24/11/2016|
Por Bruna Ribeiro
“Não existe revelação mais nítida da alma de uma sociedade do que a forma como esta trata as suas crianças.”
A frase de Nelson Mandela é uma resposta avassaladora para a realidade das crianças que vivem nas regiões de conflitos armados. Todos os dias, direitos de milhões de crianças são violados pela guerra e violência. Elas não têm acesso à segurança, à vida familiar, saúde, educação e muitas vezes são expostas ao trabalho infantil.
No Dia Universal da Criança, celebrado em 20 de novembro, o diretor-executivo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Anthony Lake, falou sobre a importância da proteção dos direitos das crianças, constantemente violados nos conflitos armados pelo mundo.
”Uma das preocupações para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes é que elas cresçam de forma saudável e em ambiente familiar. Essas crianças – em locais de conflito – não usufruem de nada disso. Elas crescem escondidas, tentando se refugiar contra a violência”
Elizabete de Almeida Meireles, professora de Direito Internacional da USP
Lake citou Alepo, na Síria, onde as crianças são constantemente privadas de alimentos, água e cuidados médicos. Falou também sobre o Iêmen, onde não há alimentos terapêuticos para tratar desnutrição aguda e a cólera ameaça a vida. A tragédia também não poupa as meninas da Nigéria, ameaçadas por extremistas. A lista é extensa e muitas crianças são vítimas de violência, abuso e exploração.
Em conversa com a Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil, a professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP), Elizabete de Almeida Meireles, falou sobre a violação dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes. “As crianças não são vistas como indivíduos em fase de crescimento, mas como futuros inimigos”, comentou. Confira entrevista completa:
Como os conflitos podem desencadear o trabalho infantil?
O trabalho com certeza acontece nas regiões de conflitos armados, assim como a exploração sexual. Em muitas culturas, a mulher é considerada um ser inferior e a eugenia passa pela gravidez forçada das mulheres pelos inimigos.
Nesta semana, após muita pressão da população, por exemplo, o governo turco retirou um projeto de lei que perdoa homens acusados de estuprarem menores de idade, desde que os agressores se casem com suas vítimas. Uma medida dessas passa a ser um estímulo para o estupro e para o casamento forçado e acaba com os direitos das meninas.
Em áreas de conflito, questões culturais, religiosas e étnicas interferem. As crianças não são vistas como indivíduos em fase de crescimento, mas como futuros inimigos. Acredita-se que matar as crianças é uma forma de acabar com aquele grupo.
Uma das preocupações para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes é que elas cresçam de forma saudável e em ambiente familiar. Essas crianças não usufruem de nada disso. Elas crescem escondidas, tentando se refugiar contra a violência.
Quais medidas a comunidade internacional pode tomar a respeito dessas violações?
O direito de não trabalhar é reconhecido na Declaração Universal dos Direitos da Criança e também por leis internas de diversos países, que proíbem formalmente a exploração econômica das crianças. Até mesmo a Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos, baseada no Alcorão, prevê o direito da criança em não trabalhar. As convenções de Genebra e de direito humanitário também preveem a proteção dos civis, especificamente das crianças.
A grande questão é: Como executar isso e garantir a eficácia desses direitos das crianças, quando estamos em uma situação de anomalia política e militar? Existe um princípio consagrado pela ONU, que é a Responsabilidade de Proteger.
De acordo com tal princípio, em um primeiro plano, o dever de manter o respeito aos direitos humanos é do Estado. Mesmo em caso de guerra civil ou conflito interno, o dever continua sendo do Estado. Em um terceiro momento, se o país não for capaz de garantir esses direitos ou for responsável pela violação sistemática, a comunidade internacional tem responsabilidade de intervir. Ocorre que alguns dos conflitos que temos na atualidade envolvem interesse de outros países e os governos não querem interferir.
Como poderia ocorrer essa intervenção?
É um problema sério, porque esses crimes são considerados crimes de guerra e podem levar à punição, pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), caso os responsáveis sejam presos, como os envolvidos em casos de genocídio, por exemplo.
Temos duas perspectivas, duas visões que se complementam e são essenciais. De acordo com a visão legal, é preciso reconhecer a violência e divulgar que esses direitos existem e devem ser preservados. Um trabalho de conscientização mesmo. Depois disso, há a possibilidade de medidas legais punitivas, em caráter até exemplificativo, como encaminhar os casos ao TPI, mas em um período de guerra, é muito difícil atingir essas pessoas para levá-las a julgamento.
Quando a violência parte do Estado, não é possível aplicar sanções internacionais aos governos?
Em grande parte desses conflitos a intervenção internacional deve ser aprovada pelo Conselho de Segurança (CS) da ONU, onde os membros permanentes têm direito ao veto.
Como existem interesses políticos e econômicos nestes conflitos, muitas vezes a comunidade internacional não consegue aprovar as sanções. No caso da Síria, por exemplo, qualquer medida encaminhada ao CS é vetada pela Rússia.