Com nova alta, trabalho infantil persiste e reafirma desigualdades

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30/09/2025|

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Com informações de Thais Paiva e Tory Helena

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) – Trabalho de Crianças e Adolescentes 2024 mostram 1,650 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil e indicam nova alta.

Após acumular queda de 21,4% entre 2016 e 2024, o trabalho infantil voltou a crescer no Brasil, com alta de 2,1% com relação ao levantamento anterior. São 1,650 milhão de crianças e adolescentes nessa situação, com 34 mil novos casos registrados em 2024. 

Ao menos 560 mil crianças e adolescentes estão em atividades que integram a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), instituída pelo decreto Nº 6.481/2008. São atividades que colocam em risco a saúde, a segurança, a moral ou a dignidade. 

As informações foram reveladas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) – Trabalho de Crianças e Adolescentes 2024, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 19 de setembro. 

Os números mostram ainda que a maioria das crianças e adolescentes afetados são adolescentes negros, com os meninos sendo os mais prejudicados. Eles correspondem a 66% da população de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil em 2024. 

Trabalho infantil e desigualdades 

Para Katerina Volcov, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), as informações expõem o racismo estrutural e a herança da escravidão no Brasil.  

“Temos que levar em consideração que a população preta brasileira é a que está em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica. Esses dados revelam que o histórico da escravidão no país reverbera até os dias de hoje”, resume a especialista em entrevista ao Educação e Território. 

O que é trabalho infantil

Trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, de acordo com a legislação de cada país. No Brasil, o trabalho é proibido para quem ainda não completou 16 anos, como regra geral. Quando realizado na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos. Se for trabalho noturno, perigoso, insalubre ou atividades da lista TIP (piores formas de trabalho infantil), a proibição se estende aos 18 anos incompletos. Proposta pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), as piores formas incluem escravidão, venda e tráfico de crianças, exploração sexual e realização de atividades ilícitas.

As informações divulgadas pelo IBGE mostram discrepâncias regionais do país. As regiões Nordeste e Sul foram as que mais concentraram aumento de casos, 7,3% e 13,6%, respectivamente. 

“No Sul, os efeitos das mudanças climáticas se fizeram presentes. Muitas crianças e adolescentes não tiveram como frequentar a escola e ficaram em situação de pobreza e vulnerabilidade. Já no Nordeste, as raízes são mais profundas e remetem à desigualdade socioeconômica histórica da região, que leva à evasão escolar e à necessidade de complementar a renda familiar”, interpreta Katerina Volcov

Trabalho infantil e acesso à Educação 

O trabalho infantil afeta ainda o acesso ao Direito à Educação: 88,8% das crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil estavam matriculados na escola, abaixo do total da população nessa faixa etária que frequentava a escola (97,5%).

Coordenadora de programa e políticas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Marcele Frossard analisa que o crescimento da incidência do trabalho infantil, bem como seu recorte racial, mostra como esses sujeitos permanecem à margem das políticas públicas.

“O estudo ‘Infâncias e Adolescências Invisibilizadas’ evidencia que eles são ‘visíveis de fato, mas invisíveis de direito’, uma vez que o Estado reconhece-os nos dados, mas falha em garantir condições adequadas de acesso, permanência e aprendizagem na escola”, explica Marcele, em entrevista ao Educação e Território. 

Lançado em 2021, o estudo reúne oito pesquisas que, atravessadas pelo olhar interseccional de raça e gênero, evidenciam como diferentes grupos de crianças e adolescentes — em situação de rua, trabalho infantil, migrantes, em áreas rurais, assentamentos e territórios urbanos vulneráveis — são diretamente afetados pela não realização do direito à educação e, portanto, ficam sujeitos à reprodução de vulnerabilizações históricas. 

Para Marcele, o racismo estrutural compromete o acesso e a permanência desses indivíduos na escola ao ampliar o risco de evasão.

“Somado à maior exposição ao trabalho infantil, esse contexto faz com que estudantes negros enfrentem barreiras adicionais para permanecer e se desenvolver plenamente no ambiente escolar. Por isso, a importância da Educação em uma perspectiva antirracista”, diz.

Educação Antirracista 

Práticas pedagógicas que valorizam as identidades, culturas e histórias de estudantes negros, indígenas, quilombolas e com deficiência, buscando combater as desigualdades educacionais que afetam essas populações são caminhos para reverter esse cenário de exclusão. 

É o que coloca a publicação “Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental: uma contribuição da sociedade civil”.

🔎Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental

Desenvolvida com o apoio estratégico da Porticus pela Cidade Escola Aprendiz, a Roda Educativa e a Ação Educativa, em parceria com 25 organizações e movimentos sociais, a publicação gratuita reforça a indissociabilidade da Educação Integral e da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER), reconhecendo que ambas caminham lado a lado no compromisso de construir Educação democrática, emancipatória, contextualizada e significativa.

Dirigida para Secretarias de Educação, escolas e educadores, a publicação traz reflexões e práticas para combater as desigualdades educacionais, especialmente as que afetam as populações negras e indígenas. Ao mesmo tempo que aponta esse prognóstico, no entanto, a publicação reconhece as lacunas quando o tema é Educação para as Relações Étnico-Raciais. 

Segundo o material, apenas sete estados têm mais de 30% de suas cidades com políticas de Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) nas redes municipais.

Educação Integral Antirracista e formação docente 

As Diretrizes enfatizam a importância de uma abordagem que considere as diversidades socioculturais dos alunos, promovendo um ambiente escolar inclusivo e representativo. Além disso, destaca a necessidade de formação docente para lidar com questões de racismo e diversidade. 

A ausência do compromisso com a equidade na Educação abre caminho para o aumento da evasão. “O racismo assume diferentes formas no cotidiano e, quando não reconhecido, faz com que os alunos não se sintam acolhidos ou parte da comunidade escolar. Há uma demanda urgente por formação de professores, de modo que o racismo seja nomeado como tal — e não reduzido a situações de bullying, por exemplo —, e que as diversidades da população brasileira sejam efetivamente consideradas tanto no planejamento pedagógico quanto na mediação de conflitos”, diz.

Trabalho infantil: atividades perigosas e degradantes 

O diagnóstico do IBGE sobre o tema também mostra que 560 mil crianças e adolescentes estão em atividades que fazem parte da Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), instituída pelo decreto Nº 6.481/2008. Em linhas gerais, são atividades que colocam em risco a saúde, a segurança, a moral ou a dignidade dessa população. 

Entre elas, atividades insalubres ou perigosas, trabalho em transporte e vias públicas, exploração sexual e atividades ilícitas, trabalho doméstico degradante, atividades que afetam a moral, dignidade ou integridade psicológica e setores específicos de alto risco. 

“Há os casos, por exemplo, de adolescentes que usam aplicativos para entregar comida, um tipo de trabalho degradante, pois, mesmo de bicicleta, eles estão colocando suas vidas em perigo”, explica Katerina. 

Para Marcele, garantir o Direito à Educação (incluindo o acesso e a permanência escolar) segue como a forma mais eficaz de prevenir o trabalho e outras formas de exploração de crianças e adolescentes. 

“A escola garante esse ambiente seguro, alimentação adequada, acompanhamento por profissionais capazes de identificar mudanças nessas crianças e jovens e acionar, se necessário, a rede de assistência social e de saúde. Quando a criança está fora da escola, ela também está fora dessa rede de proteção”, avalia. 

Saiba Mais

🔎Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) – Trabalho de Crianças e Adolescentes 2024 | IBGE 

 

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