publicado dia 31/08/2017
31/08/2017|
Por Ana Luísa Vieira
“O psicólogo atua com a escuta. O profissional deve orientar, entender os medos e angústias daquele determinado indivíduo. A partir disso, precisamos analisar pontos para trabalhar na melhoria do caso. Temos diversas áreas dentro da nossa profissão, desde a parte clínica até a parte educacional.”
A fala é da psicóloga Fernanda Candido, moradora do estado do Ceará. Nesta edição da seção “Quem atua”, ela nos explica o papel fundamental do psicólogo no combate ao trabalho infantil.
Violações de direito e a gravidade do trabalho precoce
Fernanda começou sua carreira em 2003. Sempre esteve conectada com as questões da infância e juventude: atualmente, ela atende no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), em Juazeiro do Norte (CE). A psicóloga também já trabalhou no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da região.
No Creas, Fernanda lidou com violações de direitos que envolviam crianças e adolescentes. “Já atendi casos de crianças que foram abusadas sexualmente dentro da própria casa. Isso é realmente muito triste e exige um grande cuidado da nossa parte”, ressalta.
Detalhes do atendimento
Formada em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba, Fernanda relata que o atendimento a uma criança abusada sexualmente ou vítima de trabalho infantil precisa ser cauteloso.
Para isso, é necessário utilizar ferramentas lúdicas para compreender os sinais que retratam a realidade daquela criança.
“Um recurso básico que utilizamos é o desenho. Pedimos para a criança desenhar uma determinada figura e, por meio das cores e traços, conseguimos identificar pontos do problema. Quando há casos de abuso sexual, por exemplo, desenhamos o corpo humano para identificar fragmentos que nos indiquem o que houve com a vítima.”
Causas e consequências do trabalho precoce
Para entender os impactos do trabalho na vida de uma criança ou de um adolescente, é fundamental pensar no cenário onde estão inseridos enquanto trabalham, explica a psicóloga. O ambiente profissional possui características para adultos, riscos, responsabilidades e cargas diferentes, expressamente proibidos para crianças e jovens em fase de desenvolvimento.
“A criança precisa estar com outras crianças. Meninos e meninas devem conviver com pessoas da mesma idade e vivenciar a alegria da infância. O mesmo vale para os jovens, que precisam estar na sala de aula, em contato com seus amigos, a fim de desenvolver o sentido crítico para a vida adulta”, afirma Fernanda.
“Existe ainda o lado mais grave da situação: a criança pode se envolver em acidentes de trabalho, se machucar ou até mesmo vir a sofrer algo gravíssimo. O trabalho precoce pode acarretar em danos mentais e na insegurança ao chegar à fase adulta, entre outras consequências do trabalho infantil.”
Escuta protegida
Ao identificar uma situação de trabalho precoce, o psicólogo fará um relatório minucioso, registrando tudo o que foi identificado. “Na época em que atuei principalmente com esses casos, minha demanda era encaminhar os relatórios ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o PETI.”
A profissional destaca a importância do Projeto de Lei de Escuta Protegida (3792/15), da deputada Maria do Rosário (PT-RS) e de outros parlamentares, para criar um sistema de garantia de direitos para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
De acordo com Fernanda, as ações intersetoriais são imprescindíveis para a retirada de crianças em situação trabalho. “Cabe a todos nós colaborar por meio de denúncias”, esclarece a profissional, referindo-se aos canais de direitos humanos apropriados, como o Disque 100 e outros aplicativos, como o MPT Pardal.
“Conselheiros tutelares, assistentes sociais, agentes de saúde e todos os que atuam com o Sistema de Garantia de Direitos devem conversar, procurar entender a situação como um todo. A sociedade também precisa assumir seu papel. As denúncias de trabalho precoce ainda são pequenas. Tudo está muito naturalizado e esses mitos sobre o trabalho infantil tem de ser desconstruídos. Trabalhar fora da idade não é certo.”
Encaminhamentos ao jovem aprendiz
Fernanda comenta o quão importante é a conscientização sobre a Lei da Aprendizagem. De acordo com a legislação, o jovem, a partir de 14 anos, pode exercer uma atividade desde que todos os seus direitos (como ir à escola, brincar e se divertir) sejam preservados.
“Certa vez, conheci uma jovem que estava sendo explorada, pois trabalhava muito e fora da lei da aprendizagem. Ela ganhava trocados e achava que estava tudo bem. É preciso ressaltar, para quem tem mais de 14 anos e para toda a comunidade, que existe uma maneira de aprender um ofício de forma legal e com aprendizado, o chamado trabalho adolescente protegido”, assegura a profissional.
Sujeitos em construção
A escolha da profissão não veio por acaso. Fernanda Candido conta que ser psicóloga tem muito a ver com a crença no ser humano. Ela acredita que o papel é fundamental para transformar a vida das pessoas.
“A psicologia trabalha com o sujeito em construção. Eu acho que o ser humano tem o poder de se recriar”, acredita a profissional, que atende em Juazeiro do Norte (CE). “Todo dia, um psicólogo pode atuar de forma diferente e ser melhor, ajudando ao próximo.”