06/02/2018|
Por Redação
Uma coalização de organizações da sociedade civil, da qual a Cidade Escola Aprendiz faz parte, entregou no dia 31 de janeiro uma carta convocando o Estado brasileiro a comprometer-se com a Parceria Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, iniciativa liderada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
O documento, com 43 páginas, traça um panorama da violação de direitos cometida contra essa população no Brasil, apontando também estratégias e políticas necessárias para fazer frente a essa questão.
Baixe a carta entregue ao governo brasileiro
Leia o discurso que acompanhou a entrega da carta, direcionada à ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, ao ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, e à secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Berenice Maria Giannella:
Falo hoje em nome de uma coalizão da sociedade civil brasileira formada por instituições, fóruns, comitês, federações e redes.
Movidos por um profundo senso de responsabilidade e urgência que nós nos reunimos hoje, aqui em Brasília, para a entrega formal desta manifestação, fruto de uma coalizão ampla de diferentes instituições da sociedade civil organizada, unidas por uma causa maior e absolutamente prioritária para nós e todo o país: o fim da violência contra crianças e adolescentes no Brasil.
A presente carta é um apelo para que o Estado brasileiro, engajando-se na iniciativa liderada pela ONU da Parceria Global pelo Fim da Violência contra crianças e adolescente, possa encontrar meios e concentrar esforços, políticos e econômicos, para o enfrentamento de todas as formas de violência que assolam milhões todos os dias, roubando-lhes os sonhos, as esperanças e, muitas vezes, suas próprias vidas.
A situação é dramática e nos exige uma resposta contundente! Os atos de violência que as diversas infâncias e adolescências brasileiras sofrem em todos os espaços são alarmantes. Desde o seio mais íntimo das famílias, passando pelas ruas, escolas e espaços públicos de suas comunidades, crianças e adolescentes não são livres; não são livres para vivenciar o amor e o cuidado familiar; não são livres para brincar nas calçadas ou nos espaços naturais ao redor de onde vivem; não são livres para estudar e desenvolver progressivamente suas capacidades; não são livres para serem apenas adolescentes e crianças, sejam elas negras,brancas, indígenas, com deficiência, quilombolas, ciganas, ribeirinhas, LGBTIs, ou todas aquelas de povos e comunidades tradicionais.
Como se pode atestar por dados oficiais, ainda que escassos, conforme registrado no anexo I da nossa manifestação, ao contrário da percepção propagada erroneamente por diversos formadores de opinião ou, até mesmo, por políticos e candidatos em suas campanhas eleitorais, crianças e adolescentes não são os principais autores de violência em nosso país; mas sim as principais vítimas.
Vítimas da violência doméstica física e mental, do abuso e exploração sexuais, do casamento precoce, da violência institucional, do trabalho infantil, da violência nas novas tecnologias de informação e nos tradicionais meios de comunicação, da violência no acesso aos serviços básicos, como saúde e educação, e daquela que extingue por inteiro a possibilidade de qualquer fruição dos direitos: a letalidade violenta e, completamente, evitável.
No ano de 2013, 10.520 crianças e adolescentes foram assassinados: uma média de 29 crianças e adolescentes por dia. Meninos de 10 a 19 anos são as principais vítimas, tendo o Brasil a sétima maior taxa proporcional de homicídios nessa faixa.
Os homicídios no Brasil têm idade, cor, gênero e endereço. No ano de 2015, segundo o Atlas da Violência 2017 (IPEA, FBSP), mais da metade das 59.080 pessoas mortas por homicídios eram jovens, das quais 71% eram negras e 92% do sexo masculino, especialmente de áreas mais vulneráveis sócio e economicamente. Esta cifra exorbitante equivale a 64 jovens negros assassinados a cada dia. Vivemos cotidianamente com uma verdadeira situação de extermínio da população jovem, negra, pobre e periférica; um verdadeiro genocídio.
E o Estado brasileiro, além de responsável por omissão, diante da falta de políticas públicas ou, ainda, da falta de orçamento para o cumprimento daquelas já existentes, também se apresenta como um grande agente de violência em diversos âmbitos, como na crescente letalidade em decorrência da ação policial ou na violência institucional dos serviços e sistemas ditos protetivos, como no Sistema de Justiça, no socioeducativo ou no sócio- acolhimento.
O tema é complexo e não comporta respostas simplistas, especialmente no momento sensível e turbulento que nosso país está passando. Precisamos compartilhar responsabilidades, assumindo cada qual o seu papel, para que juntos possamos enfrentar esse ciclo histórico e cultural de violência contra os cidadãos e sujeitos de direitos mais jovens da nossa sociedade.
Sim, estamos passando por uma longa e sombria noite, mas não nos esqueçamos que nossa Constituição Federal, aprovada após uma intensa mobilização social, já nos deixou um grande e reluzente farol: o Artigo 227. Ele gravou na Magna Carta de nosso país de forma clara e inequívoca a nossa obrigação de colocar todas as crianças e adolescentes em primeiro lugar em nossos serviços públicos, nas nossas políticas públicas, nos nossos orçamentos e em todas as esferas da nossa vida como família, sociedade, comunidade e Estado. Nós só queremos que a lei seja cumprida!
Como verdadeiro projeto de país e sociedade, o 227 não deixa dúvidas ao apontar que o caminho é pelas e para as crianças e adolescentes. E nós sabemos que comunidades melhores para elas, são cidades, espaços, políticas e serviços melhores para todos nós. Investindo na infância e adolescência, colocando-as a salvo de toda forma de violência, preservando a integridade física, psíquica e moral, além de dever legal, é a estratégia mais inteligente e eficiente para o desenvolvimento, inclusive econômico, do nosso país.
Solicitamos, assim, a dedicação máxima e conjunta entre todas as instâncias do Estado brasileiro; um verdadeiro programa nacional sistemático, integrado e multissetorial. Para tanto, demandamos:
- O compromisso público nacional e internacional do Estado brasileiro na Parceria Global para Erradicar a Violência contra Crianças e Adolescentes, por meio de manifestação formal;
- A colocação como prioridade do Estado brasileiro, em todas as suas instâncias e dimensões, o enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes;
- A implementação nacional e subnacional dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por compreender que sua implementação integral tem a capacidade de beneficiar toda a sociedade e, especialmente, crianças e adolescentes;
- O fomento e a efetivação das leis vigentes que buscam proteger as crianças e adolescentes de todas as formas de violência e o fortalecimento de políticas públicas de apoio a famílias e responsáveis em seu papel protetivo e de cuidados;
- A elaboração de um plano nacional de estratégias sistêmicas, intersetoriais e interministeriais para redução de taxas de letalidade e todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes, com atenção às vulnerabilidades decorrentes de situação socioeconômica, etnia, raça, deficiência, identidade de gênero, orientação afetivo-sexual, além de outros marcadores relevantes para a construção de uma estratégia interseccional do enfrentamento da violência;
- Criação de um banco nacional e unificado de dados sobre a violência contra crianças e adolescentes no Brasil;
- O monitoramento e avaliação constantes dos Planos Nacionais e Políticas de Enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes;
- A destinação prioritária de recursos orçamentários para a prevenção, a promoção e proteção dos direitos da criança e do adolescente, em especial para políticas de enfrentamento à violência contra
Temos a esperança de que, apesar das nossas diferenças – sejam de posicionamento político ou de atuação, podemos somar esforços neste inadiável e urgente desafio, para que as crianças e os adolescentes brasileiros possam finalmente crescer em paz!