Redução da maioridade penal pode aumentar violência, dizem especialistas

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14/11/2018|

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Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Com as eleições presidenciais, o debate sobre a redução da maioridade penal voltou à pauta. Especialistas, no entanto, acreditam que a medida pode aumentar a violência, uma vez que os adolescentes ficariam presos em cadeias dominadas pelo crime organizado, em vez de serem ressocializados.

Após ser anunciado como ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro, o juiz Sergio Moro declarou ser favorável à diminuição da idade penal para 16 anos, em casos de crimes hediondos.

Juízes brasileiros de infância e da juventude, no entanto, votaram contra a proposta, de forma unânime. A consulta foi feita no Fórum Nacional de Justiça Juvenil, que ocorreu em Campo Grande (MS), nos dias 12 e 13 de novembro.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC 171/93) tramita no Congresso desde 1993. Em 2015, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) aprovou o projeto, criando uma comissão especial para discutir a redução da maioridade penal no país.

Conversamos com dois especialistas sobre o assunto para entender os impactos da medida nos direitos de crianças e adolescentes. Confira trechos da conversa com Daniel Palotti Secco e Ariel de Castro Alves.

Secco é defensor público e coordenador auxiliar do Núcleo Especializado da Infância e Juventude.  Alves é advogado, coordenador da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente do Condepe -SP (Conselho Estadual de Direitos Humanos) e membro do INDICA- Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Demanda Social

Ariel de Castro Alves: A redução da maioridade penal é mais uma resposta à opinião publica, que precisa de uma solução para o problema da violência. Foi uma plataforma de campanha de vários candidatos.

Mas na verdade esses adolescentes têm mais condições de serem recuperados e ressocializados se tiverem um tratamento por meio das medidas socioeducativas, inclusive de internação.

Internação é mais eficaz que cadeia

Ariel de Castro Alves: A reincidência na Fundação Casa está em torno de 20%. Já os levantamentos a respeito do sistema prisional apontam que a reincidência fica entre 60 e 70%. Isso mostra que o sistema socioeducativo, mesmo de internação, é mais eficiente para recuperar.

Responsabilidade penal começa aos 12

Ariel de Castro Alves: Muito se confunde a respeito da maioridade penal e responsabilização criminal. No Brasil, a responsabilização criminal começa aos 12 anos. Quando o ato infracional é de violência ou grave ameaça, ocorre a internação.

Mesmo após os três anos de internação, é possível que o adolescente em conflito com a lei seja encaminhado para outras medidas, como semiliberdade, liberdade assistida ou serviços prestados à comunidade, até completar 21 anos.

Houve casos, como um adolescente conhecido como Champinha, que, com base em dados psiquiátricos de que o jovem não poderia voltar a conviver em comunidade, a internação socioeducativa foi transformada em uma internação psiquiátrica, para que ele não saísse.

Existe uma unidade de internação, com atendimento psiquiátrico, destinada apenas a esses adolescentes que saíram do sistema socioeducativo e não têm condições de voltar a conviver na sociedade.

Daniel Palotti Secco: Existe uma ideia de que  os adolescentes não são punidos, mas isso é falso. Os adolescentes que cometem atos infracionais são punidos, sim. Eles passam pelas medidas socioeducativas, que podem ser aplicadas com privação de liberdade. A questão é que a punição é diferenciada, porque visa também a formação, educação profissional e atendimento psicológico.

Aumento ou diminuição da violência?

Ariel de Castro Alves: O argumento de que a redução da maioridade penal diminuiria a criminalidade é equivocado, porque na verdade poderia gerar um aumento. Os jovens seriam colocados em um sistema prisional falido, superlotado e em condições humanas degradantes, sem acesso à educação, a tratamentos de saúde, contra o vício de drogas, assistência social, trabalho com famílias e nem profissionalização.

Embora nem todo estado tenha estrutura adequada no sistema socioeducativo e ocorram violações, existe uma estrutura mínima para recuperação nessas unidades, o que não existe no sistema penitenciário, que já tem 720 mil presos, em uma estrutura que acolheria 300 mil. Todas essas questões precisam ser refletidas em relação ao tema.

Daniel Palotti Secco: Algumas pessoas acreditam que a redução da maioridade penal e o aumento da punição estatal diminuem a violência, mas nenhum estudo, em nenhum país, indica essa lógica.

Nos últimos 30 anos, o Brasil vem aumentando a punição e a população carcerária cresceu de maneira absurda. As penas estão cada vez mais rigorosas e longas, mas a violência só aumenta.

