11/03/2020|
Por Bruna Ribeiro
Na última quinta (5), 227 pessoas estiveram presentes no Seminário Trabalho Infantil em São Paulo: Control Social e Monitoramento, realizado pela Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil, na Sociedade Santos Mártires, no Jardim Ângela, zona sul da cidade.
O Seminário marca o fim do projeto Chega de Trabalho Infantil no Jardim Ângela, realizado ao longo de dois anos com o apoio do CMDCA e financiamento do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fumcad) de São Paulo.
As atividades começaram pela manhã. Mais de cem crianças participaram de uma oficina de fotografia, com rodas de conversa sobre o tema, exibição de animações e construção de imagens por meio de recortes de revistas e fotografias.
Na oficina, crianças compartilharam suas histórias pessoais. Um garoto de 12 anos chegou a contar que trabalhava buscando bolas em jogos de um campo na Zona Sul. Outra garota relatou a história de uma amiga vítima do trabalho infantil doméstico.
Um menino de 10 anos fez uma fala emocionante, quando compartilhou que se sentia triste, pois a mãe dele trabalhou em casas de famílias desde muito cedo e engravidou com 15 anos, quando parou de estudar – e que lutava muito para que ele não vivesse a mesma situação.
Toda a conversa foi acolhida por uma equipe de seis educadores, composta por Paulo Emilio Pucci, Marieta Colucci Ribeiro, Daniel Fagundes, Tiago Alexandre Santana, Georgia Gonçalves Prado e Sheila Santos Ferreira.
A oficina terminou com sessões de fotos que registraram as colagens realizadas pelos grupos. A proposta dos registros é que eles representassem os sonhos daquelas crianças para dali a dez anos. Esses ensaios foram exibidos em um telão no início dos debates do período da tarde, com uma forma de sensibilizar o público adulto sobre a responsabilidade que temos com as crianças do país.
Exposição
Além da exibição das fotos das crianças, foi também foi realizada uma exposição fotográfica com imagens feitas entre 2016 e 2019 pelos fotógrafos Tiago Queiroz, Débora Klempous e Marcello Vitorino.
Elas acompanham reportagens da jornalista Bruna Ribeiro, com perfis que visam humanizar e dar visibilidade às histórias das crianças e dos adolescentes retratados – sempre preservando seu anonimato, como estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Debates
O período da tarde foi dividido entre dois painéis. Felipe Tau, gestor da Rede Peteca, deu as boas-vindas, falando a respeito da importância do controle social e do monitoramento de políticas públicas para erradicação do trabalho infantil. A primeira mesa apresentou o tema “Monitoramento das Políticas Públicas e Espaços de Participação.”
Elizabeth Ress, coordenadora do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) no município de São Paulo e também do Conselho Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil (CMETI), deu início à conversa apresentando as principais ações da Prefeitura e ressaltando a importância de parcerias com outras instituições, como Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de São Paulo (SEDS), Conselho Municipal dos Direitos de Crianças e Adolescentes (CMDCA), Secretarias Municipais da Saúde e da Educação e até mesmo da Polícia Civil, para os casos de aliciamento.
Em seguida, Carlos Alberto de Souza Júnior, presidente do CMDCA e articulador da Sociedade Santos Mártires, ressaltou a importância da transversalidade da política pública e da garantia integral de direitos.
“Quando o menino está nas ruas ou em medidas socioeducativas, várias políticas já falharam com ele”, disse. “Precisamos fortalecer a democracia e pensar em políticas de educação, emprego e em uma cidade que encare a criança e o adolescente como prioridade absoluta”, concluiu.
Heder Souza, sociólogo e membro da equipe do PETI da Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social de São Paulo (SEDS), encerrou a mesa apresentando importantes instâncias de articulação, como o papel do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).
O segundo painel trouxe a discussão a respeito do “Controle social: o papel da sociedade civil na prevenção e erradicação”. Marcos Silva, educador social e cientista social à frente do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, trouxe a perspectiva da importância da voz da criança e do adolescente, que deve ser mais ouvida.
Além disso, lamentou o forte encarceramento e criminalização da pobreza. “Não sabemos ainda o impacto disso na vida das crianças, mas precisamos falar dos invisíveis”, disse.
Em seguida, Marta Volpi, assessora de advocacy e políticas públicas da Fundação Abrinq, apresentou o extenso trabalho da organização desde os anos 90, no fortalecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A partir de então, a Abrinq se dedicou a monitorar agenda legislativa, em constante ameaça aos direitos de crianças e adolescentes, e também na produção de conteúdos a respeito dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), relacionando a erradicação do trabalho infantil a uma agenda global.
“A pobreza, o trabalho infantil e o direito à aprendizagem são temas relacionados e precisam ser refletidos conjuntamente”, disse a assessora.
Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e representante da Campanha Cada Criança, braço da campanha global 100 Milhões por 100 Milhões no Brasil – iniciativa global do Nobel da Paz Kailash Satyarthi – ressaltou o quanto educação e erradicação do trabalho infantil caminham juntos.
“A gente acredita que a escola é um lugar de proteção e também responsável pelo combate ao trabalho infantil, pois ainda é o espaço onde o poder público chega nos mais diversos cantos do país, mesmo que precariamente.”
Por fim, Felipe Tau, gestor da Rede Peteca, apresentou as ações do projeto desde sua crianção, em 2016. Foram exibidas as reportagens especiais, ensaios jornalísticos, iniciativas de incidência pública, publicações e campanhas, como as campanhas de combate ao trabalho infantil no Carnaval e durante a Copa do Mundo. O gestor ressaltou a importância do jornalismo e da Comunicação para o Desenvolvimento para o avanço nas questões sociais e no amadurecimento da democracia no país. “Precisamos defender o jornalismo como uma instituição de controle social, monitoramento e fortalecimento democrático.”
Ao final dos dois painéis, a mesa foi aberta para perguntas, quando os participantes tiraram dúvidas e dialogaram com os presentes.
Ciclo de formações
O Seminário marcou o encerramento de um ciclo de formações realizados em oito encontros durante o ano de 2019.
A primeira rodada aconteceu nos dias 28 de maio e 4 de junho e apresentou conceitos gerais sobre a história da infância, além de promover estudos dirigidos sobre a trajetória de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil.
Em 26 de julho e 6 de agosto, na segunda oficina, foi a vez de falar sobre os Direitos de Crianças e Adolescentes. Na ocasião, os participantes foram convidados a construírem uma linha do tempo coletiva a respeito dos principais marcos legais na infância e juventude no país. Foram também apresentados vídeos inspiradores.
Já a terceira rodada ocorreu nos dias 24 de setembro e 1 de outubro, quando foi discutido mais detalhadamente o que é trabalho infantil e as principais políticas públicas para enfrentá-lo. Foi apresentado o conceito, os tipos e as piores formas – além da oportunidade de cada participante compartilhar quais tipos de trabalho infantil identificava no território.
Por fim, em 26 de novembro e 3 de dezembro, o grupo refletiu sobre como desenvolver mecanismos de monitoramento, controle social e fiscalização. Foram retomados conteúdos das oficinas anteriores e depois foram apresentadas duas propostas de fluxos para encaminhamento de casos.
Ao final, os integrantes criaram fluxos viáveis a serem aplicados no território, construindo um único como conclusão, para encerrar o ciclo formativo com uma proposta prática. Foi inciada a articulação da formação de uma comissão dos trabalhadores da rede de proteção da região.