22/11/2017|
Por Cecilia Garcia
No topo das ladeiras do centro de Francisco Morato, município da região metropolitana de São Paulo, existe uma casa de fachada azul e tábuas de madeira colorida. À primeira vista, parece uma biblioteca, porque suas paredes e caixotes estão repletas de livros. Mas o silêncio é substituído pela interação de crianças e adolescentes de 6 a 14 anos que ocupam o espaço em rodas de leitura e brincadeira.
A Associação Cultural Conpoema é um dos únicos aparelhos culturais da cidade, abrigando espaços de convivência, literatura e teatro.
A instituição deu início às suas atividades como a companhia de teatro Girandolá, conseguindo em 2009 um espaço físico após anos de peregrinação entre locais alugados e territórios cedidos. Em 2014, já como associação, seus profissionais engajam-se na luta pela abertura e utilização do CEU das Artes Francisco Morato.
Nessa empreitada, os fundadores Roger Neves e Fabia Pierangeli perceberam que, enquanto equipamento de cultura, eles também faziam parte das lutas por melhorias sociais e pela obtenção de políticas públicas de proteção ao direito da infância e adolescência.
“Quando nos mobilizamos socialmente para colocar o CEU para funcionar, passamos a ter contato com a assistência social e com os conselheiros tutelares e vimos o quanto a cultura e a luta social são intrínsecas. Somos uma associação cultural de defesa do direito da criança e do adolescente”, conta Roger.
Garantia de direitos
É também no contato com o Sistema tema de Garantia de Direitos que a Conpoema se aproxima da temática do trabalho infantil. Segundo o último censo da região, lançado pelo IBGE nos idos de 2010, foram notificados 985 casos de trabalho infantil.
Em 2014, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) abrem um edital para que organizações possam participar em diversos eixos da luta de contra o trabalho infantil.
A associação notou, então, a possibilidade de se engajar no tema, que já permeava sua lida com crianças e adolescentes. “Percebemos que atendíamos vítimas de trabalho infantil dentro do nosso próprio território, desde casos de crianças que ajudavam no comércio ou até cuidando de irmãos mais novos”, relata Fábia.
Elisângela Costa Lima, assistente social do Conpoema, complementa: “Francisco Morato é um território de vulnerabilidade social e com uma população muito jovem. Por isso é grande o perigo do ranço cultural por trás do trabalho infantil. Quando a pessoa me diz: ‘É melhor a criança estar trabalhando do que roubando’, eu já prontamente respondo: Ela só tem essas opções? E a cultura e o lazer?”.
Engajamento para combater o trabalho precoce
De setembro a dezembro, o Conpoema realiza o PETI Francisco Morato, uma campanha de mobilização social em ação conjunta com o Ministério do Desenvolvimento Social e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS. Campanhas midiáticas digitais – como o vídeo #DeixaSerCriança – e a cobertura de outdoors em espaços públicos da cidade fazem parte do projeto.
Doze encontros tem sido realizados com profissionais que atendem crianças e adolescentes, desde educadores, assistentes de saúde e conselheiros tutelares. Nessas formações, eles conhecem dados referentes a essa violação, trabalhando a cultura e a educação como alternativa para o trabalho infantil.
A organização espera incidir principalmente sobre o trabalho infantil doméstico, violação por vezes invisível e que atinge particularmente o gênero feminino. “Muitas crianças que atendemos tomam conta de seus irmãos mais novos. Queremos trabalhar a cultura de que são necessário políticas públicas que amparem essas famílias”, comenta Elisangêla.
Após as formações, o conhecimento adquirido será sistematizado pela associação e apresentado como diagnóstico em uma audiência pública na prefeitura de Francisco Morato, em dezembro.
“Não temos o hábito, enquanto região e ouso dizer até como país, em quantificar as situações de vulnerabilidade na infância. Enquanto atuarmos no território e estivermos próximos das redes, podemos arrebatar números importantes sobre o trabalho infantil e com eles, provocar o poder público e a população a pensar e lutar por políticas públicas de combate”, concluí Fabia.