publicado dia 12/07/2021

Comissão Antirracista mobiliza escolas pela educação antirracista e contra o trabalho infantil em SP

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12/07/2021|

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Por Diel Santos

Em 13 de Julho, é celebrado o aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – um marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil. Ele surgiu para garantir a proteção efetiva de meninas e meninos brasileiros sob os cuidados de uma legislação específica.

O artigo 3º do ECA determina que todos os direitos fundamentais de todas as crianças devem ser garantidos sem nenhuma discriminação. O desafio da sociedade e de todas as instituições envolvidas é a manutenção e a garantia de que a proteção integral dessas crianças seja efetivamente cumprida. 

A atuação da Comissão Antirracista do Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil é justamente amparada pela Lei e pela Constituição Federal, tendo como desafio articular uma rede com professores, educadores e profissionais de escolas públicas para o desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento do trabalho infantil alinhado a uma educação antirracista, segundo Elisiane Santos, membro do grupo e procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP). 

Na entrevista a seguir, Elisiane comenta sobre o início dos trabalhos da Comissão Antirracista e faz uma análise do atual cenário brasileiro de trabalho infantil e os impactos na vida de crianças e adolescentes negros. 

O Criança Livre de Trabalho Infantil é membro do colegiado do Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FPPETI) e também integra a Comissão Antirracista.

Como o ECA tem contribuído nas últimas décadas para o enfrentado do trabalho infantil e do racismo vividos por crianças e adolescentes negros?

Projeto Lê Comigo, criado pela professora Ana Soares (Anamô), da escola municipal de educação infantil Dom João VI, no Rio de Janeiro.

Elisiane Santos: O artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que todos os direitos fundamentais de todas as crianças devem ser garantidos sem nenhuma discriminação. 

O desafio da sociedade e de todas as instituições envolvidas é a manutenção e a garantia de que a proteção integral dessas crianças seja efetivamente cumprida. 

Como a Comissão Antirracista do Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil atua hoje?

Elisiane Santos: A Comissão Antirracista está no início de trabalho e ainda estamos ampliando esse debate. O grande desafio é construir uma estratégia que pense a educação antirracista também como política para o enfrentamento do trabalho infantil. Nosso objetivo, no momento inicial, é criar uma rede, junto a professores, educadores e profissionais de escolas públicas no município de São Paulo que debata esse tema.

Estamos trabalhando para conseguir uma boa articulação dessa rede e, a partir daí, pensar nas estratégias para a implementação da Lei nº 10.639 [Ensino da história e cultura afro-brasileira] e no combate ao trabalho infantil, com a participação das escolas.

Desde a criação do FNPETI, lá no anos 2000, onde o Brasil avançou ou retrocedeu em relação à erradicação do trabalho infantil?

Elisiane Santos: É importante dizer que tivemos avanços importantes no Brasil no combate ao trabalho infantil. Na década de 90, eram quase 10 milhões de crianças e adolescentes nas mais perversas, degradantes e perigosas situações de trabalho infantil. Ao longo de quase 30 anos de políticas de enfrentamento do problema, como o Fórum Nacional e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, pudemos ver melhoras no cenário. Os casos começaram a reduzir, por outro lado, os índices de escolaridade foram ampliados, as taxas de analfabetismo e de crianças fora da escola também caíram.

Essas políticas foram construídas com debate entre governo, sociedade civil, organismos internacionais, sistema de justiça, trabalhadores e empregadores. Hoje, temos enfrentado uma desarticulação das políticas de proteção, inclusive em relação aos dados do trabalho infantil. 

Como o cenário histórico de exploração do trabalho infantil no Brasil tem influenciado o desenvolvimento das infâncias negras?

Elisiane Santos: Vivenciamos um processo de fragilidade maior na condição de vida das famílias brasileiras. Além disso, há o racismo estrutural que perpassa a situação de trabalho infantil. A construção histórica do país, desde o período colonial, coloca a exploração e naturalização do trabalho de crianças negras como condição que se repete até hoje. Temos uma legislação que termina por penalizar as infâncias negras, em vez de protegê-las. Um grande desafio, e é por onde segue a Comissão Antirracista, é contribuir para que todas crianças possam ser crianças e que as infâncias negras sejam respeitas e tenham seu direito assegurado. 

