publicado dia 23/10/2019
23/10/2019|
Por Redação
Pressionando os parlamentares a atuarem em defesa do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), membros dos mais diversos segmentos do sistema de garantia de direitos movimentaram a Casa da Lei em Caravana
A cidade do Planalto Central é popularizada por ser palco de múltiplas discussões e decisões da mais alta importância para a proteção ou ameaça dos direitos da população brasileira, entre corredores e palanques, discursos e apertos de mão.
A última terça (8) e a última quarta (9) não foram exceções, a salvo de uma diferença: a movimentação nas comissões, gabinetes e audiências públicas foi pano de fundo para a atuação da rede de proteção da criança e do adolescente, representada pela Caravana Nacional da Infância.
A Caravana é um movimento composto por membros dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, projetos sociais, movimentos estudantis, organizações da sociedade civil, Ministério Público do Trabalho, Associação Paulista do Conselho Tutelar e Comitê Nacional de Adolescentes pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Conapeti), com apoio da Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil.
Às portas dos gabinetes dos deputados federais e senadores, a Caravana se reuniu em nome da sensibilização dos parlamentares para a causa da infância e as frequentes ameaças que vem sofrendo em sua estrutura organizacional básica.
Por meio das reflexões e inquietações do procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT) do Ceará, Antônio de Oliveira Lima (o Seu Peteca), a Caravana Nacional da Infância nasceu como resposta à distância preocupante entre o movimento de defesa à criança e ao adolescente e o poder legislativo, que exerce influência no movimento, destinação de recursos, visibilidade e pautas da rede de proteção.
“A participação da rede é muito ativa no seu território e campo de atuação, mas no momento de decisão sobre diversas pautas, o sistema de garantia de direitos se mobiliza apenas à distância, pela dificuldade de estar presente no ninho de tal arregimentação. Esta barreira dificulta não só a presença, mas a influência da rede de proteção na construção de políticas públicas que influenciarão diretamente o seu trabalho na ponta.” – compartilha Antônio, em entrevista à coluna Quem Tem Boca Vai à Luta.
Para reverter este quadro e aproximar ambos os polos, iniciou-se um processo de mobilização para agrupar e arregimentar os órgãos, instituições e associações de representatividade ao sistema, resultando em um grupo de quase vinte pessoas dos quatro cantos do Brasil – São Paulo, Paraíba, Ceará, Mato Grosso, Maranhão, Rio Grande do Sul, Goiás e do próprio Distrito Federal – carregando, em suas bagagens, retratos bastante distintos da mesma luta por direitos dos meninos e das meninas brasileiros.
Para construir um vínculo mais solidificado entre o movimento e o poder legislativo, os membros da Caravana procuraram os parlamentares de seus estados, apresentando as demandas específicas de seu território e da rede de proteção local.
Um dos objetivos centrais do grupo foi sensibilizar e atentar os deputados e senadores para o severo quadro em que se encontra a política nacional da infância, uma vez que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) sofreu um grave desmonte, tendo toda a sua primazia de funcionamento destituída e, em meio a uma seara tão ampla de pautas, muitos representantes do povo sequer se fazem cientes de tal retrocesso.
Apresentando os dados, relatos e dificuldades enfrentadas enquanto coletivo, a Caravana discutiu suas preocupações e contrapontos à nova formulação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que, durante a estadia da Caravana em Brasília, reduziu seu patamar de metas para um único objetivo: o fortalecimento da família, a preservação da vida e os direitos humanos para todos – o que severamente exclui o atendimento às especificidades dos grupos minoritários (quilombolas, indígenas, ribeirinhos, povos do campo, comunidade LGBT e crianças e adolescentes) nas políticas públicas.
Escuta
Recebidos – com ou sem hora marcada – por líderes partidários e parlamentares, o grupo ouviu as inquietações de quem tem enfrentado diretamente no palanque, como a polarização abrupta do cenário, o que propõe de forma sintomática as dificuldades de discussão e avanço nas leis.
A deputada federal Maria do Rosário (líder parlamentar a aprovar a maior quantidade de projetos de lei em defesa à criança e ao adolescente) realizou duas agendas com os membros da Caravana, além de fazer menção honrosa ao movimento durante a Sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), pedindo ao demais parlamentares palmas ao grupo presente e seu trabalho.
Rosário também anunciou o lançamento da Frente Parlamentar de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, a ser realizado no dia 23 de outubro no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, novo espaço que, sem possibilidade de hesitações, irá fortalecer a luta no território pela representatividade do movimento da infância e adolescente na Casa da Lei.
