publicado dia 27/01/2017
27/01/2017|
Por Bruna Ribeiro
Reportagem atualizada em 10/01/2020
Adolescente chega a trabalhar 13 horas por dia durante as férias escolares
Quando é verão, quase não sobra espaço nas areias das praias do Guarujá, no litoral sul de São Paulo. Caixas de som debaixo dos guarda-sóis amplificam os hits da estação, entre o falatório dos turistas e o reconfortante barulho do mar. Circulando por tanta informação, estão silenciosas crianças e adolescentes, que usam as férias escolares para o trabalho nas barracas de comidas e bebidas.
Juliano*, de 15 anos, é um deles. Em um domingo de janeiro, com o termômetro na marca dos 30 graus, o garoto corre para dar conta de tantos pedidos. “Menino, a batida está fraca. Pede para colocarem mais vodka”, solicita uma turista. Juliano obedece.
Apesar do contato diário com bebida alcoólica, ele jura que nunca pôs sequer uma gota na boca. O peixe e a batata frita que sempre carrega em sua bandeja também passam longe. “Minha mãe me traz marmita todos os dias. É mais saudável”, conta o atendente.
Na hora do almoço, Juliano se protege do calor embaixo da barraca. Por R$ 50 diários, o menino chega à praia às 6h e encerra o expediente por volta das 19h. São, em média, 13 horas de trabalho por dia.
Tudo isso começou quando ele ainda tinha 8 anos. Logo no início, chegou a sofrer uma queimadura no braço, após a explosão do fogão da barraca onde trabalhava. Ele persistiu. Apesar de todos os riscos, tamanha disciplina o fez dele o grande orgulho da família. “Lá onde moro, os garotos da minha idade já assaltam e até matam”.
A ideia de que o trabalho engrandece as crianças de baixa renda é um dos mitos do trabalho infantil. De acordo com a Fundação Abrinq, pesquisas indicam “que a maior parte dos presidiários ou adolescentes cumprindo medidas socioeducativas trabalhou na infância.”
Além disso, ressalta a organização, há diversas crianças e adolescentes trabalhando para o crime organizado, o que os torna mais vulneráveis às drogas, à exploração sexual e ao trabalho escravo.
Na barraca vizinha, o concorrente Jorginho tem uma história de vida semelhante. “Estou com mais de 50 anos e comecei a trabalhar aqui com 7, vendendo cocada”, lembra o comerciante, que já teve os filhos trabalhando ao seu lado quando pequenos. “Agora só tenho de maior, porque a fiscalização está brava”, esclarece.
Legislação
O trabalho infantil é proibido por lei e pode causar graves consequências para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Em fevereiro de 2014, o Ministério do Trabalho realizou uma grande operação no Guarujá.
Com três equipes de auditores fiscais do Trabalho, o objetivo era identificar se a atividade se enquadrava entre as piores formas de trabalho infantil. A classificação é adotada por vários países para definir as tarefas que mais trazem riscos à saúde, ao desenvolvimento e à moral das crianças e dos adolescentes, determinadas pela Lista TIP – Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil.
Segundo o auditor fiscal Eduardo Azevedo, o trabalho na praia se encaixa no item 81 do tópico Trabalhos Prejudiciais à Saúde e à Segurança, que proíbe o trabalho ao ar livre, sem proteção adequada contra exposição à radiação solar, chuva e frio. Além disso, o item 3 do tópico Trabalho Prejudiciais à Moralidade proíbe a venda de bebidas alcoólicas por crianças e adolescentes.
Durante a inspeção, foram identificados mais de dez quiosques e afastados até 20 adolescentes. “Determinamos a imediata saída da criança ou do adolescente do trabalho proibido, notificando o empregador para que efetue o pagamento das verbas rescisórias”, explica o auditor.
Quando possível, o empregador é notificado para que mude o trabalhador de função. Para que isso aconteça, uma das estratégias do Ministério do Trabalho é incentivar empresas a respeitarem a Lei do Aprendiz, por meio da fiscalização do cumprimento da cota de aprendizagem.
Apesar de acompanhar as inspeções e acreditar na importância da fiscalização, Azevedo entende que antes de tudo é necessário prevenir o trabalho infantil. “Devemos evitar que a situação chegue a este ponto, pois são as condições sociais, familiares e econômicas que levam a criança ao trabalho. Muitas vezes os pais, com tantos problemas, não encontram outras saídas. É papel do Estado garantir a proteção dessas pessoas.”
*O nome foi alterado para preservar a identidade do entrevistado.