07/02/2017|
Por Cecilia Garcia
Um total de 192 mil jovens cumpriam medidas socioeducativas por atos infracionais no Brasil em novembro de 2016, o dobro do ano anterior, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Para esses adolescentes, entre 12 e 18 anos, a alternativa prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) visa a educação e a ressocialização, não a punição, tendo como princípio que a adolescência é um período de formação, sujeita às intempéries sociais do ambiente onde o adolescente está inserido. O artigo 112 prevê “medidas aplicáveis a adolescentes autores de atos infracionais (…) de caráter predominantemente educativo”. Excepcionalmente, de acordo com o artigo 2 do estatuto, as medidas podem se estender a jovens com até 21 anos.
São seis as medidas socioeducativas que podem ser aplicadas. É de competência do juiz da Infância e da Juventude analisar cuidadosamente qual a capacidade do adolescente de cumprir a medida, traçando seu perfil psicológico, entendendo seu contexto social e também a gravidade do delito para proferir a sentença. Cabe a cada Estado gerir e organizar os órgãos e instituições responsáveis pela aplicação efetiva das medidas.
Advertência (Artigo 115 do ECA)
A advertência consiste em uma repreensão verbal por parte de juiz da infância ou servidor da área. O adolescente é orientado e sensibilizado para a gravidade de seu delito. É considerada a medida mais branda, aplicada a adolescentes primários – aqueles que não têm nenhuma passagem pelo sistema judicial.
Obrigação de reparar o dano (Artigo 116 do ECA)
Também considerada uma medida branda, a obrigação de reparar obriga o adolescente a restituir o valor patrimonial ou econômico do que foi danificado no ato infracional. É a medida menos aplicada entre as seis e, na maioria dos casos, pressupõe a participação de um responsável. Ela é alvo de críticas jurídicas, pois não cumpre nem o papel de ressocialização nem de educação, limitando-se à reparação material.
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) (Artigo 117 do ECA)
Os adolescentes que estão sob essa medida devem realizar, em um período que não pode exceder seis meses, tarefas gratuitas de interesse geral da comunidade. Esses serviços podem ser trabalhos voluntários em hospitais, escolas e outros estabelecimentos que ofereçam serviços à comunidade.
O trabalho voluntário deve acontecer dentro de um período de oito horas semanais, preferencialmente aos sábados e domingos, para não prejudicar a frequência escolar. É essencial que o orientador social responsável perceba quais são as aptidões do adolescente, para encaixá-lo em um serviço que pode fazer melhor uso das suas habilidades.
O intuito é que, colocando o adolescente frente a um espaço de valores coletivos, que visam o bem comum, ele possa experimentar relações de solidariedade. Para que essa medida seja efetiva, é fundamental não somente o apoio dos assistentes sociais, responsáveis pela orientação do adolescente, como também o da comunidade e da família.
Liberdade Assistida (Prevista nos artigos 118 e 119 do ECA)
A mais aplicada entre as seis, a medida de liberdade assistida é considerada por juristas uma das alternativas que melhor atendem ao propósito pedagógico do Estatuto da Criança e Adolescente. A liberdade assistida consiste no acompanhamento, auxílio e orientação por parte de um assistente social para o adolescente, sem privá-lo de sua liberdade nem de seu convívio rotineiro com a escola, a comunidade e sua família. Para tanto, o assistente faz uso dos serviços que tem à sua disposição nas áreas de saúde, cultura, esporte, lazer e profissionalização, atuando em conjunto com os sujeitos que fazem parte do convívio do jovem.
É primordial que seja traçado o perfil do adolescente e se entenda a razão da infração, seu histórico social e contexto familiar, a fim de que as orientações possam contemplá-lo integralmente – é o chamado Plano de Atendimento Individual do Adolescente. A medida deve ser cumprida no mínimo por seis meses e pode ser estendida por tempo indeterminado.