Para além de Rosário, as deputadas federais Talíria Petrone e Tereza Nelma também levantaram a bandeira da Caravana, sendo que – no caso de Nelma – o grupo foi recebido em reunião, ouvindo a respeito dos cortes orçamentários no campo da garantia de direitos fundamentais da população, tais como a educação, a emancipação feminina e a proteção à criança e ao adolescente.
A deputada ainda distribuiu entre o grupo a edição que seu mandato produziu do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), atualizando as mudanças aprovadas no decorrer deste ano.
O ex-candidato à Presidência da República e Presidente Nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Ciro Gomes, também recebeu a Caravana, ao lado dos líderes de seu partido na Câmara dos Deputados. A Caravana apresentou suas inquietações no que concerne às ameaças sofridas pela rede de proteção e foi convocada a acionar tais lideranças de forma concreta, não hesitando em requisitar posicionamentos e respostas a determinados assuntos pautados em plenário.
Os deputados federais Alessandro Molon, Túlio Gadelha, Jorginho Melo e Dagoberto Nogueira também receberam a Rede Peteca, por via da coluna Quem Tem Boca Vai à Luta. Compartilharam seu desejo de contribuir com a luta de forma plural e assertiva.
Partindo do pressuposto de que o voto é a manifestação mais pura do que acredita o parlamentar, é uma conquista e tanto sensibilizar os parlamentares para promover a reversão de olhar para a criança e o adolescente como um problema, como um gasto e, de forma mais demagógica, como o futuro de um país que os espera crescer para colocar em balança o verdadeiro peso de suas vozes.
Apontando a importância e a relevância de construir políticas públicas para os adolescentes, não apenas para a primeira infância, a Caravana queixou-se dos entraves na discussão propositiva para o investimento no sistema socioeducativo e nas medidas internas e de liberdade assistida, como se os meninos e meninas em cumprimento de medidas não fossem tão dignos de políticas de aprendizagem, profissionalização e ampliação de perspectiva de carreira. Tal conjuntura nos leva a crer que tais adolescentes apenas são alvo da atenção social quando ganham um espaço preocupante entre as manchetes brasileiras.
A ativista dos direitos humanos de crianças e adolescentes de Brasília, Marcília Rocha, pontuou que “ao ser convidada a fazer parte desse time representando Brasília, não sabia o que encontraria, mas tinha certeza que a causa merecia todo o esforço possível. Vivi uma experiência incrível ao lado de pessoas que tem como prioridade absoluta as crianças e adolescentes. Visitamos os gabinetes dos deputados e senadores, comissões, frentes parlamentares e algumas reuniões que trouxeram muitos frutos. Participamos do protocolo da Frente Parlamentar de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente e denunciamos o descaso do atual governo com o Conanda. Foi um período de grande aprendizado. Podemos dizer que conseguimos dar passos largos, pois saímos com a certeza que essa primeira ação conjunta nos permitiu ter esperança diante deste cenário fragmentado que se encontram as políticas de crianças e adolescentes.”
Representatividade
Postulado no ECA, o direito à participação de crianças e adolescentes na vida política dentro da forma da Lei (Art. 16) possui a possibilidade de centenas de caminhos que possibilitam a atuação ativa – e não alegórica – dos meninos e meninas brasileiras na construção de políticas públicas e na proposição de ferramentas poderosas na promoção e defesa de direitos elementares que se fazem mais do que necessários no seu cotidiano, nas mais diversas pautas.
Nesta seara, a Caravana Nacional pela Infância merece destaque pela atuação paritária e legítima da juventude em sua composição, agenda e espaço para posicionamentos – observados e ouvidos com a mesma credibilidade e relevância.
O Comitê Nacional de Adolescentes pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Conapeti) se fez presente em quatro representantes, que levam para seus territórios a incalculável importância de pautar, frente aos representantes locais em quaisquer esferas, o direito da criança e do adolescente como inarredável da pauta e agenda legislativa, visto que é tida – constitucional e socialmente – como prioridade absoluta.
Passando por dois dias e ficando perpetuamente, a Caravana Nacional pela Infância deixa na Câmara dos Deputados e no Senado o legado da participação profícua e necessária da rede de proteção à criança e ao adolescente na política propositiva, construtiva, deliberativa e fiel aos princípios de sua gênese: a representatividade do povo, com vistas atentas para seus grupos mais vulneráveis e alvo das políticas de maior assertividade, aliada aos movimentos de base e ao jornalismo que pauta os direitos humanos de forma legítima e fidedigna, a exemplo da Rede Peteca, presente como comunicadora na Caravana.
Em resposta aos retrocessos, o movimento presente. Em resposta ao ódio, a proteção integral e prioridade absoluta. Em resposta à Caravana, o fortalecimento da participação da rede de proteção à infância na Casa do Povo, na casa das criança e adolescentes.