O que são crimes leves e a importância de alternativas à internação

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12/05/2017|

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Como se mede a gravidade de uma infração cometida por um jovem? Um adolescente que furta um pão para se alimentar deve receber a mesma medida socioeducativa de um que é pego traficando uma pequena quantidade de drogas? Essas são algumas dúvidas em relação ao tema de jovens em conflito com a lei. Em um dos dez países que mais matam jovens no mundo, segundo o Mapa da Violência 2016, é fundamental entender se os preceitos de proteção e reintegração previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são estão sendo de fato cumpridos.

 

Quando um adolescente entre 12 e 18 anos comete um ato infracional, são previstas pelo artigo 112 do ECA uma série de medidas socioeducativas a serem aplicadas, de acordo com a gravidade. Desde a mais leve, que é uma advertência verbal proferida por um operador da lei, até a mais grave, como a internação, todas são aplicadas com a finalidade de reeducar e promover a reinserção social, não de punir. Elas devem visar a ressocialização desse jovem, amparando-o com os serviços do sistema de garantias de direitos.

A privação de liberdade, de acordo com o ECA, deve ser o último recurso aplicado, apenas nos casos mais graves. Mesmo assim, instituições de reabilitação, como a Fundação Casa, do estado de São Paulo, estão superlotadas.

Para entender

Segundo o ECA, ato infracional é a conduta da criança e do adolescente equivalente a crime ou contravenção penal. O termos crime, delito ou contravenção penal, são aplicados apenas a partir dos 18 anos.

Em novembro de 2016, 192 mil jovens cumpriam medidas socioeducativas no Brasil, o dobro do ano anterior, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desse total, 13.237 (7%), estavam internados sem atividades externas.

Em São Paulo, as internações são a grande maioria das sanções aplicadas. Dos 9.329 adolescentes cumprindo algum tipo de medida socioeducativa, 7.318, ou 78%, estão internados, segundo dados fornecidos pela Fundação Casa.

Entenda o que são crimes leves

 São três categorias de crime estabelecidas no código penal brasileiro, explica Salomão Sheicara, mestre em direito penal pela da Universidade de São Paulo (USP). “Os crimes extremamente graves são os hediondos, os abjetos, que envolvem violência e premeditação. Em segunda instância, temos os crimes com violência ou grave ameaça, mas não o suficiente para serem considerados hediondos, como o roubo simples”.

Já os crimes leves, de acordo com o especialista, são aqueles sem violência ou grave ameaça, como furto leve, estelionatos de pequeno valor ou fraudes. “Esses crimes, cujas penas geralmente são entre dois e quatro anos, podem e devem ser objetos de medidas alternativas”, conclui o jurista.

Ele exemplifica: se um jovem faz uma venda eventual de uma pequena quantidade de drogas para completar um serviço de tráfico, e é pego e condenado a internação, deve-se reconsiderar sua recolha, e acionar outras medidas socioeducativas que podem ressocializá-lo.

“Todos crimes têm uma pena mínima e uma máxima, e cabe ao juiz estabelecer isso de acordo com a circunstância, tendo um olhar atento e humanista para tudo que circunda o crime: há diferenças primordiais e sociais entre o furto de uma bolacha no mercado e o roubo de um banco, e o jurista responsável deve ter humanidade para avaliar isso”, defende Salomão.

Internação como última medida

A medida de internação, prevista pelo ECA nos artigos 121 a 125, priva o adolescente de liberdade por um prazo de seis meses até três anos. Ela pode ser executada de duas maneiras: como medida provisória, de até 45 dias, por determinação do juiz, que usa o tempo para entender qual o melhor encaminhamento; e como a medida socioeducativa, quando já está determinado que a internação acontecerá.

A medida está sujeita a três princípios, também determinados pelo ECA: que seja breve, excepcional – quando a infração é muito grave e foram esgotadas as outras alternativas – e que respeite a particularidade do sujeito em formação.

Para Salomão, no entanto, internação acabou se transformando em um eufemismo para prisão.

No âmbito da juventude em conflito com a lei, muito dos crimes são pequenos delitos. Temos que analisá-los no intuito de mudar a cultura do encarceramento e punição do país. Os processos laborativos devem considerar a infância e juventude, entendendo que a atuação para reintegrar esses infratores é muito mais efetiva do que no plano dos adultos, com respostas muito mais rápidas e positivas”.

Uma internação precoce, que desconsidere o entorno social do infrator, produz um estigma social difícil de ser apagado, observa. “Quando acontece um primeiro furto, uma primeira venda de droga, algo leve, é importante que essa pessoa não seja estigmatizada. Isso alimenta a cultura carcerária e o número de pessoas perseguidas socialmente. É necessário ter sempre uma interpretação adequada quando se trata de crianças e adolescentes como sujeitos de proteção e em formação”.

Medidas socioeducativas para infrações leves

Para Salomão, a lei de liberdade assistida é uma alternativa pouco utilizada e que tem muito a agregar no sentido da reeducação. Prevista no artigo 118 e 119 do ECA, ela consiste no acompanhamento constante do adolescente por parte de um assistente social, que usa todos os serviços que o Sistema de Garantia de Direitos tem a oferecer: saúde, cultura e lazer, também procurando trabalhar com a comunidade onde o infrator está inserido.

“Quando o adolescente é internado, toda a sua rotina é alterada. Se ele está estudando, seu progresso educacional é prejudicado. Se está trabalhando via Lei de Aprendizagem, em idade laborativa – dos 14 até os 18 anos – isso é prejudicial para sua carreira. A liberdade assistida permite que ele ainda execute essas tarefas e, ao mesmo tempo, seja acompanhado por um profissional”, explica Salomão.

O jurista ainda aposta na prestação de serviços à comunidade como uma alternativa à internação. Prevista pelo ECA no artigo 117, ela é considerada uma medida leve. Não podendo exceder os seis meses, consiste em uma série de tarefas gratuitas executadas pelo jovem para o interesse geral, em espaços públicos como escolas ou hospitais.

“Essa medida produz um valor para a comunidade. Quando confrontado com realidades sociais diferentes, o infrator passa por um processo de sensibilização, e isso tem um valor de aprendizado maior do que qualquer tipo de cárcere”.

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