como autores da maioria delas.
Debate
Luciana Temer, diretora-presidente do Instituto Liberta, abriu a conversa falando sobre a ignorância sobre o tema no país. “Algumas pessoas ignoram que isso existe e outras sabem que existe, mas acham que não é um problema delas. A gente quer mostrar que isso não é um problema da criança. É um problema de todos nós.”
A diretora-presidente ainda falou sobre o custo social da violação. Segundo ela, as vítimas abandonam a escola, engravidam precocemente, contraem doenças sexualmente transmissíveis e se envolvem com álcool e drogas.
Muitos meninos e meninas dificilmente vão conseguir transformar a própria vida e romper esse ciclo de miséria no Brasil. Em média, uma vaga no abrigo custa R$ 4 mil por mês e na medida socioeducativa de internação, R$ 7 mil. Está doendo no coração e no bolso.”
A secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Claudia Vidigal, falou ainda sobre a impunidade de quem comete abuso. “A exploração sexual de crianças e adolescentes é um crime hediondo e deve ser tratado dessa forma”, lembrou. Ela reforçou a importância da formação dos atores do sistema de garantia de direitos, como os conselheiros tutelares.
Leia também: especialistas defendem papel da escola na discussão sobre abuso
Segundo Fabiana Gorenstein, oficial de proteção do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o sistema de proteção de direitos de crianças e adolescentes é essencial para as crianças, famílias e sociedades. “Acreditamos em um caminho pela mudança cultural, adaptação da legislação, programas, políticas e trabalho local nos territórios com maior incidência de violência.”
Flávio Debique, da Plan International Brasil, citou o projeto da organização Por Ser Menina. “Queremos promover os direitos de crianças e adolescentes e igualdades para meninas. Buscamos o alcance do quinto item dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa igualdade de gênero e empoderamento de mulheres e meninas. As desigualdades que afetam as mulheres começam na infância, com uma dimensão racial e de território”, disse.
Desde 2008, a Childhood tem se unido aos serviços de saúde, proteção e investigação para entender boas práticas mundo afora e também se apoiar em exemplos brasileiros de combate à violência sexual. Uma das ações se refere à escuta atenta, que aumenta as chances de responsabilização e criminalização do agressor para 70%.
“A exploração sexual é multicausal. Uma situação tão complexa exige esforços que uma organização sozinha não consegue fazer. Precisamos nos unir”, convocou Eva Dengler, gerente de Programas e Relações Empresariais da Childhood Brasil.
Já para Heloísa Oliveira, administradora-executiva da Fundação Abrinq, uma das formas de combater a situação é comunicar o assunto. “As pessoas não gostam de falar disso. Não gostam de passar perto de uma menina que está na esquina, na praia ou em um terminal rodoviário. Incomoda, porque é um problema de todos nós”, comentou.
Heloísa falou ainda sobre a importância de assegurar leis adequadas de proteção e de garantir políticas que de fato funcionem e estejam estruturadas.
Temos dois desafios: colocar a lei no papel e depois tirar do papel”.
Marco Legal
Durante a segunda mesa, a deputada federal Laura Carneiro (PMDB-RJ), a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), a assessora de políticas públicas da Fundação Abrinq Maitê Gauto e a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) falaram sobre os avanços legislativos.
O principal deles foi a aprovação da Lei de Escuta Protegida (3792/15), de Maria do Rosário e de outros parlamentares. A legislação tem como objetivo criar um sistema de garantia de direitos para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
A lei possibilita que os depoimentos sejam realizados com o apoio de uma equipe técnica capacitada, com todo o cuidado possível, evitando-se ao máximo a reiteração do depoimento e o contato com o agressor.
Se os direitos humanos estão no patamar civilizatório, a universalidade dos direitos de crianças e adolescentes deve ser o patamar ético da sociedade. A violência sexual enseja o enfrentamento de relações de poder”, comentou Maria do Rosário.
Para saber mais sobre a lei, confira uma entrevista com a deputada publicada pelo Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil.