publicado dia 02/03/2018
02/03/2018|
Por Felipe Tau
Nas palavras de João Batista Martins César, ex-procurador do Trabalho e atual desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), a Justiça do Trabalho atua como um “amortecedor social dos conflitos entre capital (empregadores) e trabalho (empregados)”.
Na visão do desembargador, essa preocupação com as questões sociais. “Outros ramos do Judiciário brasileiro servem para proteger, principalmente, o capital. O Direito Civil trata das relações patrimoniais, e o Direito Penal prende quem furta, rouba, ou seja, quem viola a propriedade. Então, basicamente, elas servem aos detentores dos meios de produção. A Justiça do Trabalho é a única que, ao contrário, se preocupa com uma fração da população que não tem quase nada, que vai à justiça em busca de coisas básicas, como questões de natureza alimentar”, aponta Martins.
De acordo com a sistematização da Justiça do Trabalho no Brasil, as Varas do Trabalho são os órgãos de primeiro grau – a instância onde geralmente se iniciam os processos trabalhistas. Nestes locais, cabe ao juiz do trabalho de primeiro grau – que alcança o cargo por meio de concurso público – julgar as demandas trabalhistas. Em lugares onde não há Vara do Trabalho, o julgamento fica a cargo do magistrado estadual de primeiro grau.
Das decisões proferidas pelos juízes do trabalho de primeiro grau, cabe recurso aos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) – em outras palavras, caso uma das partes não esteja satisfeita com o resultado do julgamento da primeira instância, pode recorrer ao TRT. Na sequência, vem a instância máxima da Justiça do Trabalho no Brasil é o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
De procurador do Trabalho a desembargador
Conforme o artigo 115, inciso I, da Constituição Federal de 1988, um quinto dos desembargadores dos TRTs (segunda instância da Justiça do Trabalho) serão provenientes das carreiras da advocacia e do Ministério Público do Trabalho (MPT) – trata-se do chamado “quinto constitucional”.
João Batista Martins César fez carreira no MPT como procurador do trabalho, destacando-se pelo combate sistemático ao trabalho infantil, ao trabalho escravo e às relações de trabalho fraudulentas.
Em 2013, por meio do quinto constitucional, ele tomou posse como desembargador do TRT da 15ª Região, com sede em Campinas (SP), que tem 599 municípios sobre sua jurisdição. Martins admite que, no início, sentiu um pouco os efeitos da mudança de função.
“Foi difícil, mas eu já sabia que a função do magistrado é um pouco mais burocrática, enquanto o procurador do Ministério Público tem uma função mais de articulador social, de construir o cumprimento da legislação de uma forma dialogada”, diz João Batista. Em busca dessa atuação mais ativa, o magistrado assumiu também a presidência do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil do TRT-15.
Procurei trazer para a magistratura um perfil mais próximo ao da sociedade. Levei propostas para que o Tribunal realizasse audiências públicas para estimular a contratação de aprendizes, principalmente para adolescentes em vulnerabilidade social”, exemplifica Martins. “Agora, como presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil do TRT-15, consigo ter o perfil de um desembargador mais proativo, que busca soluções para que a lei seja obedecida pelas partes de uma forma menos traumática”, afirma.
O desembargado cita o exemplo das audiências públicas, nas quais é mostrada a importância de empresários abrirem vagas para aprendizes, trazendo segurança para elas próprias, obrigadas por lei a cumprir uma cota, e protegendo os adolescentes. “Até o dia em que conseguiremos uma escola pública de qualidade, a aprendizagem pode ser a alternativa para preservar o adolescente. A sociedade toda ganha”, acredita o defende o desembargador.
Juizados da Infância
O magistrado destaca ainda o fato de o TRT-15 ser o primeiro no país a ter criado dez Juizados Especiais da Infância e Adolescência (JEIAs) nas sedes de suas circunscrições – Araçatuba, Bauru, Campinas, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São José dos Campos e Sorocaba –, além dos municípios de Fernandópolis e Franca.
Tais juizados têm competência para conhecer todas os processos que envolvam trabalhador com idade inferior a 18 anos, incluindo os pedidos de autorização para trabalho de crianças e adolescentes, as ações civis públicas e coletivas e as autorizações para fiscalização de trabalho infantil doméstico provenientes dos municípios que compõem a circunscrição.
Desafios para a Justiça Trabalhista
O desembargador João Batista Martins César vê com preocupação a situação das relações trabalhistas no Brasil atualmente, devido a diversas medidas tomadas recentemente pelos governantes, como a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017).
“Entendo que a reforma deveria ter sido discutida com a sociedade de forma mais democrática. O novo Código de Processo Civil, por exemplo, ficou anos em tramitação (entrou em vigor em 2016). Então por que a Reforma Trabalhista foi feita dessa forma açodada? “, questiona Martins.
Na visão do magistrado, a reforma aprovada pelo Congresso tem muitos problemas técnicos, que podem levar a diversas fraudes.
Acredito que haverá um número muito grande de reclamações trabalhistas, e há muitos pontos sobre os quais juízes vão ter que se manifestar nos autos por serem inconstitucionais. Estão criticando juízes trabalhistas por quererem exercer esses controles de constitucionalidade e de convencionalidade (julgar as lei de acordo com as convenções internacionais), mas isso é uma garantia para a própria sociedade”, observa.
João Batista também lamenta outros retrocessos, como a portaria publicada pelo presidente Michel Temer alterando as definições de condições análogas ao trabalho escravo (posteriormente suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF)) e colocando obstáculos para a divulgação da “lista suja”.
Com essas medidas, o governo parece querer beneficiar a minoria dos fazendeiros que descumprem a legislação e usam o trabalho análogo à escravidão em detrimento da esmagadora maioria que cumpre a lei. Assim, você vai estimular uma concorrência predatória, desleal, e o Brasil corre sério risco de ser condenado por organismos internacionais.”
Diante desse cenário, João Batista acredita que a atuação da Justiça Trabalhista é essencial. “Se acabarem com a Justiça do Trabalho, como querem alguns, logo ela vai ser recriada, pois conflitos entre capital e trabalho vão continuar existindo. E em um Estado de direitos sociais, mais do que nunca, você precisa preservar a justiça que faz o amortecimento social”.