A redução da maioridade penal não vai diminuir a violência. Basta pensar que os adolescentes ainda em formação de personalidade vão para cadeias tomadas por organizações criminosas. A situação só vai piorar. É preciso outros tipos de intervenção, como diminuir a desigualdade social, aumentar o emprego, renda e melhorar a moradia.

Aumento do tempo de internação

Ariel de Castro Alves: O que pode acontecer é que outros parlamentares apoiem o Projeto de Lei do Senado n° 219, de 2013, que em vez de reduzir a maioridade penal, aumenta o tempo de internação de três para até oito anos, em caso de crimes hediondos.

É uma proposta alternativa, que mantém os adolescentes por mais tempo nas unidades de internação, em vez de coloca-los no sistema prisional dominado pelo crime organizado, que acaba sendo uma escola do crime.

Daniel Palotti Secco: Acredito que o projeto, assim como a redução da maioridade penal, parte do pressuposto de que os adolescentes ficam impunes. A medida não serviria para ressocializar o adolescente, mas institucionalizá-lo.

Tipos de crimes

Ariel de Castro Alves: Apesar do projeto ser referente a crimes hediondos, legalmente existe uma equiparação do tráfico ao crime hediondo. É possível que as decisões judiciais levem em conta essa equiparação e apliquem aos envolvidos no tráfico, além dos casos de latrocínio, roubo seguido de morte, homicídio qualificado, sequestros e estupros.

Como o tráfico é a segunda maior causa de internação, quase empatado com o roubo, existem um risco de uma explosão de encarceramentos de adolescentes. Isso desvia significativa parcela desses jovens do sistema socioeducativo para o sistema prisional, com taxas bem menores de ressocialização.

Do total de 8.689 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de internação na Fundação CASA,  no Estado de São Paulo, 45,7% respondem por tráfico de drogas, de acordo com dados divulgados pela instituição em junho de 2018.

Daniel Palotti Secco: É totalmente falso o pressuposto de que os adolescentes cometem muitos crimes e que por isso é necessário aumentar a punição. Todos os estudos estatísticos demonstram que os adolescentes não são os maiores autores de crimes violentos. Por outro lado, são as maiores vítimas.

A absoluta minoria dos homicídios é cometida por adolescentes, mas uma parcela enorme das vítimas de homicídios é de adolescentes. Não é a punição que falta, mas a proteção.

Inconstitucionalidade

Ariel de Castro Alves: O meu entendimento e da maioria dos juristas é que a redução da maioridade penal fere uma cláusula pétrea. Não cabe emenda à constituição para abolir direitos e garantias fundamentais.

O Artigo 228 diz que os adolescentes com menos de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial, no caso o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Por isso, para que fosse realizada a alteração, seria preciso convocar uma nova Assembleia Nacional Constituinte.

Além disso, partindo do princípio que todos são iguais perante a lei, não é possível diferenciar um adolescente do outro de acordo com o tipo do crime, pois iria contra a constituição.

Há tratados internacionais de direitos humanos que dizem que não pode haver retrocesso na garantia de direitos humanos. A Convenção sobre os Direitos das Crianças da ONU também aponta que as crianças devem ter tratamento diferenciado em relação aos adultos.

A decisão pode levar o debate ao Supremo Tribunal Federal, pois a constituição prevê que o país é obrigado a cumprir os tratados que reconheceu e ratificou. Além disso, existe uma pesquisa do Unicef, de 2015, que mostra que 79% dos países adotam a idade penal de 18 anos.

Até nos Estados Unidos existe uma tendência a aumentar a idade penal e não a diminuir. Dos 50 estados americanos, apenas nove têm idade penal menor de 18 anos.

Área social

Ariel de Castro: É importante entendermos como o governo vai atuar na área social. O crime inclui quando o estado, a família e a sociedade excluem. O desemprego entre os jovens é muito alto. Os adolescentes já podem trabalhar a partir dos 14 anos, pela Lei do Aprendiz.

No entanto, o envolvimento com a criminalidade entre 16 e 17 anos é grande. Tudo está interligado. Precisamos de atividades voltadas para o enfrentamento do trabalho infantil, atividades no contraturno escolar, escolas de tempo integral, orientação às famílias e geração de renda e emprego aos pais.

Muitas vezes o programa social não garante nem a vaga na escola. Muitas vezes o poder público não tem nada a oferecer além da boa vontade de seus profissionais.

As diferenças entre as seis medidas socioeducativas

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