Se olharmos para o perfil de quem está em situação em trabalho infantil, a grande maioria é de crianças negras. São elas que saem da escola mais cedo e lidam com o racismo estrutural na escola. Esses fatores atuam conjuntamente, fazendo com que incidam numa vulnerabilidade maior das crianças negras.  

O fechamento das escolas, desde 2020 devido a pandemia da covid-19, pode ter efeito no aumento da entrada de crianças e adolescentes em atividades laborais?

Crédito: Tiago Queiroz

Elisiane Santos: O fechamento das escolas com certeza é um fator determinante para o aumento da vulnerabilidade. Muitas crianças e adolescentes não têm equipamento digital para poder acompanhar as atividades escolares. Muitas famílias também não têm com quem deixar essas crianças e aí entra também o trabalho infantil doméstico. Muitas mães trabalhadoras domésticas acabam tendo de levar os filhos para o trabalho, principalmente as meninas, que ingressam cedo nesse tipo de atividade, reproduzindo o ciclo geracional de trabalho doméstico. No Brasil, não foi construído um plano específico para a proteção das infâncias no período da pandemia e isso, obviamente, impacta num possível aumento do trabalho infantil.

O não funcionamento regular das escolas gera sim uma situação de maior desproteção das crianças e adolescentes. Isso não significa dizer que as escolas têm de abrir e pronto. O problema é maior. Ele está todo relacionado à falta de inclusão digital e políticas públicas de assistência social que assegurem uma condição igualitária dessas famílias vulneráveis à proteção e ao acesso de crianças e adolescentes à escola. 

Como a naturalização do trabalho infantil contribui para a manutenção desse cenário?

Elisiane Santos: Acho importante a gente entender que essa naturalização está introjetada nas pessoas com um olhar de estigma, de estereótipo e preconceito. Você ouve falas que são destinadas a determinadas infâncias, mas não a todas as infâncias brasileiras. A defesa do trabalho feito por crianças e adolescentes é, na verdade, a defesa das atividades realizadas por crianças e adolescentes pobres e negros. 

O trabalho infantil é decorrente de uma ideologia construída que naturaliza as violências contra crianças negras e pobres e isso está ligado ao processo histórico de formação da sociedade Brasileira. Há estudos que mostram que o Brasil, além de ser o país que mais sequestrou a população africana, também foi o que mais trouxe crianças e adolescentes para esse processo de escravização. Tudo isso traz como desdobramento a naturalização dessas violências, da exploração no trabalho e da reprodução do discurso dito cultural, mas que está assentado no racismo permitido e reproduzido na sociedade brasileira.

Pensando no pós-pandemia e nos efeitos, qual a avaliação sobre o que esperar em relação à proteção dos direitos das crianças, inclusive negras?

Elisiane Santos: Acredito que o primeiro grande desafio é pensar no modelo de Estado de sociedade que queremos. Com certeza, o que está aí não deveria existir, pois é um projeto excludente, violento, de desigualdades brutais e retiradas de direitos. Então acho que nós temos de pensar a não aceitação de retrocessos sociais, na legislação, dando prioridade absoluta nas políticas públicas de proteção das crianças e adolescentes. É uma dívida que o Estado Brasileiro tem com as infâncias, principalmente, as infâncias negras, e isso é algo que está na Constituição Federal, mas que até hoje não foi efetivado. 

Essa tem de ser a grande bandeira da sociedade. Precisamos pensar nesse cenário de busca por uma sociedade justa, dando e olhando com prioridade, especialmente, às crianças e adolescentes mais vulneráveis, negras e indígenas, quilombolas, de terreiro e periféricas. Todas essas infâncias, que sistematicamente e historicamente têm sido discriminadas, merecem uma infância feliz, digna de aprendizado, com direitos garantidos e respeitados. 

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