10/05/2017|
Por Bruna Ribeiro
As organizações do terceiro setor são constantemente associadas a projetos de busca ativa, no atendimento direto de pessoas, como crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
O que pouca gente conhece é a prática do advocacy, termo em inglês que significa “advocacia”, “defesa”. O conceito designa a atuação de uma instituição no sistema político, por meio dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, na influência de decisões relacionadas a uma causa, evitando retrocessos sociais.
Na área de infância e adolescência, a Fundação Abrinq é referência em advocacy. Conversamos sobre o assunto com Heloísa Oliveira, administradora executiva da organização.
Após atuar por 26 anos no Banco do Brasil, quatro deles na presidência da Fundação Banco do Brasil, Heloísa chegou à Abrinq em 2010 com o desafio de organizar o acompanhamento das propostas do Congresso Nacional.
O resultado foi um banco de dados inédito, de mais de 3 mil projetos envolvendo a infância, encontrado no Observatório da Criança e do Adolescente. Confira trechos da conversa:
Como começou a atuação da Fundação Abrinq em advocacy?
Quando entrei na Fundação Abrinq, em julho de 2010, começamos a fazer uma planilha, com todos os projetos de lei que acompanhávamos no Congresso Nacional.
O processo gerou o banco de dados que temos hoje, com o levantamento de mais de 3 mil projetos envolvendo infância, disponíveis no Observatório da Criança e do Adolescente, na seção Agenda Legislativa.
Nós selecionamos alguns temas e publicamos posicionamentos a respeito das propostas. Além disso, buscamos influir sobre elas. No advocacy, precisamos saber em qual estágio de aprovação as propostas estão e até mesmo antever o que pode acontecer.
Como ocorre essa atuação?
Temos duas principais ações. No aspecto jurídico, a nossa percepção é trabalhar pelos direitos de crianças e adolescentes para que não haja retrocessos sociais e para que avanços aconteçam dentro do marco legal, com a regulamentação de leis importantes.
Por outro lado, existe o advocacy no poder Executivo. Após a aprovação da lei, é preciso implementá-la. Atuamos para que as melhores leis aconteçam e depois para que se tornem políticas públicas.
Como a Fundação atua junto ao Poder Executivo?
No último dia 25, por exemplo, fomos selecionados para participar da Comissão Nacional dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Vamos acompanhar e monitorar a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, firmados durante a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em 2015.
São 17 objetivos e 169 metas governamentais, que visam o progresso e desenvolvimento de forma justa e equilibrada, a serem trabalhados de forma global, até 2030.
A infância é citada diretamente em dez objetivos. Os demais, exceto recursos marítimos, abordam a temática indiretamente. Foi a missão diplomática brasileira, inclusive, que levou o tema do trabalho infantil à cúpula, por se tratar de um assunto já superado em alguns países.
Para a criação da comissão, nós insistimos que houvesse a representação da sociedade civil e não apenas de ministérios. Somos parte de um grupo de oito organizações. Não é possível falar de metas para o futuro sem falar de infância.
Quais são os desafios para a implementação de políticas públicas?
O Brasil tem uma complexidade territorial. O país é muito grande. Podemos tratar e definir como será um programa, mas as famílias estão nos 5570 municípios. É lá onde ocorre a implementação. Esse é um desafio.
Costumo dizer que há um esforço muito grande em produzir novas leis para preencher um vazio de políticas. O problema é a falta de implementação e não a falta de lei.
Quais profissionais atuam em advocacy?
É uma equipe multidisciplinar. São advogados, assistentes sociais, especialistas em estatística, sociólogos, assessores parlamentares, entre outros.
Nossa equipe é bastante mista. Todo posicionamento que fazemos passa primeiro por uma análise jurídica, considerando qual lei a proposta pode ferir ou agregar. Após a primeira análise, os outros profissionais do grupo realizam uma pesquisa do ponto de vista social.
Como isso acontece em relação ao Trabalho Infantil?
Para acompanhar o Trabalho infantil, por exemplo, nós mapeamos a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), na intenção de saber o que cada um dos membros pensava sobre a PEC 18/2011 – um conjunto de leis a respeito da diminuição da idade mínima para o trabalho.
Nesse assunto, nossos parceiros são Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). Esses são os atores que também estão no Congresso, atuando nessa pauta.
Como a comunicação pode contribuir para atuação do advocacy no combate ao trabalho infantil?
Um grande desafio é o aspecto cultural. Precisamos acabar com os mitos que dizem que é melhor trabalhar do que ficar na rua. Lugar de criança é na escola, nos espaços culturais. Acho que a Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil tem isso de bom. É importante investir no processo de informação desses jovens. Mesmo que os pais tenham trabalhado desde cedo, é importante que o filho não repita isso, para ter uma vida melhor.