Semiliberdade (Artigo 120 do ECA)
A semiliberdade é considerada uma medida intermediária, porque apesar de não privar inteiramente o adolescente da liberdade, altera sua relação com o meio. Ela consiste em colocar o adolescente em uma casa de internação durante os dias da semana para cumprimento de atividades pedagógicas e formativas. Nessa casa o adolescente também faz suas refeições e dorme. Ele pode voltar para junto de sua família ou para o abrigo onde estiver durante o fim de semana.
A medida funda-se principalmente no princípio de responsabilização do adolescente. Visando uma ação ético-pedagógica, em que ele pode participar de atividades sem vigilância, regidas apenas por uma agenda predefinida, o adolescente desenvolve uma noção de independência e de reinserção na sociedade.
Assim como no caso da liberdade assistida, é prevista por lei a criação de um Plano de Atendimento Individual do Adolescente, em que é traçado um perfil para poder propiciar o atendimento ideal caso a caso.
Internação (Artigos 121 a 125 do ECA)
A medida de internação é considerada a mais gravosa, por privar o adolescente de liberdade por um prazo que varia de seis meses a até três anos. Ela está sujeita a três princípios: o de brevidade, que preconiza uma duração pequena para que o adolescente não seja privado de sua convivência em sociedade; o de excepcionalidade, que caracteriza que a medida de internação só deve ser aplicada quando esgotadas todas as opções em medidas socioeducativas descritas acima; e a de respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, que é a especial atenção à fase do desenvolvimento em que se encontra o infrator e a necessidade de constante reavaliação da sentença.
A medida é cumprida em casas de internação. Ainda que aconteça a privação da liberdade é fundamental que o adolescente tenha à sua disposição todos os serviços possíveis para se formar enquanto cidadão: ele deve ter acesso à escola, às atividades pedagógicas e culturais e aos cursos profissionalizantes.
A medida pode ser aplicada de duas maneiras: em caráter provisório, quando o adolescente pode ficar até 45 dias em internação aguardando decisão judicial definitiva; e em caráter estrito, quando já é determinado que ele irá cumprir a internação.
A importância das alternativas ao uso da internação
Quando se fala em medidas socioeducativas, a imagem que mais comumente se associa é a do adolescente em sistema de privação, cumprindo suas rotinas de atividades dentro de uma instituição como a Fundação Casa, em São Paulo. No entanto, a internação é a medida mais severa dentre as seis possíveis, e de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente só deve ser aplicada em casos excepcionais.
Na prática, a despeito de leis progressistas, as medidas socioeducativas esbarram em uma cultura de criminalização da juventude que se ramifica nos setores responsáveis por sua aplicação. Para o coordenador especial de políticas públicas do gabinete do governador do Ceará, Demitri Cruz, a sociedade ainda não compreende a lógica da proteção integral da criança e do adolescente. “Temos uma política socioeducativa autoritária, que começa desde o processo preventivo e recrudescimento da pauta de direitos humanos e parte para uma lógica mais punitiva do que restaurativa. O resultado é uma tendência a priorizar a medida de internação em detrimento das de meio aberto, o que gera uma superlotação das unidades”.
Quando acontece a superlotação, o caráter de ressocialização do adolescente fica comprometido, porque não há estrutura física ou de pessoal que possa acompanhar cada caso e determinar que tipo de medida pode ser mais eficiente. O coordenador atenta ainda para uma fragilidade do poder judiciário.
“A decisão judicial deve ser subsidiada menos pelo delito e muito mais por uma análise de comportamento ou da compreensão daquele adolescente. Esse é um trabalho que requer um conhecimento muito além do jurídico, um conhecimento humano. A cultura jurídica de aplicação da medida atualmente é relacionada à punição, e não a uma tão necessária análise da condição desse adolescente”.
A medida socioeducativa, na visão do coordenador, não pode ser enxergada como a única solução para a reinserção do adolescente na sociedade. Ela deve agir em conjunto com todo um sistema de garantias de direitos que funcione efetivamente para a proteção da criança e do adolescente. “Ainda temos o grande desafio de articular políticas públicas que transformem o ambiente de onde esse adolescente saiu e para onde ele irá voltar”, conclui Demitri.