Violência e juventude:
diálogos possíveis

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19/01/2017|

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A cartilha Polícia e Juventude, publicada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Sou da Paz, aponta que 28% dos jovens entrevistados disseram já ter presenciado violência policial. Na outra ponta, segundo dados do 10º Anuário Brasileiro de Segurança, 358 policiais morreram vítimas de homicídio em 2015, sendo 103 em serviço e 290 fora dele.

Fonte: 10º Anuário Brasileiro de Segurança

Fonte: 10º Anuário Brasileiro de Segurança

Ainda de acordo com o relatório, 54% das mortes violentas registradas no Brasil em 2015 (58.467) foram de pessoas entre 15  e 29 anos, sendo 73% delas pretas e pardas.

Fonte: 10º Anuário Brasileiro de Segurança

Fonte: 10º Anuário Brasileiro de Segurança

Além disso, a taxa de letalidade policial no país foi de 1,6 para cada 100 mil habitantes, o que representa 3.320 mortes.

Fonte: 10º Anuário Brasileiro de Segurança

Fonte: 10º Anuário Brasileiro de Segurança

Diante deste triste cenário, a Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil convidou antropólogos, policiais militares e ativistas para discutir sobre a possibilidade de uma maior proximidade entre polícia e juventude, e quais seriam os pontos de partida para este diálogo.

Pedro Borges, ativista e fundador do portal de notícias Alma Preta:

“Passei toda minha infância na periferia de São Paulo, e temos como hábito o contato com a truculência policial. Já tomei muito enquadro e me lembro de um policial que me falou: ‘quando é preto a gente enquadra mesmo, não tem jeito’.

O que precisamos entender é que tanto as identidades dos jovens quanto dos policias são múltiplas: os jovens não são iguais entre si, ainda que a polícia tome como base que qualquer homem negro ou pardo entre 18 e 25 anos é suspeito, muito embasada em uma visão de uma sociedade racista. O policial também tem sua individualidade, ele se comove ou se identifica com determinada visão. Não é uma questão de diálogo simplesmente, é a questão de um Estado que é violento.  A polícia é só mais um agente do Estado, uma representação de sua violência. Esse Estado é que não dialoga, muito contundente com a precária democracia que vivemos hoje. A polícia representa o Estado e a sociedade, ela não é única a criminalizar a comunidade negra. Ele criminaliza as periferias, criando um ambiente violento a tal ponto que a morte de um jovem negro não é somente naturalizada, como também proposital.

Não há mudança real sem mudança de organização social que consiga pautar em primeiro lugar a vida o sujeito, não interesses econômicos. Os movimentos de resistência e luta da população negra são muito importantes, pois qualquer possibilidade de mudança de estrutura social passa pela construção de uma massa crítica. As pessoas têm que entender qual a finalidade do Estado.

Não sei se tentar humanizar a polícia é o melhor caminho. Temos que saber onde centrar fogo, onde centrar força, e o levante dos movimentos sociais e das organizações de resistência é um bom ponto para começar.”

Coronel Luiz Pesce de Arruda, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo:

“Após episódios de conduta policial violenta, como o Massacre do Carandiru (em 1992), fui um dos principais ativistas por movimentos de formação mais humanizada na polícia militar de São Paulo. No batalhão de Pirituba (zona noroeste de São Paulo), proibi qualquer prática de violência nos treinamentos físicos e simbologias e cantos que evocassem práticas de extermínio. Também iniciei processos de formação que incluíam vivências com comunidades ciganas e indígenas. Temos melhorado muito, mas sabemos que ainda há um abismo entre a instituição e o jovem brasileiro

As principais ocorrências que tivemos e que evoluíram para casos graves partiram da dificuldade de estabelecer um diálogo, contenção e pacificação de conflito. Se o policial não está preparado, ele é que acaba sendo o ator na escalada de violência. Então ele tem que partir do pressuposto da psique do jovem – reconhecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – de que ele é um ser humano em formação.

Hoje, o nosso maior problema é ético, não legal. Temos que convencer o policial de que podendo evitar a morte, ele deve evitar. Isso é algo de foro íntimo, de valorização da vida, mas houve uma grande transformação cultural na instituição, e a polícia está tentando se aproximar do jovem antes que haja um embate, trabalhando sob uma filosofia de polícia comunitária, em programas como o PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas)’’.

Capitão Jair Roberto Bello, da Diretoria de Polícia Comunitária e de Direitos Humanos do Estado de São Paulo:

 “A polícia militar vem em uma evolução, se abrindo e se modernizando com o passar dos anos. Estamos investindo constantemente em programas de melhora, inclusive, temos a matéria Juventude e Cidadania no nosso currículo de formação, que trata da questão comportamental do adolescente e como podemos nos comunicar com ele.

Queremos, mas nem sempre podemos evitar a letalidade. Em um cenário de quase 110 mil prisões por ano, temos uma margem de erro muito pequena, com base em uma filosofia de uso progressivo da força. Somos os primeiros a reconhecer quando cometemos erros, e cada deslize é estudado para nunca mais ser cometido.”

Fabio Gomes da França, mestre e doutor em sociologia pela Universidade Federal da Paraíba e especialista em Sociologia da Violência:

 “Estudei processos de formação humanizada dentro da Polícia Militar da Paraíba e sou autor do artigo Humanização Disciplinada: um estudo sobre relações de poder na formação policial militar. Ter Direitos Humanos como parte da formação policial não é o suficiente, porque as hierarquias e estruturas ainda são muito similares às deixadas pela ditadura militar. Valores morais e éticos não podem ser mensurados em uma avaliação. Logo, o que ocorre nesses processos policiais de formação é que existe uma humanização por disciplinamento, ou melhor, uma ‘humanização disciplinada’, o que na prática, não diminui a violência.  

Óbvio que não podemos ocultar as ações desviantes de alguns jovens de nosso país, mas o problema reside na forma como os PMs se envolvem emocionalmente nas ocorrências esquecendo que a função que exercem deveria ser impessoal e objetiva, pois se trata de um cargo público. No entanto, o senso comum policial se mobiliza juntamente com a mídia e a sociedade. Soma-se a isso a dificuldade de compreensão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como uma conquista jurídico-social de nosso país, pois a dura realidade das ruas não conversa com a teoria das normas jurídicas. Logo, o ‘justiçamento’ por parte dos PMs legitima a violência contra os jovens.”

Melina Risso, conselheira do Instituto Igarapé:

“Sou ex-diretora do Instituto Sou da Paz e trabalho na área de Segurança Pública, apoiando a implementação de políticas públicas para diminuir a violência do Estado. Ainda que tenha havido um avanço e que a formação policial tenha conseguido incorporar o importante tema de direitos humanos em seu currículo, não é suficiente tê-lo enquanto prática pedagógica. Ainda temos dificuldade em incidir sobre o comportamento do policial e fazê-lo colocar na prática o que ele aprende em sua formação. A rua é muito diferente do que se enfrenta na academia enquanto soldados.”

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