publicado dia 28/12/2018
28/12/2018|
Por Bruna Ribeiro
Com os pés preparados para pular as sete primeiras ondas de 2019, começam a emergir as típicas listas de metas para si; promessas para que os outros ouçam e objetivos para satisfazer a ninguém – que caem no esquecimento e voltam à tona a cada mês de dezembro, em que somos convidados a olhar para mais doze meses que se foram com o mesmo olhar procrastinado sobre aquilo que, supostamente, é desejado. Supostamente porque poucas delas nos conduzem ao encerramento do próximo ano com uma mudança substancial; com mais esperança do que neste.
Perder um ou outro quilo a fim de atender a padrões absolutamente inconsistentes em seus argumentos; viajar nas férias de inverno; ler ao menos um livro mensalmente; finalmente trocar de emprego e se organizar para otimizar o próprio tempo. A caneta pousa no papel e o preenche com ideias penduradas na cômoda – espaço ocupado por influências externas, compromissos individuais para que sejam leme para um novo ciclo que se aproxima. O vazio palpável de cada uma delas é perecível e, dificilmente, perdura para o próximo ano novo.
O quê não nos convence é que qualquer onda; lentilha; dinheiro no bolso; pulo com o pé direito ou lista podem salvar o abandono anunciado pela omissão que não se prende a uma data específica, mas faz parte da pintura catastrófica que ajudamos a emoldurar. Não estamos falando dos quilos ou da organização, mas das metas que verdadeiramente importam. Coletivamente.
Limpeza
A cômoda passa por uma limpeza e, junto com ela, as ideias que, dia a dia dos 365 que se seguem, passam por metamorfoses naturais ao passo que cada um deles é uma oportunidade para repensar, flexibilizar e até mesmo riscar promessas que deixam de fazer sentido, sendo prontamente substituídas por ideias mais plausíveis com nossos valores e coerentes com os caminhos que tomamos – mediante situações adversas e circunstâncias contrárias ao imaginado. As promessas amadurecem, deixam de ser prioridades para atender à expectativa alheia e passam a compor o mosaico das reflexões empíricas- mesmo que não raro esquecidas.
Partindo deste pressuposto, o olhar mais positivo é capaz de ver que, coletivamente,
deixamos 2018 com uma lista imensa de tarefas inacabadas. Os
vidros dos automóveis fechados enquanto os malabares no semáforo são tentativa de sobrevivência; a esperança para a transição entre os anos que se esvai ao passo que desaparecem as mensagens motivacionais de nossas redes sociais e as promessas sobre o “amanhã” que cansam os ouvidos do hoje apressado, que chega vazio entre pactos, planejamentos e brindes que duram apenas as badaladas da meia noite que se repetem ano após ano, constantemente vazias.
Imediatismo? Não. Urgência
Podemos ver o ano que se aproxima, caminhando em nossa direção e lendo nossas listas, já repetitivas. Nossos compromissos individuais em nada satisfazem ao senso de urgência totalizante que insiste em nos alertar que de nada adianta o espírito natalino, se ele for apenas uma brisa de solidariedade e compaixão que, na manhã do dia 26, já se torna cinzas.
De quê valem as promessas para um novo ano se, em uma cegueira brindada, tornamo-nos incapazes de estender a mão para tantos meninos e meninas que escrevem pedidos para o bom velhinho, muito mais simples – mesmo que distantes – das férias de inverno que ocupam espaço em nossas listas?
Pedidos de dignidade básica, vindos de crianças e adolescentes que, moral e constitucionalmente, têm vínculos de proteção estabelecidos com todos nós (família, sociedade e estado), para além do sangue comum entre as partes.
A humanização não pode ser um processo temático, removido junto com a decoração luminosa. Para quê compartilhamos flores e desejos de bênçãos para todos os nossos amigos virtuais se, em carne e osso, parecemos incapazes de dizer “bom dia” ao passar pela portaria do prédio e encontrar com o porteiro? De quê servem as roupas brancas se tudo ao nosso redor se converte em cifrões cinzas em uma conformidade monocromática? Em que ponto nos perdemos para que um dia presentes valessem mais do que a presença de quem quer que seja?
A ilustração deste sentimento de procrastinação ao urgente e cegueira mediante o evidente é trazida por João Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas“, quando diz: “medo não, mas perdi a vontade de ter coragem”. A sensação de “quase cansaço, quase medo”; torna-se perigosa quando se aproxima da “quase indiferença” e números passam a significar tão somente números, e não vidas passadas a limpo em estatísticas. As metas sobre o outro perdem espaço em nossos planners, porque tudo o que há neles reflete nossa quase incansável ânsia por subir a interminável escadaria da ascensão pessoal.
Fazendo uso desta transição entre os ciclos anuais e do nosso desejo por planejar, por ver além do esperado para um novo ano, colocamos a caneta no papel e, a convite da coluna “Quem tem boca vai à luta”, militantes da área da infância compartilharam suas metas para o próximo ano. Construídas coletivamente, assim como precisam ser riscadas da lista e incorporadas à realidade.
Metas (reais e necessárias) para 2019
Para 2019, a minha – nossa – meta é mobilizar o máximo de pessoas para organizar a sociedade civil no que diz respeito à conscientização sobre o compromisso com o fluxograma de denúncias, com foco específico contra o trabalho infantil, tendo em vista o fato de que o Brasil é signatário do pacto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo fim desta violência até 2020, meta que, segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) não será alcançada se permanecemos neste ritmo de mobilização. Então, mãos à obra!
Parceiro de militância, o consultor em Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes e ex-coordenador geral da Política de Fortalecimento de Conselhos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Marcelo Nascimento compartilha conosco que sua meta para o ano que se aproxima é fortalecer, efetivamente, os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), por meio do estímulo à Formação Continuada dos Profissionais da Rede Protetiva. Trata-se de um caminho que, em suas palavras, capacita-nos para lutar incansavelmente contra todas as formas de violências.
Já a militante e representante do estado de Sergipe no Comitê Nacional de Adolescentes pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (CONAPETI), Alanna Mangueira, traça como objetivo para o próximo ano a mobilização contra o trabalho infantil pela participação sociopolítica de crianças e adolescentes, bem como a intervenção para a redução do quadro de evasão escolar.
A jornalista da Rede Peteca e ativista social Bruna Ribeiro compartilhou que seu objetivo principal para 2019 é, em suas palavras, promover a conscientização a respeito do trabalho infantil por meio de reportagens e campanhas de comunicação, mobilizando as famílias, o Estado e a sociedade para a construção de caminhos para a erradicação desta severa violação de direitos.
Fechando nossa lista, o Procurador do Trabalho do estado do Ceará, Antônio de Oliveira Lima – o Seu Peteca – , apresenta como meta para o seu ano a intensificação da agenda de formação dos Comitês de Adolescentes pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, a nível municipal e estadual, bem como promover ações que estimulem jovens a se tornarem multiplicadores da causa da infância para além do ano que entra, plantando esta semente pelos quatro cantos do Brasil.
Futuro
Se cada um de nós, compartilhando da reflexão desta coluna, assumir a responsabilidade de entrar em 2019 com um dos tijolos para a construção de um Brasil mais justo para nossos meninos e meninas, com resistência, afeto e comprometimento, restabeleceremos nossa vontade de ter coragem, organizando nossa esperança e tornando o nosso medo, semente para subverter a barbárie.
Ao passo em que celebramos, nesta época, o nascimento de um menino, não nos cabe renunciar aos direitos fundamentais de tantos outros. A paz que o menino Jesus trouxe ao mundo ao nascer manifestou-se sob a forma da inocência de uma criança. Um menino com promessas de bênçãos dentro da pobre manjedoura, bem como os lares pobres dos trinta mil jovens mortos anualmente no Brasil, em suas próprias manjedouras. Menino Jesus.
Pelas crianças
A vida destes meninos e meninas é a mais pura e verdadeira face do que desejamos nesta lista de metas da Rede Peteca. Nascimento, renovação, esperança, fé. Acreditar e fazer-se valer dos melhores sentimentos, não tão somente em uma data peculiar, mas por mais 364 dias – de um ano que vai nascer – que são nada mais do que exponenciais oportunidades para praticarmos o maior dos milagres: amar.
O ano só é novo se, com ele, renova-se a nossa capacidade de ser consciente de si e perceptível ao outro. Que 2019 não nos traga nada, mas esteja de braços abertos para tudo o que temos para oferecer. Para nos levar a bordo de novas 365 oportunidades de sermos novos. Mais do que um feliz ano novo. Feliz ano nosso.