09/03/2022|
Por Bruna Ribeiro
O Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), apresentou um parecer para contribuir com o debate proposto pelo Estatuto do Aprendiz (Projeto de Lei 6461/19), que tramita na Câmara dos Deputados e discute atualmente a proposta que institui um novo marco legal para o trabalho de jovens entre 14 e 24 anos. A expectativa é que a votação chegue à Plenária entre junho e julho. Depois disso, passa para a sanção do presidente Jair Bolsonaro.
De acordo com Ana Maria Villa Real Ferreira Ramos, procuradora do Trabalho e coordenadora nacional da Coordinfância, o PL 6461/19 traz sérios riscos à aprendizagem profissional. Confira alguns deles mencionados pela procuradora:
Estatuto do Aprendiz: O artigo 19 estabelece novas regras a respeito da cota de aprendiz. No caso de empresas com mais de 7501 empregados, a nova porcentagem é de 3%, conforme o § 1º.
Comentário: O PL reduz consideravelmente o potencial mínimo da cota de aprendiz – antes variava de 5% a 15% do quadro de pessoal. A porcentagem proposta agora pelo Estatuto é de 3%. Além disso, não traz nenhum incentivo fiscal para as empresas no sentido de estimulá-las a cumprir a cota.
Atualmente, o potencial da aprendizagem gira em torno de 900 mil vagas, se consideramos o percentual mínimo de 5%. Desse quantitativo, 511 mil estão ocupadas (dados de novembro de 2021). Indago, portanto, onde está esse suposto um milhão de vagas que o PL vai trazer, se a proposta reduz nominalmente a base de cálculo?
Estatuto do Aprendiz: O artigo 8 diz que ao aprendiz são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários, conforme legislação em vigor.
Comentário: O Estatuto do Aprendiz tem sido celebrado como um novo marco regulatório que traz direitos ao(à) aprendiz, mas atualmente, o/a aprendiz já faz jus a direitos trabalhistas como assinatura de contrato de trabalho, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), férias, vale-transporte e recolhimento previdenciário. O PL não faz nenhuma alteração benéfica nesses direitos.
Estatuto do Aprendiz: O artigo 23 exclui da base de cálculo da cota de aprendizagem os contratos vigentes de aprendizagem profissional, os empregados que executem os serviços prestados sob o regime de trabalho temporário, os empregados sob regime de trabalho intermitente e os empregados afastados por auxilio ou benefício previdenciário.
Comentário: É importante salientar que o número de contratos intermitentes no país cresceu exponencialmente desde a Reforma Trabalhista e não há dados sobre o impacto que esse tipo de contratação terá nas relações de trabalho e, portanto, na própria cota de aprendizagem.
Estatuto do Aprendiz: O artigo 25 sugere contabilizar em dobro os jovens em situação de vulnerabilidade social contratados como aprendizes para efeito de cumprimento da cota de aprendizagem.
Comentário: Hoje, 34% dos aprendizes estão no Cadúnico. Se realizarmos um cálculo proporcional à cota hoje cumprida pelas empresas, o número de aprendizes vulneráveis sofreria uma redução de 17% da cota de aprendizagem.
Estatuto do Aprendiz: O artigo 24 diz que a cota de aprendizes de cada estabelecimento será calculada por exercício fiscal, tendo como base de cálculo a média da quantidade de empregados dos últimos doze meses, considerando o período de janeiro a dezembro do ano anterior. Diz ainda que, ao término do seu contrato de aprendizagem, o aprendiz contratado pela empresa continuará sendo contabilizado para efeito de cumprimento da cota de aprendizagem por doze meses.
Comentário: O cômputo fictício dos aprendizes que forem efetivados na empresa é um outro absurdo que o PL traz para beneficiar exclusivamente as empresas e que tem um impacto negativo de cerca de 70 mil vagas a cada dois anos, se considerarmos o prazo máximo do contrato de aprendizagem.
