07/04/2017|
Por Bruna Ribeiro
APARECIDA – Uma das maiores dificuldades que os atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente enfrentam para o combate ao trabalho infantil é a falta de esclarecimento a respeito das funções de cada órgão da rede.
Por isso, nesta quinta (6), Tiago Ranieri de Oliveira, Procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Goiás (GO) e vice-coordenador da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), falou sobre o papel de cada um dos órgãos envolvidos, em palestra no Simpósio Nacional de Fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.
Após apresentar um vídeo de divulgação do projeto Resgate à Infância, do MPT, o palestrante explicou que a iniciativa visa erradicar o trabalho infantil, investindo em três eixos: políticas públicas, educação e aprendizagem. “A ideia é representar cada ator da rede de proteção no vídeo, para que consigamos realizar este dever de forma intersetorial”, disse o procurador.
No eixo educação, a iniciativa fala sobre a importância dos professores. Segundo o procurador, as crianças reproduzem em casa muitas das informações recebidas em sala de aula. “Além de conscientizar, o educador também pode identificar o trabalho infantil. Incentivamos a produção artística a respeito do tema e realizamos premiações regionais e uma nacional, uma vez ao ano, por meio do programa MPT na Escola.”
A respeito das políticas públicas, Oliveira destacou a importância dos municípios proporcionarem uma articulação direta entre os órgãos responsáveis. “É preciso que cada prefeitura crie projetos, leis e um orçamento de acordo com sua necessidade.”
Para auxiliar nessa missão de desenvolver políticas públicas adequadas, o MPT atuará nos 1032 municípios com maior incidência de trabalho infantil no país, beneficiados pelo Cofinanciamento para Reordenamento do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
O terceiro eixo trata da aprendizagem. O programa orienta que as empresas cumpram a cota de contratação de 5% a 15% de aprendizes, de acordo com o número de funcionários. “Precisamos cobrar do gestor público programas de aprendizagem no município, proporcionando aos adolescentes a partir de 14 anos um contrato de trabalho especial, que garanta acesso à escola, curso de qualificação e o primeiro emprego.”
Ainda falando sobre as formas de combate ao trabalho infantil, Oliveira esclareceu a diferença entre Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego. Em 15 de março, o procurador explicou em detalhes a diferença entre os órgãos, nesta reportagem publicada no Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil.
A respeito dos Conselhos Tutelares, Oliveira reconheceu a extrema importância do órgão. “Não queremos que o Conselho Tutelar fiscalize o trabalho infantil, mas o identifique. Sabendo onde ocorre, pode dialogar com as crianças e adolescentes para confirmar dados e nos encaminhar um relatório mínimo para que possamos investigar”, sugere o procurador.
Ainda segundo ele, a denúncia pode ser realizada pelo site do MPT ou por meio do aplicativo Pardal, disponível em Versão Android e Versão iOS. “Também é possível encaminhar os casos ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), visando que a criança seja encaminhada a alguma política pública”.
Sobre CREAS e CRAS, Oliveira explicou que estes atores ocupam uma função socioassistencial no sistema, cuidando da atenção básica. “Por isso muitas vezes o CRAS está nas periferias dos municípios, pois o cadastro único funciona nestes lugares, onde se registram todos os tipos de vulnerabilidade.”
A partir do cadastro, quando o cidadão busca ajuda, ele é encaminhado aos serviços de proteção. Se a vulnerabilidade é econômica, por exemplo, ele recebe o Bolsa Família. “As crianças exploradas no trabalho infantil também devem receber alternativas, como o encaminhamento à aprendizagem, para os maiores de 14 anos, evitando que elas voltem a trabalhar de forma irregular”, explica Oliveira.
Por fim, articulando todos os atores, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) cria resoluções e fiscaliza as políticas públicas na área da infância e adolescência. “Grande parte dos CMDCA estão criados apenas no papel, mas é preciso haver o diálogo com o Conselho Tutelar e todos os outros atores. As regras do órgão são como leis e o gestor público não pode se recusar a cumpri-las. É ele também quem faz o controle do fundo municipal da infância.”
Para finalizar sua fala, o procurador refletiu sobre as causas e consequências do trabalho infantil, além de seus mitos:
Há no senso comum um favorecimento ao trabalho infantil, por conta da desigualdade histórica, desde o descobrimento. Alguns dizem que é melhor trabalhar do que roubar, por exemplo, mas o trabalho infantil, em geral, é apenas para os pobres e negros. A alternativa para os pobres é o trabalho, mas e o acesso à educação e à cultura?
A sociedade higienista diz que é melhor que eles estejam trabalhando, mas dessa maneira o filho do pedreiro também será um pedreiro e o filho do advogado, um advogado. Se o filho da merendeira se torna médico, há um estranhamento e nos perguntamos o que ele fez de diferente. Percebem que existe uma reprodução de ciclos em nosso país? A partir do momento em que soubermos a quem cobrar, as coisas vão mudar e quebraremos essa lógica. Nada acontece se não for por meio da rede.”