publicado dia 27/03/2021

Professora usa a literatura para promover a valorização da identidade negra

WhatsappG+TwitterFacebookCurtir

27/03/2021|

Por

Conheça a iniciativa da professora de Língua Portuguesa, Lidiane da Silva Lima, que trabalha a valorização da identidade e cultura negra com estudantes do Ensino Fundamental 

Por Diel Santos

Foi o resultado de uma pesquisa feita pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME), em 2015, que deu inspiração para a criação do projeto “Eu Posso Ser Poeta!”, da professora Lidiane da Silva Lima. A docente dá aulas de Língua Portuguesa para estudantes dos últimos anos do Ensino Fundamental da EMEF Anna Silveira Pedreira, no Jardim Novo Santo Amaro, zona sul da capital.

No levantamento feito pela prefeitura paulista naquele ano, 230 mil estudantes não declararam sua cor. De acordo com o Censo Escolar do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), em 2015 havia 1.382.109 jovens com matrículas no Ensino Fundamental no município paulista. 

Crédito: Divulgação

“Para mim, essa informação que a pesquisa da SME trazia era bastante sugestiva em relação à negação da negritude nos próprios estudantes e ia ao encontro do que vivenciei com meus alunos”, argumenta Lidiane. 

A docente conta que nas primeiras aulas do projeto perguntou a cada estudante sobre sua própria identidade racial. “Os termos mais recorrentes foram: moreno; pardo; mais clarinha; escurinha”, lembra. 

A partir daí, a professora de Língua Portuguesa começou a planejar atividades pedagógicas baseadas numa educação antirracista. As ações do “Eu Posso Ser Poeta!” focam no combate ao racismo e à discriminação de gênero, na valorização da história e identidade da população negra no Brasil. Participaram do projeto as turmas do 6º ao 9º ano da EMEF Anna Silveira Pedreira.

O sucesso do projeto rendeu à professora reconhecimento, como a conquista dos prêmios Educador Nota 10 e Prêmio Paulo Freire.

O projeto

Iniciado em 2019, as atividades começaram com a leitura de poemas e músicas de personalidades negras. O repertório envolveu Racionais MC’s, Solano Trindade, Castro Alves, Ana Maria Gonçalves e Yzalu, entre outras. Ao fim de cada leitura, um momento para discussão sobre os temas abordados nesses conteúdos. Quem quisesse, poderia se expressar durante a aula da maneira que achasse melhor. 

Crédito: Divulgação

O projeto foi executado em três momentos. No primeiro, a professora focou no passado da população negra e na contribuição para a cultura brasileira. Já no segundo, a turma estudou as formas encontradas por essa população para recriar sua identidade e as relações de pertencimento em diáspora. Por último, Lidiane trabalhou com os estudantes a estética negra e a autoestima.

Além dos conteúdos textuais, a professora também analisou com os estudantes obras de artes que tratam de aspectos sobre a negritude. Também foram organizadas visitas a exposições sobre cultura africana.

“A participação dos alunos foi enorme, uma vitória para a escola e um orgulho para mim. Eles usaram a linguagem para ampliar suas próprias possibilidades de participar e consumir a cultura letrada com autonomia e protagonismo. Isso contribui muito para a construção das individualidades e do reconhecimento de si”, conta.

Sarau Heranças Afro

O trabalho feito pela professora reverberou na turma e se ampliou. Essa autonomia e protagonismo adquiridos nas aulas de Língua Portuguesa ajudaram os estudantes na  organização do Sarau Heranças Afro

Crédito: Divulgação

Na iniciativa, os alunos eram desafiados a escrever suas próprias poesias. Além dos poemas, o sarau contava com intervenções artísticas feitas pelos próprios alunos. A produção era dividida em quatro temáticas: Apropriação de uma perspectiva afrocentrada da história da população negra; Identidade e estética negra; Intolerância religiosa e Empoderamento feminino.

“Ficava evidente o reconhecimento racial, o orgulho da ancestralidade e aquele forte sentimento de pertencimento nos estudantes negros. Já nos alunos não negros, o reconhecimento da cultura negra e o respeito a essas histórias era evidente”, diz Lidiane. 

O sarau ganhou itinerância e os estudantes passaram a se apresentar nas escolas da região do Jardim Novo Santo Amaro, zona sul da cidade de São Paulo. A produção artística da turma virou livro, que leva o mesmo nome do projeto”.

Próximos passos

Crédito: Divulgação

A pandemia causada pelo coronavírus interrompeu o projeto e tem impedido a continuidade das atividades. A professora precisou adaptar as aulas para o contexto remoto, no entanto, a participação foi baixa por causa das dificuldades de alguns alunos em acessar a internet. 

Lidiane, porém, conta que o projeto vai continuar no futuro e aguarda a volta segura ao ensino presencial. Para ela, a importância de se trabalhar uma educação antirracista na escola é urgente. 

“Acredito que a escola é lugar de tirar os pés do chão. Por ela, os estudantes podem sonhar, aprender, transformar sua realidade e, também, combater os preconceitos e violências que afetam principalmente a juventude negra”, finaliza. 

Texto da aluna Ayla Júlia Ferreira dos Santos

Esse texto começa
Com uma pequena dúvida
Que há certo tempo, me instiga
Será que vão na casa da deputada chama-la de assassina
Ou só fazem isso quando você tem 10 anos e é menina?

Já ouvi muita repreensão
Por estar falando de política
Porque, aparentemente, eu não entendo
E, adivinha? Agatha também não entendia
Tinha 5 anos quando foi assassinada pela polícia 

Mas… É, eu sou muito jovem
Não entendo nada do mundo
Mesmo que a necropolítica me assole
E o Estado controle quem vai viver
E quem vai morrer 

Se não tens a pele alva, és pele alvo
Eles se despedem com um beijinho de bom dia
E as nossas mães falam: “cuidado, leva o RG”
“Deixa a mão mostra porque eles atiram sem ver”
E essa deve ter sido a única vez que elas erraram 

Porque mãe, sim, eles nos vêem
E sentem medo
Medo porque somos 51% da população
E falta muito pouco pra começar uma revolução
Na verdade, ela já começou 

Mas pra isso não vamos matar ninguém
Violência é eurocêntrica
E, tá ligado? Quem é do gueto, vai além
A palavra é a bala, minha voz o gatilho
Já dizia Mih Alves
Se escrever é se revoltar
Então bora revolucionar comigo? 

Se não esperam resistência
Não firam nossa existência
Enquanto não pararem de nos matar
Não haverá desistência

Escrevendo esse texto
Me surge outra dúvida
Já engatilho a voz
Presidente Jair Bolsonaro, por que Michelle recebeu 89 mil reais de Fabrício Queiroz?

As plataformas da Cidade Escola Aprendiz utilizam cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade.
Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.