13/06/2017|
Por Cecilia Garcia
O ativista indiano e Nobel da Paz Kailash Satyarthi lançou em Brasília a campanha 100 Milhões por 100 milhões, uma iniciativa global pela erradicação do trabalho infantil e da violência contra crianças e adolescentes. O lançamento acontece na audiência pública do Senado Federal sobre o balanço dos três anos do Plano Nacional de Educação, com participação dos parceiros da campanha: Fórum Nacional pela Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
A campanha centra-se na mobilização de 100 milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente jovens, para lutar por crianças e adolescentes que vivem em pobreza extrema, sem acesso à educação e presas em atividades como trabalho infantil, escravidão e exploração sexual.
Respondendo a perguntas do FNPETI e da Rede Peteca, o ativista indiano explica o motivo de ter escolhido jovens como porta-vozes da causa. “Temos que envolver a juventude porque não são somente vítimas, como também usados para causar essas violências. Muitos jovens estão se preparando para fazer algo bom em seu futuro e querendo agir, então temos que convencê-los a olhar para seus irmãos e irmãs que ainda sofrem explorações e violações de direitos humanos”.
A escolha de lançar a campanha em Brasília tem a ver com a longa relação que o ativista estabelece com o Brasil. Em sua última visita, em fevereiro de 2016, Kailash elogiou a legislação brasileira, em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como os esforços feitos para erradicação do trabalho infantil.
O ativista também comemora conquistas em seu próprio país. Com 20% da população do mundo, a Índia é um dos países com maior índice de trabalho infantil: 60 milhões de crianças e adolescentes. Em 2017 o país finalmente se tornou signatário das convenções 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT): a primeira prevendo a idade mínima de trabalho para 14 anos, e a segunda proibindo a participação de crianças e adolescentes nas piores formas de trabalho infantil.
“Acredito que a situação tanto na Índia quanto globalmente está ficando melhor com relação ao trabalho infantil. Temos o declínio de crianças trabalhando e também das que estão fora da escola. No meu país, é com alegria que percebo que as leis estão sendo corrigidas e endurecidas para pôr um fim nesse tipo de exploração”, comenta o ativista, responsável pela retirada de mais de 83,5 mil crianças do trabalho infantil nos 30 anos de atuação da ONG Bachpan Bachao Andolan.
Campanha Nacional pelo Direito à Educação lidera iniciativa no Brasil
Em sua visita ao Brasil, no início de 2016, Kailash convidou Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito de Educação e parceiro em projetos de educação e direitos humanos para gerenciar a campanha no país. “A ideia era trabalhar uma iniciativa que envolvesse promoção de direitos nas áreas de educação, saúde e assistência social, unindo mobilização social e combate ao trabalho e exploração infantil. Em dezembro de 2016, a campanha foi lançada na Índia, no evento Laureates and Leaders for Children Summit e hoje, a lançamos em Brasília para setores da sociedade civil, governos e parceiros”.
Daniel explica que, no Brasil, a meta inicial é mobilizar 200 mil brasileiros e brasileiras durante a Semana de Ação Mundial, um dos maiores eventos de educação brasileira. “Para alcançarmos os 100 milhões, o principal objetivo é trazer os jovens, especialmente os secundaristas que ocuparam escolas por todo o Brasil no fim do ano de 2015”, diz Daniel.
Após o lançamento, a estratégia é buscar mais parceiros e planejar ações de forma coletiva, sob coordenação da Campanha, mas também com participação da sociedade civil.
Cenário do trabalho infantil e da exploração
de crianças e adolescentes no Brasil
O trabalho infantil é proibido no Brasil pela Constituição Federal de 1988. Ainda assim, 2,7 milhões de crianças e adolescentes brasileiros estão em situação de trabalho, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015. O número equivale a toda a população da Jamaica e representa 5% do total de brasileiros de 5 a 17 anos. Em 2014, eram 3,3 milhões.
A tendência de queda nos índices de trabalho infantil está em risco devido ao crescimento entre a população de 5 a 9 anos por três anos seguidos e na agricultura.
Em 2015, foram registrados 79 mil casos entre crianças de 5 a 9 anos, 12,3% a mais que em 2014, quando havia 70 mil crianças nesta faixa trabalhando. Em 2013, eram 61 mil. O aumento é inaceitável e preocupante, na avaliação do FNPETI (relembre a entrevista feita pela Rede Peteca).
A Pnad registrou também elevação do percentual de crianças de 5 a 13 anos ocupadas em atividades agrícolas, de 62% para 64,7% entre 2014 e 2015.
O Brasil também não foi capaz de cumprir a meta de eliminar as piores formas de trabalho infantil em 2016, compromisso firmado com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2006 e reforçado na Conferência de Haia, em 2010.
A exploração sexual é considerada uma das piores formas de trabalho infantil. Por ocorrer de maneira ilícita, tem pouca visibilidade e torna-se difícil de ser quantificada. Trata-se de crime hediondo, com pena de 4 a 10 anos de prisão, a ser cumprida em regime fechado e sem fiança. A maioria das vítimas são meninas.
O trabalho infantil doméstico também é uma das piores formas. Mais de 90% das exploradas são meninas e cumprem dupla jornada. 83,1% também realizam afazeres domésticos nas próprias casas. O baixo rendimento escolar, o abandono dos estudos, adoecimentos e acidentes de trabalho são algumas das consequências desse excesso de atividades.
Todas as piores formas de trabalho infantil estão explicitadas no Decreto 6481/2008 e neste infográfico da Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil: