21/03/2019|
Por Bruna Ribeiro
Dos 79.240 aprendizes que participam do programa de aprendizagem promovido pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), 69,7% se declaram pretos ou pardos. No Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial (21), o dado revela a importância de políticas para inserção dos jovens negros no mercado de trabalho digno.
Neste contexto, a aprendizagem é uma forte aliada na garantia à educação e à profissionalização, além de ser uma ferramenta para erradicação do trabalho infantil. “É a única situação prevista em lei em que o jovem a partir de 14 anos pode trabalhar. Qualquer outra condição é irregular”, diz Marcelo Gallo, Superintendente de Operações do CIEE.
De acordo com a Constituição Federal do Brasil, o trabalho é proibido para quem ainda não completou 16 anos, como regra geral. Quando realizado na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos. Se for trabalho noturno, perigoso, insalubre ou atividades da Lista TIP (piores formas de trabalho infantil), a proibição se estende aos 18 anos incompletos.
Além do recorte racial, Gallo citou o aspecto econômico. Uma pesquisa pesquisa realizada pelo CIEE em parceria com o Datafolha e divulgada em março mostra que entre 1,8 mil egressos do programa de aprendizagem da entidade entrevistados, 54% são oriundos de famílias com até três salários mínimos.
Nas regiões Norte e Nordeste, o número salta para 73%. “Nós identificamos que a maioria dos aprendizes é de família de baixa renda e muitas vezes precisa contribuir. Por isso acaba indo para o trabalho infantil e para situações de risco.”
Entre os egressos ouvidos, 82% contribuem com até 36% da renda própria. “Muita gente está lutando para a sobrevivência. A partir da aprendizagem, as possibilidades são ampliadas, pois ela traz profissionalização, geração de renda, combate a evasão escolar, entre outros benefícios.”
Ainda segundo Gallo, como o aprendiz não pode abandonar a escola, a aprendizagem se torna uma importante ferramenta no combate à evasão escolar. “Por isso acreditamos que a política deve ser estimulada, pois se analisarmos os recortes de raça, renda e bairro de moradia, constatamos que nossos aprendizes são os das classes menos favorecidas.”
Pacto pela inclusão de jovens negros e negras nas empresas
No ano passado, o Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPTSP) lançou o Pacto pela inclusão de jovens negros e negras nas empresas. As empresas signatárias se comprometeram em constituir uma comissão interna para tratar da diversidade dentro da organização, elaborar o censo entre empregados com recorte de raça e gênero e criar mecanismos de promoção da igualdade.
Outras linhas de ação seriam a promoção da diversidade racial nas campanhas publicitárias da empresa e o encaminhamento semestral de informações sobre as medidas adotadas.
Para a Procuradora do Trabalho Elisiane Santos, a igualdade de oportunidades para a população negra no mercado de trabalho e o acesso às universidades são de extrema importância para romper ciclos geracionais históricos de exclusão, trazendo inclusive uma questão importante de representatividade.
“É importante o jovem negro saber que pode estar no lugar de um médico, juiz, procurador, artista ou o que ele quiser. É importante ele saber que a opção não é apenas o lugar de exclusão, como o trabalho infantil e precarizado”, diz.
“O olhar da sociedade se habitou à não existência de representatividade, aceitando o lugar da população negra em uma condição de opressão. Por isso o trabalho infantil é aceito socialmente, porque no geral é uma criança negra em condição de exploração. Precisamos mudar isso e ter representatividade. Mais de 54% da população é negra. Precisamos ter mais de 54% de representação nos espaços de decisão e na política”
Segundo Elisiane, a aprendizagem é um dos caminhos, embora não resolva a questão de maneira isolada. “É uma forma de inserir o adolescente e o jovem no trabalho de maneira adequada, respeitando a sua condição peculiar de desenvolvimento. Não é um trabalho produtivo por si só, mas o estímulo à educação, uma vez que na aprendizagem esses dois fatores caminham juntos.”
Alerta a fraudes
Apesar dos benefícios, é preciso estar atento ao desvirtuamento da aprendizagem. “Empresas fraudulentas se aproveitam da vulnerabilidade das famílias, muitas delas negras, para vender cursos. É importante ressaltar que nada é pago no programa de aprendizagem“, orienta a procuradora.
Segundo ela, a aprendizagem é uma obrigação legal das empresas, que contratam os aprendizes e arcam com os custos dos cursos realizados por alguma entidade formadora. “Quando alguém falar em valores, preste atenção, pois há algo errado. Não se pode cobrar nada pelo recrutamento e nem pelo curso.”
Além disso, não é permitido desvirtuar as funções dos aprendizes. “Pode acontecer de um supermercado contratar aprendizes e colocá-los para trabalhar no depósito, guardando produtos. Qual é o aprendizado nesse caso? Qual é o ganho? Esse desvirtuamento acontece, mas é mais difícil de identificar. É preciso que os adolescentes e jovens observem suas funções e os horários exigidos.”
Importante também ressaltar que a aprendizagem não precisa estar restrita a cursos mais técnicos. “Ela pode se dar em qualquer atividade, inclusive na área cultural e artística. Quando não existem cursos nos municípios, é uma demanda que pode ser feita”, comenta Elisiane.
Inspiração e representatividade
Quando um adolescente ou jovem negro acessa o mercado de trabalho decente, com oportunidades formais, o benefício é de toda a família e comunidade. “Essa questão da imagem e da representatividade é bem importante. O irmão mais velho pode ser inspirador para os demais, quando está em um programa de aprendizagem, se preparando para o vestibular e buscando conhecimento e inclusão. As vezes até os próprios pais voltam a estudar e melhoram suas experiências pessoais.”
De acordo com Elisiane, é importante não retroceder nos avanços já conquistados. Do ponto de vista jurídico, o Estatuto da Igualdade Racial traz a responsabilidade do Estado, determinando que ele crie mecanismos e programas que possibilitem oportunidades de igualdade na iniciativa privada.
“Além disso, a própria Constituição Federal está fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, da igualdade e não discriminação, para que tenhamos uma sociedade democrática e plural, fundada nos princípios de que toda a população diversa tenha acesso aos direitos e igualdade de oportunidades no trabalho e na educação”, diz Elisiane.