27/07/2017|
Por Bruna Ribeiro
“Este é * Eduardo, 13 anos, uma das milhões de crianças pobres que trabalham neste país. No dia 20 de maio, num átimo, ele simplesmente perdeu dois dedinhos de sua mão direita. Ela trabalhava por uns trocados, num ponto de venda de caldo de cana, em uma das feiras-livres de Aracaju, operando a máquina de moer cana.”
A mensagem chegou pelo celular, na quarta-feira de 7 de junho. Uma daquelas notícias que a gente abre e fecha várias vezes, até tomar coragem de encarar. Nesta quinta, 27, Dia Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, é impossível não se lembrar de Eduardo e de todos aqueles que têm o futuro ceifado pela miséria e pela falta de oportunidades.
O autor da mensagem era Tiago Ranieri, Procurador do Trabalho em Goiás (GO). “Tomei a liberdade de compartilhar esse fato recente com todos, por ser uma das faces escuras do trabalho infantil que ninguém vê, ainda que seja corriqueira. Isso nos esclarece de nosso papel e legitima nossas ações”, complementou.
Para Ranieri, são muitas as consequências físicas, psicológicas e morais do acidente de trabalho. “Em geral, quando acontece acidente de trabalho envolvendo crianças e adolescentes, há mutilação, porque eles trabalham em situações informais, onde não há o uso correto de equipamentos de proteção individual”, explicou o procurador.
Além disso, por mais que haja a utilização do equipamento, ele não se adequa às condições de desenvolvimento de crianças e adolescentes, pois é feito para adultos. Ranieri disse que essa consequência física acarreta a impossibilidade de desenvolver um novo trabalho futuramente, na idade correta.
Na parte psicológica, crianças e adolescentes ficam traumatizados e estigmatizados para o resto da vida. Moralmente, costumam se culpar pelo acidente. “O adulto diz que a culpa foi deles, mas a gente sabe que não é. Foi por conta de condições mínimas de segurança, conhecimento ou pela própria natureza da atividade.”
Por fim, as consequências vão para a conta da sociedade, uma vez que inevitavelmente as vitimas são afastadas pelo INSS. “Quem paga as contribuições previdenciárias para fins de afastamento por acidente de trabalho e doença ocupacional é a população. São consequências que muitas vezes o explorador não pensa, gerando danos para todos.”
Estatísticas
De acordo com os dados do Sinan (Sistema Nacional de Agravos de Notificação), 23.572 crianças e adolescentes, na faixa etária entre 5 a 17 anos, foram vítimas de acidentes graves de trabalho, entre 2007 e junho de 2017, no Brasil. Desse total, 216 morreram, 577 sofreram amputação traumática ao nível de punho e mão e 597 sofreram ferimentos na cabeça.
Segundo Carmen Silvera, especialista membro dos Fóruns de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, estes dados espelham a necessidade urgente de adotar ações efetivas para eliminar o trabalho infantil no Brasil.
Carmen ressalta a importância das ações intersetoriais, a exemplo da Agenda Intersetorial de Combate ao Trabalho Infantil, composta por representantes da Saúde, da Assistência Social, da Educação, do Trabalho, da Organização Internacional do Trabalho, do FNPETI, do Conselho Tutelar, do Ministério Público do Trabalho, entre outros.
Ações
O Sinan é uma das ferramentas utilizadas pelo Ministério Público do Trabalho para acompanhar as notificações dos acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes. O órgão também recebe informações dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da justiça ou até mesmo denúncias realizadas pela imprensa.
A partir das informações, são realizados procedimentos investigatórios e inquéritos civis que podem resultar em Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) ou ações civis públicas, multando os exploradores do trabalho infantil.
Antonio de Oliveira Lima, Procurador do Trabalho no Ceará (CE), contou que o órgão também tem atuado na conscientização e mobilização da sociedade, a partir da parceria com a comunidade escolar, com a rede de saúde, assistência e conselheiros tutelares.
“O risco de acidentes envolvendo crianças e adolescentes é seis vezes maior que o risco corrido por adultos, justamente por eles ainda estarem em desenvolvimento”, explicou o procurador.
Segundo ele, o perigo aumenta, pois a maioria de crianças e adolescentes trabalham em atividades citadas na Lista TIP – Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, proposta pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Convenção 182.
Para Lima, a melhor forma de prevenir os acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes é erradicar o trabalho infantil. “Essa tem sido a prioridade do MPT pelo projeto Resgate à Infância, que atua em três eixos estratégicos: educação, aprendizagem profissional e políticas públicas.”
*O nome foi alterado para preservar a identidade do entrevistado.