06/04/2017|
Por Bruna Ribeiro
APARECIDA (SP) – Nesta quarta (5), no Simpósio Nacional de Fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, em um curso sobre o Ciclo de Atendimento do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e a interface com o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA), o advogado Ariel de Castro Alves falou sobre as dificuldades da busca intersetorial para a resolução das violações de direitos envolvendo crianças e adolescentes no Brasil.
Para Alves, muitas vezes almejar a justiça é mais importante do que a legalidade do caso. Ele atribui esta condição à multidisciplinariedade na infância e na juventude. “Nem sempre aplicar a lei é fazer justiça, pois a rede de proteção trata de questões complexas.”
Para exemplificar a ideia, o advogado citou o Caso Menino Bernardo, morto aos 11 anos, no Rio Grande do Sul, em 2014. A madrasta, o pai e outros dois réus seguem presos. “A lei foi cumprida, mas a justiça não foi feita. Antes de ser morto, o menino estava morando na casa de um vizinho, mas por decisão de um juiz, que cumpriu a lei, ele voltou para a casa do pai”, afirmou.
Com isso, o especialista destacou a importância de um trabalho intersetorial entre diversos atores do SGDCA. De acordo com o advogado, a partir da Constituição Federal de 1988, a lei passou a dar direitos sociais, a exemplo da Lei Orgânica da Assistência Social e de legislações específicas na saúde, educação e justiça.
“São vários os sistemas criados a partir da Constituição, considerando direitos humanos e sociais, mas o SGDCA precisa entrar na operacionalização das políticas públicas, aplicando a teoria na prática e assumindo uma responsabilidade entre vários entes estatais.”
Segundo Alves, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê uma série de programas especializados que todo município precisa ter, como o atendimento às famílias, enfrentamento de abuso e exploração sexual, erradicação do trabalho infantil, atendimento psiquiátrico, entre outros. “Essa seria uma rede de proteção consolidada, mas sabemos que não é isso que temos. É por isso que CREAS, CRAS e o Conselho Tutelar recebem muita expectativa e ficam sobrecarregados.”
Durante o evento, é comum ouvir críticas dos assistentes sociais e conselheiros tutelares a respeito da falta de uma estrutura que possibilite o trabalho intersetorial, pela ausência de um órgão gestor, que articule esta intersetorialidade, dando encaminhamento às demandas e determinando competências.
A partir de tantas dificuldades, o advogado questiona: O que esperar da “prioridade absoluta”, prevista no artigo 227 da Constituição, se nem o judiciário trata a questão como uma prioridade absoluta?
O que diz a Convenção dos Direitos da Criança
Dividindo a mesa com Ariel de Castro Alves, estava Guilherme Perisse, advogado do projeto Prioridade Absoluta, do Instituto Alana. Desde 2013, o programa tem a missão de informar, sensibilizar e mobilizar as pessoas, para que sejam defensoras e promotoras dos direitos das crianças nas suas comunidades.
“Quando estipulamos a prioridade absoluta em nossa Constituição, nos inspiramos no artigo 3, da Convenção sobre os Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas (ONU). É um pacto de praticamente todas as nações, com apenas algumas exceções.”
Para Perisse, a sociedade e o Estado devem apoiar a família. “Família, sociedade e estado cumprem funções diferentes. O estado consegue fazer o papel da família? Não. Mas consegue possibilitar que a família tenha condições? Sim. O nosso pacto social é ser solidário a quem precisa de apoio na criação de suas crianças”, refletiu o advogado.
Segundo o palestrante, uma pesquisa de 2013 da Datafolha apontou que 81% da população brasileira se declarou mais ou menos, pouco ou nada informada sobre os direitos das crianças, previstos na Constituição e no ECA.
No entanto, de acordo com a mesma pesquisa, 94% das pessoas se posicionaram a favor do cumprimento da regra de prioridade absoluta à criança pelo governo federal, estadual e municipal. “A ideia é mobilizar ainda mais pessoas, porque se perguntarmos se elas concordam com os direitos das crianças, elas vão dizer que sim, mas a aplicação da lei pode ser complicada”, disse Perisse.
Visando incentivar a intersetorialidade, o advogado também sugeriu exibições de filmes, com debate. A plataforma VideoCamp, também do Instituto Alana, disponibiliza películas sobre a infância, como o filme “O Começo da Vida”, que aborda a importância dos primeiros anos de vida de uma criança.
Para colaborar nesta missão, o Prioridade Absoluta disponibiliza conteúdos para a formação dos atores, como um guia de como criar conselhos tutelares, ainda ausentes em algumas cidades do país.
“A rede funciona como qualquer relação humana. É preciso conversar, trocar, se inspirar e lembrar que estamos trabalhando todos pelos direitos humanos e pela proteção das crianças. A política deve ser feita em rede. A criança e o adolescente são de responsabilidade de todos”, declarou Guilherme Perisse.
A importância do trabalho em rede também foi destaque na fala de Daniel Péres, parceiro da Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil. Confira: