publicado dia 24/02/2017

Crianças trabalham no Carnaval de rua de São Paulo ao lado de vendedores credenciados

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24/02/2017|

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Sábado, 18 de fevereiro. São Paulo registra a temperatura de 33,4°C. É o dia mais quente do ano. O clima também esquenta nas ruas da cidade, com mais de 174 blocos de Carnaval no final de semana. Na Estação Faria Lima, Linha 4-Amarela do Metrô, foliões saem em procissão rumo ao Casa Comigo. É tanta gente, que a estação é interditada para o embarque.

Crédito: Débora Klempous

Crédito: Débora Klempous

Do lado de fora, ambulantes credenciados oferecem um refresco. Em caixas de isopor, há água, cerveja e a famosa catuaba. A bebida, muitas vezes, chega aos clientes pelas mãos de crianças e adolescentes que acompanham as famílias no longo dia de trabalho.

Crédito: Débora Klempous

Crédito: Débora Klempous

O credenciamento destes profissionais é realizado pela DreamFactory, empresa responsável pela produção do Carnaval de Rua de São Paulo, selecionada por meio de um edital de chamamento público da Prefeitura da cidade. Apesar de proibir a participação de menores de 18 anos, a realidade é bem diferente (veja resposta da empresa no fim da reportagem).

Sem ter com quem deixar os filhos, *Carlos faz questão que *Carolina, de 12 anos, e *Gustavo, de 6, fiquem embaixo do guarda-sol. O gelo vira brincadeira para quem não tem a sorte de pular entre confetes e serpentinas. “Os avós também estão aqui trabalhando. Ficamos sem opção”, comenta o vendedor, que pretende ir embora apenas quando a farra acabar, por volta das 20h.

Crédito: Débora Klempous

Crédito: Débora Klempous

A história de *João é um pouco diferente. Já circula pelas ruas como gente grande. Ao lado do irmão mais velho, de 19 anos, ele trabalha o ano todo na porta das baladas de Pinheiros, vendendo bebidas. Aos 13, diz que não fica cansado, pois já está acostumado com o trabalho – mesmo com tanto sol.

Crédito: Débora Klempous

Crédito: Débora Klempous

Já na outra ponta da avenida, *Pedro, um ano mais velho, diz estar exausto, segurando um tabuleiro com tiaras de véu de noiva – acessório bastante procurado, devido ao tema do bloco. É pesado e o sol não perdoa.

Crédito: Débora Klempous

Crédito: Débora Klempous

Com experiências e sensações diferentes em relação à missão de trabalhar durante o evento, as crianças e os adolescentes têm suas histórias cruzadas no motivo que os levam às ruas. Vindos dos bairros periféricos da cidade, em geral são de famílias negras e pobres, buscando renda no trabalho informal.

Segundo informações do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, o trabalho infantil é um fenômeno social presente em toda a história do Brasil.

Dos nossos 516 anos de história, quase de 400 deles foram imersos no regime escravocrata. Tratadas como pequenos adultos, as crianças eram objetos de exploração. Quando o país começou a se industrializar, nos séculos XIX e XX, muitas foram trabalhar em atividades fabris e em novas atividades do setor terciário.

Crédito: Débora Klempous

É comum ouvir que o trabalho é a melhor saída para as crianças pobres – “melhor do que roubar”. Dentro desse mito, durante a festa, compradores respondem aos pequenos vendedores com sorriso no rosto. São sorrisos que naturalizam uma violação de direitos, assumindo consequências como evasão escolar, exploração sexual, reprodução do ciclo da pobreza, exposição a acidentes e violência nas ruas.

De acordo com a Lista TIP – Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), é proibido o trabalho ao ar livre, sem proteção adequada contra exposição à radiação solar, chuva e frio, além da venda de bebidas alcoólicas por crianças e adolescentes. A classificação torna o trabalho infantil no Carnaval uma das piores formas.

Fiscalização

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de São Paulo informou que a responsabilidade pelo credenciamento dos promotores é da DreamFactory, produtora do Carnaval de Rua de São Paulo, selecionada por meio de um edital de chamamento público. Ainda segundo a prefeitura, a fiscalização fica por conta do Ministério do Trabalho.

Como denunciar 

  • Disque 100
  • Aplicativos

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A empresa DreamFactory disse que somente os residentes do município de São Paulo e maiores de 18 anos podem ser credenciados. Afirmou também que durante a retirada dos kits de vendas, os inscritos participaram de um treinamento, no qual foram apresentadas algumas normas de segurança, a exemplo do uso pessoal e intransferível da credencial. A empresa não informou se possui fiscalização própria dos credenciados e apontou que esse acompanhamento fica a cargo do Ministério do Trabalho.

Crédito: Débora Klempous

Crédito: Débora Klempous

Segundo o Ministério do Trabalho, as denúncias contra as empresas que exploram o trabalho infantil devem ser feitas na Superintendência Regional de São Paulo, presencialmente, mas a unidade estará fechada durante o Carnaval.

De acordo com a pasta, a fiscalização será reforçada no Carnaval pelo país, com equipes de plantão nas principais cidades, sobretudo onde ocorrerem grandes eventos. Haverá ações na Bahia, Rio de Janeiro e Maranhão, mas não há campanha específica para a capital paulista.

Crédito: Débora Klempous

Crédito: Débora Klempous

O diretor do Departamento de Fiscalização do Trabalho do Ministério, João Paulo Ferreira Machado, lembrou que as atividades nas festas carnavalescas são normalmente nas ruas ou em casas noturnas. Segundo ele, em nenhum desses locais é permitido o trabalho para menores de 18 anos.

Além de fazer a denúncia no Ministério do Trabalho, você pode ajudar denunciando o trabalho infantil por meio do canal de atendimento Disque 100. Também pode contribuir participando da campanha promovida pelo Rede Peteca nas redes sociais.

Crédito: Débora Klempous

Crédito: Débora Klempous

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados.

O QUE DIZ A LEI

O trabalho infantil não é considerado crime no Brasil, embora um projeto de lei em tramitação no Congresso defenda a inclusão da violação no Código Penal. Já a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, bem como o fornecimento, é crime, com pena que vai de multa a até quatro anos de prisão. A infração está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

Art. 243.  Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica.

De acordo Tiago Ranieri de Oliveira, procurador do Trabalho em Goiás (GO), ao detectar situações de trabalho infantil na unidade familiar, tanto a rede de proteção quanto o Ministério Público do Trabalho têm a mesma proposta: proteger a família em primeiro lugar, oferecendo esclarecimentos e alternativas para combater a violação. Caso a família não atenda ao viés da proteção oferecido, existem os seguintes tipos de responsabilização:

  • Responsabilização administrativa
    – Aplicação de medidas protetivas pelo Conselho Tutelar;
    – Se os pais possuírem uma empresa formal, ela pode ser multada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE);
    – Também pode-se firmar uma assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o MPT.
  • Responsabilização judicial
    Se as ações acima não forem cumpridas, o MPT pode entrar com uma ação.

Como as empresas são punidas?
Também há duas maneiras:

  • Responsabilização administrativa
    – Multa do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE);
    – Assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o MPT, e a possibilidade de pagamento de dano moral coletivo.
  • Responsabilização judicial
    – Ação civil pública do MPT

*Dependendo do caso, pode haver responsabilização penal

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