Estatuto do Aprendiz: No artigo 19, §2º, o arredondamento dos números não inteiros após a incidência da porcentagem mínima da cota foi alterado para baixo.
Comentário: Pela normativa atual, as frações de unidade darão lugar à admissão de um aprendiz. Na proposta do Estatuto, somente haverá a contratação de mais um aprendiz se o resultado decimal for acima de 0.5. Reafirma-se que o PL só reduz o alcance da norma e ainda faz com que empresas com maior poder econômico cumpram percentual menor de cota, trazendo desequilíbrio entre as próprias empresas.
Estatuto do Aprendiz: O artigo 18 diz que poderá o estabelecimento cumpridor de cota dar prioridade na contratação de jovens de dezoito a vinte e quatro anos incompletos quando se tratar de atividades específicas, descritas no mesmo artigo. Além disso, o artigo 31 aponta que a formação técnico-profissional do aprendiz obedecerá à garantia de acesso e frequência obrigatória no ensino básico e oportunidade aos que já concluíram o ensino básico.
Comentário: O PL traz dois grandes retrocessos, para além da redução do alcance da cota: a retirada dos adolescentes como público prioritário da cota, a partir da inclusão de jovens também como público prioritário e trazendo como “princípio” o acesso de oportunidade daqueles que já concluíram o ensino básico. O ensino básico compreende também o Ensino Médio. Isso significa dizer que a tentativa de se priorizar jovens com mais de 18 anos na aprendizagem pode se tornar uma realidade, caso o PL seja aprovado. O que muitos e muitas não sabem é que a aprendizagem foi concebida como política de inclusão de adolescentes de baixa renda no mercado de trabalho, com o escopo de prevenir e erradicar o trabalho infantil, elevar a sua escolarização e qualifica-los para o mercado de trabalho. Vejam que 78% do trabalho infantil, no país, está concentrado justamente na faixa etária de 14 a 17 anos (dados da PNADc do IBGE de 2019). Estamos falando numericamente de 1,3 milhão de adolescentes, que estão em situação de violação de direitos e deveriam estar inseridos no programa “jovem aprendiz”, como é conhecida a aprendizagem. O PL não se preocupa com esse aspecto, e, se aprovado, prestigiará jovens acima de 18 anos ou adolescentes prestes a completar 18 anos.
Estatuto do Aprendiz: O artigo 61, §1º, diz que o contrato de aprendizagem pode se extinguir, quando o desempenho for insuficiente ou pela inadaptação do aprendiz, salvo para pessoa com deficiência contratada como aprendiz quando desprovido de recursos de acessibilidade, de tecnologias assistidas e de apoio necessário ao desempenho de suas atividades.
Comentário: Outro ponto preocupante é a possibilidade que traz o PL de que o contrato de aprendizagem seja rescindido antes do término da profissionalização, em franco prejuízo ao aprendiz. Traz ainda algo inusitado – um prazo de experiência dentro do contrato de aprendizagem, o que não traz nenhum benefício ao(à) aprendiz.
Para a coordenadora da Coordinfância, diversos pontos do PL coincidem com propostas de alteração da aprendizagem do Governo, que vêm sendo engendradas há alguns anos.
“Citam-se o cômputo em dobro de vulneráveis; a alteração do critério da idade como definidor do público-alvo; a contabilização de aprendizes efetivados como cumprimento da cota pelo prazo de 12 meses, com o potencial de transformar a aprendizagem em um mero contrato de experiência, entre outros. É preciso discutir profundamente as propostas, inclusive o que está em suas entrelinhas”, diz a procuradora.
Ainda segundo Ana Maria, o deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), relator do PL, tem se mostrado aberto para as propostas do MPT. Confira o parecer completo neste link.
Sobre a proposta
A proposta é de autoria do deputado André de Paula (PSD-PE) e mais 25 parlamentares. De acordo com informações divulgadas no site da Câmara dos Deputados, para os autores, a legislação sobre o assunto está desatualizada e já não oferece os incentivos adequados para a contratação de jovens – a parcela da população mais atingida pelo desemprego.