publicado dia 11/10/2018
11/10/2018|
Por Bruna Ribeiro
Pelos municípios do estado de São Paulo, 405.640 crianças trabalham. Pelas ruas, muitas delas vendem balas, flores e panos de prato. As pessoas passam com pressa, dão uma moeda, mas há profissionais que se dedicam a se aproximar dessas crianças, na missão de estabelecer vínculo com elas e – quem sabe – ajudá-las a deixar o trabalho infantil. São os orientadores socioeducativos.
Fabiana Cristina Cordeiro, de 38 anos, é uma dessas personagens, que caminham pela cidade com um jaleco do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil). Ela atua na região do Jardim Ângela e Campo Limpo, distrito da zona sul de São Paulo. Há oito anos, trabalha na SAEC (Sociedade Amiga Esportiva do Jardim Copacabana), organização terceirizada da Prefeitura de São Paulo para atender a população em situação de rua.
A orientadora já trabalhou como auxiliar administrativa, com abordagem, monitoramento e encaminhamento aos serviços de assistência social. “Eu trabalhava como caixa de ônibus, quando descobri essa área e me apaixonei. Hoje estudo pedagogia. No início, era preciso ter Ensino Superior para ser orientador, mas atualmente a formação exigida é o Ensino Médio”, explicou.
O que faz um orientador?
Segundo Fabiana, para ser um orientador, é preciso ter consciência que as crianças que trabalham e as pessoas em situação de rua são vulneráveis. “Há sempre as condições que estão por trás, como dificuldade econômica e conflito familiar. Ao meu ver, não adianta ter faculdade, se você não tem um olhar humanizado”, disse.
No caso específico da abordagem de crianças em situação de trabalho infantil, são grandes os desafios. “Não podemos obrigar a criança a sair daquela situação e nem tirá-la daquele lugar. Por isso precisamos conversar e estabelecer um vínculo. As vezes ela começa a conversar apenas na quarta visita, por exemplo. Esse processo pode demorar meses”, explicou.
Quando a criança fornece o endereço da residência da família, a orientadora vai até o local conversar com os pais ou responsáveis e verificar se já são beneficiados pelo Bolsa Família. “Nas visitas, buscamos entender qual é a situação da família e inclui-la nos programas do governo, por meio do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico)“. contou.
“Também verificamos se as crianças frequentam a escola e se estão inseridas no CCA (Centro para Crianças e Adolescentes) ou CJ (Centro para Juventude), onde são realizadas atividades no contraturno escolar. Mas é difícil competir com o trabalho infantil, por causa do retorno financeiro. Além disso, nem sempre as crianças permanecem nos mesmos locais da cidade, o que dificulta o vínculo.”
Desaparecimento de crianças
De acordo com Fabiana, crianças da região já desapareceram, enquanto estavam trabalhando nas ruas. “Muitas delas migram para outras regiões da cidade, onde o comércio é mais intenso, como Pinheiros e Vila Madalena”, contou Fabiana.
Nesse caso, orientadores das áreas onde as crianças estão trabalhando entram em contato com os profissionais da região de moradia. A partir disso, a equipe busca as famílias nos territórios.
“Uma vez, duas adolescentes, de 11 e 14 anos, desapareceram no fim de semana. Elas estavam na 9 de julho e foram levadas para a zona norte de São Paulo, mas conseguiram retornar para casa”, contou a orientadora.
Já a história de um menino de 10 anos não teve o mesmo final. Ele desapareceu enquanto trabalhava nas ruas e nunca mais foi encontrado. “É triste, mas o trabalho infantil é cultural. As famílias dizem que várias gerações começaram a trabalhar muito cedo. Além disso, é muito difícil também competir com o tráfico de drogas, pois a remuneração é alta. São questões sociais muito profundas”
Diálogo com famílias
Além da abordagem nas ruas, a equipe de Fabiana organiza encontros com 50 famílias da região para orientação. Todo o trabalho, desde a abordagem até os encontros e diagnósticos, tem supervisão técnica do psicólogo Caio Yudi, do Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS)
“Fazemos reuniões direcionadas às mães e outros encontros direcionados às crianças. Depois, no final do ano, reunimos todos e realizamos dinâmicas muito interessantes, como a do espelho”, exemplificou Fabiana.
Na atividade, os orientadores pedem para que todos se olhem no espelho e se enxerguem como são, assumindo suas dificuldades e seus potenciais. “Percebíamos que muitas mães tinham dificuldade de se enxergar, pois cuidavam dos filhos, da casa e ainda traziam o arroz e feijão. Mas com esses trabalhos percebemos uma melhora. Quando as mães estão bem, elas cuidam melhor dos filhos.”
Como resultado, muitas delas já começaram a trilhar novos caminhos, fazendo e vendendo artesanato ou trabalhando sozinhas com o comércio nas ruas, enquanto os filhos estudam. “Não podemos mudar toda a realidade, mas mudamos a forma como as pessoas a veem.”